quarta-feira, 7 de fevereiro de 2024

Grandes Filmes Nacionais - Falsa Loura

De: Carlos Reichenbach. Com Rosanne Mullholand, Djin Sganzerla, João Bourbonnais, Suzana Alvez e Maeve Jinkins. Comédia / Drama, Brasil, 2008, 105 minutos.

"Como é aparentemente desconcertante isso que o homem chama de prazer! Que maravilhosa relação existe entre a sua natureza e o que se julga ser o seu contrário, a dor. [...] Procuremos um deles e estaremos sujeitos a encontrar também o outro." Mamma Bruschetta, Tiazinha do H, Léo Áquila, Maurício Mattar, Cauã Raymond como um roqueiro canastrão, Fellini, Almodóvar, um dia de princesa, musicais da Hollywood clássica e Sócrates - no caso o filósofo, não o jogador de futebol. Unir todos esses elementos que juntam o popular e o kitsch, com o cult e o erudito é o que o diretor Carlos Reichenbach fez com maestria em Falsa Loura, seu derradeiro filme, que está disponível para aluguel no Now. Uma experiência onírica, excêntrica, engraçada, capaz de evidenciar questões relacionadas à diferenças de classes e ao sonho de vencer na vida, com outros temas como o machismo e até mesmo a certa alienação juvenil.

Em linhas gerais, esse é o tipo de projeto que tenderia a irritar as pessoas, nos dias de hoje. Afinal de contas uma jovem operária muito consciente de sua beleza (vivida pela estonteante Rosanne Mullholand) em uma narrativa que tem como objetivo central conseguir ir a um show do artista popular do momento, não parece ter maiores atrativos. Mas essa me pareceu apenas uma desculpa bastante ousada do diretor para escancarar a misoginia que brota das periferias - e que pode ser ainda mais cruel com as mulheres pobres ou em condições mais vulneráveis. Ao cabo, como quase sempre na obra de Reichenbach, seus homens são rudes, broncos, toscos, entortados - meio incapazes de se comportar de forma decente, na presença de uma mulher. Esse é caso do roqueiro Bruno (Reymond), que se aproxima de Silmara (Mullholand) apenas porque ela é bonita e vai ser mais um trofeuzinho pra sua coleção. Mas também é o caso do pai de Silmara, um ex-presidiário cheio de contradições.

Sim, os homens podem não ter muita complexidade, mas a realidade é que eles são assim mesmo - vale a mesma regra pro malandrão Tito (Jiddu Pinheiro), um sujeito que beira o caricato não apenas no seu comportamento, mas nas vestimentas, no jeito de falar. Só que esse é um filme sobre mulheres e sobre a luta diária por ascensão, em um universo que parece valorizar certos padrões de beleza acima de tudo. E não por acaso em uma das primeiras sequências, Silmara arruma uma briga meio aleatória nos vestiários da fábrica em que trabalha, com a sua colega Briducha (Djin Sganzerla), a quem ela acusa de não se valorizar (mesmo tendo um corpo supostamente bonito). E o caso é que o comportamento meio avançadinho da protagonista faz com que ela seja acusada de se prostituir ou coisa do tipo. Até mesmo porque, vocês sabem, na cabeça doente desse mundo machista uma jovem não pode usar uma roupa curta, mais ousada ou o que quer que ela seja, sem ser taxada de... puta, claro.

Orbitando Silmara há ainda outras figuras, casos de Milena (Suzana Alves, a Tiazinha em pessoa), que parece adorar uma fofoca, de Regina (Luciana Brites), uma professora de dança insinuante e a vizinha Ligia (Maeve Jinkins), uma modesta professora, que também parece buscar um "lugar ao sol". Com uma paleta que se alterna entre o colorido cintilante e o cinza sorumbático (especialmente nas sequências que envolvem o pai de Silmara e seus relacionamentos escusos), a obra brinca com as possibilidades gramaticais do cinema, convertendo-o em uma fábula de gata borralheira moderna, urbana, de barulhos, movimentos e gentes diversas - com direito a karaokê brega, com as bolinhas pulando no acompanhamento da letra e mar fake, feito com uma lona plástica. "Você é mesmo operária? Poxa, mas você é tão linda", pergunta a empresária Cassandra (Deivy Rose), no terço final, como que antecipando a dor total de todas aquelas mulheres que, façam o que quiserem, parecerão apenas rodopiar indefinidamente no mesmo lugar. Especialmente em um cenário de tantos contrastes sociais como o nosso. Enfim, uma obra-prima que merece ser reconhecida!


Nenhum comentário:

Postar um comentário