De: Matteo Garrone. Com Seydou Sarr, Moustapha Fall e Issaka Sawagodo. Drama / Aventura, Itália / Bélgica / França, 2023, 121 minutos.
Vamos combinar que um filme como Eu, Capitão (Io Capitano) estar entre os indicados ao Oscar na categoria Filme em Língua Estrangeira só pode ter a ver com um lobby muito bem feito. Ok, a obra realizada pelo versátil Matteo Garrone - de Reality: A Grande Ilusão (2012) e Dogman (2018) - não chega a ser ruim. Mas o que incomoda aqui é aquele formato embaladinho, que dá uma suavizada em um tema sério como forma de tornar a experiência mais palatável pro espectador. Sim, porque todo mundo sabe dos problemas atuais que envolvem as crises imigratórias pelo mundo - ainda mais as que dizem respeito a saída de africanos em direção à Europa. E por mais sedutora que seja a boa e velha história de superação de dificuldades há que se observar os eventuais esvaziamentos de pauta. Que podem apenas banalizar a problemática a partir da mera espetacularização.
Falo isso especialmente em relação a uma sequência do terço final, em que centenas de africanos das mais variadas nacionalidades estão a bordo de um barco, cruzando o Mar Mediterrâneo, para tentar chegar até a Itália. Uma viagem longa, de mais de um dia, cansativa. E é exatamente nesse momento, que Seydou (o ótimo Seydou Sarr) se torna uma espécie de herói involuntário, que sai de alguém que é incapaz de navegar em alto mar, para um sujeito que precisa resolver absolutamente todas as pendengas do lugar. É mulher grávida, é gente passando mal, é falta de água e comida. E lá vai Seydou pra lá e pra cá, saltando por sobre as pessoas, buscando contato pelo rádio de forma desesperada, tentando algum socorro terrestre. Até o ponto em que, exaurido, ele garante, com a câmera em um contra plongée que o torna maior do que ele é, enquanto a trilha sonora sobe: "ninguém aqui vai morrer!". Será mesmo?
Sim, tudo ali parece ter uma certa beleza estética, a despeito do caos reinante na embarcação - um aspecto meio glamourizante da pobreza que, no mínimo, nos deixa com uma pulguinha atrás da orelha. Vale o mesmo para o início da produção, quando somos jogados para o Senegal natal de Seydou - que parece ser uma nação, sim, bastante pobre, mas também muito feliz. As roupas são coloridas, sua mãe é uma dançarina de ritmos locais, que participa de eventos festivos. Mas por quê Seydou quer tanto sair dali se a harmonia de tudo parece ser tão idílica? Ok, talvez haja um aspecto de não recorrer ao componente da miséria humana como motivador de tudo. Seydou apenas deseja ir pra França ao lado do seu primo Moussa (Moustapha Fall) para tentarem a sorte como músicos de rap. Para tentar vender a sua arte para os brancos daquele continente. E resolvem embarcar em uma jornada de vida ou morte que envolve a travessia pesada do deserto do Saara - com seus 1800 quilômetros escaldantes.
E como se já não bastassem os perigos do deserto em si - reforçados com imagens impactantes de cadáveres mortos que ficam pelo caminho -, Seydou e Moussa ainda precisam lidar com contrabandistas, milicianos, policiais corruptos e representantes de governos de índole questionável no caminho que passa por Mali, Nigéria e Líbia. O que envolverá uma série de violências - inclusive torturas. E aqui entra mais um probleminha que, a meu ver, me incomodou. E que teve a ver com certo maniqueísmo da história. Afinal de contas, a gente sabe que há um lado certo pelo qual somos direcionados a torcer. Mas precisava os sujeitos bons serem absolutamente bons o tempo todo? Nenhum desvio de caráter? Nenhuma decisão etica ou moralmente questionável? Já no lado dos vilões, como não poderia deixar de ser, todos são broncos, toscos, obtusos - o que é reforçado pelos seus comportamentos truculentos, suas expressões faciais brutas e seus figurinos de gângster de jogo de videogame.
Como eu disse ali em cima, creio que Eu, Capitão tem seu ponto - inclusive no final levemente ambíguo (que me agradou bastante). Afinal de contas uma jornada longa dessas, cheia de percalços e incertezas, não resolverá o problema em si. Aliás, uma questão que parece longe de qualquer solução - ainda mais se pensarmos em outros países como a Palestina e a Síria. Mas do ponto de vista fílmico não consegui me conectar com o idealismo dos personagens. Nem com suas motivações. E quando Garrone apela pra uma certa dose de realismo fantástico também não consigo compreender muito bem o seu uso. É uma forma de santificar, de glorificar ainda mais os seus protagonistas? Essas figuras que superam todas as suas fraquezas por um objetivo maior? Ok, talvez esteja cobrando uma verossimilhança que atravessa o fato de Garrone ser um realizador branco, ocidental, bem sucedido (por melhores que sejam suas intenções). Em um filme premiado - inclusive no Festival de Veneza. Ainda assim coloco essas questões. É pra refletir mesmo. E por isso estamos aqui.
Nota: 5,0
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