terça-feira, 27 de fevereiro de 2024

Picanha.doc - Jon Batiste: American Symphony

De: Matthew Heineman. Com Jon Batiste e Suleika Jouaoud. Documentário / Drama / Biografia, EUA, 2023, 103 minutos.

Vamos combinar que histórias de personalidades que são selecionadas para virar filmes, muitas vezes são feitas de escolhas. Tomemos como exemplo o caso de Jon Batiste, que tem um pequeno recorte de sua vida apresentado no projeto Jon Batiste: American Symphony, um dos indicados ao Oscar na categoria Documentário. Ainda que meio desconhecido do público brasileiro, o carismático artista "ataca" nas mais diversas frentes. É cantor, compositor, instrumentista, líder de banda televisiva e uma espécie de ativista da música como expressão artística. Aliás, essa última parte foi aquilo que o fez criar, ao lado do saxofonista Eddie Barbash e do tocador de tuba Ibanda Ruhumbika, além do baixista Phil Kuehn e do baterista Joe Saylor o coletivo Stay Human - espécie de supergrupo que fazia performances improvisadas e efervescentes de R&B e jazz fusion nas ruas, no metrô ou onde fosse em Nova York. Tudo na crença de conectar pessoas com pessoas. De se elevar, de aproximar.

Nesse sentido, é preciso que se diga que só essa parte do Stay Human, de como ele surge, se consolida e pavimenta o caminho para que, mais adiante, Batiste se torne o diretor musical do Late Show com Stephen Colbert, já seria motivo suficiente para uma narrativa de excelência. Mas tem mais: como homem negro nascido em uma pequena cidade da Louisiana, certamente a trajetória até o ingresso no prestigiado conservatório Julliard, talvez não tenha sido tão simples. Especialmente pelo seu perfil descontraído, extrovertido - ainda que ele integre uma família de músicos de Nova Orleans e desde os oito anos tenha tido contato com percussão e piano. Talentoso, transcreveria trilhas sonoras de jogos de videogame como Street Fighter e Sonic. Tudo isso ainda na adolescência. É muita coisa. Aliás, muita coisa interessante que poderia ser melhor explorada - não apenas como uma nota de rodapé de um filme que aposta no melodrama meio novelesco como matéria-prima.

 

 

Ok, eu não quero reduzir as boas intenções da obra que está disponível na Netflix e que foi dirigida pelo premiado Matthew Haineman (de City of Ghosts, 2015 e Cartel Land, 2017). Ele sabe o que e como faz, é óbvio. Mas o caso é que tive um pouco de dificuldade de me conectar com a história de Batiste. Ou talvez com a parte que foi selecionada para virar filme - no caso um ano de vida ainda dentro da pandemia, no final de 2021, em que ele se empenha em gestar a sua primeira sinfonia para uma apresentação no Carnegie Hall. Como se já não bastassem os desafios da construção da peça musical em si, o artista ainda precisa lidar, de forma concomitante, com os esforços de sua esposa, a escritora, colunista, ativista e palestrante motivacional Suleika Jauouad na luta contra uma forma rara de leucemia - que retorna após dez anos de remissão. É um ano turbulento que é filmado em tomadas fragmentadas e bastante íntimas, que se alternam entre a vida doméstica (com vários momentos ao lado de Suleika) e os demorados ensaios de bastidores, com a construção dos trechos que formarão a sinfonia.

Evidentemente que, dada essa escolha, a obra parece querer condicionar o espectador à emoção, fazendo ecoar as notas emocionantes do trabalho de Batiste, ao mesmo tempo em que apresenta sequências em hospitais, consultórios, de exames médicos de outros procedimentos. E, aqui é importante afirmar: ninguém está minimizando a dor que envolve o tratamento de um câncer não apenas para quem padece da doença, mas também dos familiares. Mas o caso é que, em alguns instantes, ficou meio difícil não achar que o diretor estava dando uma forçadinha na barra para que o espectador fosse as lágrimas. Em tempo: Suleika está viva, após dois transplantes de medula óssea e tratamentos com células tronco. E há que se respeitar a sua perseverança e resiliência no tratamento. Já Batiste entregou o seu projeto - o que no filme funciona como uma metáfora para a ideia de sobrevivência como um ato criativo. Só que eu confesso que queria ver mais de outras partes da história do protagonista com a música. Como no caso da vitória no Grammy de 2021, desbancando grandonas do pop como Olivia Rodrigo e Billie Eilish. Ou mais sobre seus recorrentes ataques de pânico. Pena que tudo isso passe tão rapidamente no filme. Enfim, escolhas. Há que se respeitá-las.

 

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