De Yasujirô Ozu. Com Chishu Ryu, Setsuko Hara, Kuniko Miyake e Sô Yamamura. Drama, Japão, 1953, 130 minutos.
Poucos filmes conseguiram ser tão sutis - mas sem deixar de lado o impacto provocado - em sua abordagem a respeito do cotidiano atribulado e corrido de uma grande metrópole como no caso de Era Uma Vez em Tóquio (Tokyo Monogatari), obra-prima do diretor japonês Yasujirô Ozu. Só que a rotina em altíssima velocidade, no caso da contemplativa abordagem de Ozu, não está relacionada aos signos a que estamos acostumados - sejam eles os carros engarrafados, a cidade iluminada ou a tecnologia onipresente, algo visto em trabalhos recentes, como Encontros e Desencontros, de Sofia Coppola. Para o diretor é o núcleo familiar, somado ao comportamento dos sujeitos vistos em tela que darão o tom da narrativa que, se por um lado jamais acelera plenamente, por outro, mostra como o dia a dia das pessoas pode ser quase mecânico ou robótico (pra não dizer torpe).
A trama é conduzida por um casal de idosos aposentados, que resolve sair de sua pacata vida no interior do Japão para visitar os filhos, que moram e trabalham em Tóquio. A chegada inicialmente festiva, logo é substituída por um leve sentimento de indiferença por parte dos filhos, que não conseguem adequar às suas atarefadas rotinas à presença dos pais. Um dos filhos é médico e até mesmo em finais de semana recebe visitas de moradores locais para que sejam realizados atendimentos fora de horário. Para a outra filha, que atua como cabeleireira na casa em que mora, a organização relacionada ao trabalho parece estar relacionada às 24 horas de seu dia. Apenas a nora que era casada com um outro filho, falecido durante a guerra, parece ter tempo para os dois, que, na maior parte de seus dias, apenas aguardam o passar das horas em meio a correria dos demais, enquanto abanam de maneira fastidiosa os seus leques.
Quem acompanha a obra de Ozu sabe que as relações familiares e as diferenças entre as gerações são temas muito presentes em seus trabalhos - algo que também pode ser visto nos igualmente belos Ervas Flutuantes (1959) e A Rotina tem Seu Encanto (1962). O ambiente doméstico, ainda que nunca claustrofóbico, também costuma ser construído por Ozu a partir de planos pouco convencionais, com a câmera fixa, posicionada a cerca de um metro do chão - com o espectador funcionando como se fosse um discreto observador da rotina de cada um dos personagens. Da mesma forma, a câmera posicionada de frente para os atores nas cenas em que ocorrem diálogos, também não deixa de ser um surpreendente recurso técnico, que distancia Ozu do estilo absolutamente tradicional encontrado em outras gramáticas fílmicas - especialmente as de Hollywood. O que por si só, já seria motivo suficiente para que este filme fosse apreciado.
É preciso que se diga ainda que, por mais melancólico que seja o roteiro, ele jamais cai no melodrama barato ou na pieguice - algo que talvez pudesse ocorrer no cinema americano, especialmente a partir da mão pesada de algum diretor afeito a exibicionismos mais lacrimosos. No caso de Ozu ocorre o contrário, com o casal de idosos apresentando um otimismo adorável em todos os momentos, estando muito mais preocupados com a felicidade dos filhos - ainda que isso envolva a sua própria "invisibilidade" - do que com a deles mesmos, num exercício de altruísmo capaz de emocionar sem forçação de barra, da forma mais orgânica possível. Algo ampliado pela interpretação absolutamente naturalista de todo o elenco. Para nós, ocidentais, muitas vezes Ozu acaba ficando em segundo plano, já que costumamos dar preferência para o cinema mais "global" de outros diretores japoneses, como Akira Kurosawa. Mas quem se aventurar pela obra de Ozu - presente em dezenas de listas de melhores de todos os tempos - encontrará um filme ao mesmo tempo doce e sincero sobre como costumamos lidar com as pessoas mais velhas. E sobre como deveríamos lidar. Fundamental é pouco.
Nenhum comentário:
Postar um comentário