quarta-feira, 14 de fevereiro de 2024

Picanha.doc - A Noite que Mudou o Pop (The Greatest Night in Pop)

De: Bao Nguyen. Com Lionel Richie, Bruce Springsteen, Dionne Warwick e Cindy Lauper. Documentário, EUA, 2024, 97 minutos.

"Esta vai ser uma noite especial". A frase dita mais de uma vez por Lionel Richie durante a apresentação do American Music Awards de 1985 é meio que um chavão quando o assunto são as premiações. Nesses casos os hosts costumam usar esse tipo de clichê, com uma ou outra variação, como forma de reforçar o caráter espetacular daquele encontro. À época, o AMA costumava reunir as maiores estrelas da indústria da música. E não foi diferente naquele 28 de janeiro. Mas talvez no íntimo de Richie houvesse uma motivação a mais para aquela empolgação que ele demonstrava a todo instante. A cada novo ato ou distinção concedida - aliás, ele mesmo faturaria seis estatuetas no evento. Afinal, aquela noite também foi a escolhida para reunir 45 artistas norte americanos para a gravação de We Are the World, a clássica canção do coletivo USA for Africa, que tinha o objetivo de ajudar as vítimas da fome e de doenças no continente, especialmente em países como Etiópia.

E reunir tantas estrelas, a gente sabe, não é apenas um desafio logístico - um "pesadelo", como definiria uma das produtoras do encontro -, mas também a necessidade de lidar com egos e personalidades de figuras absolutamente distintas, como, Stevie Wonder e Bob Dylan, Cindy Lauper e Huey Lewis. Em uma época em que a organização de um encontro desse porte envolvia horas e horas ao telefone, choques de agendas em meio a turnês cansativas - como no caso de Bruce Springsteen, que recém concluía a maratona de apresentações do clássico álbum Born in the USA -, o AMA pareceu o momento ideal para a junção de tantas celebridades. Com um propósito tão nobre. Todos sem cachê em uma jornada tão improvisada quanto exaustiva. E que é narrada com irresistível carisma no documentário recém lançado pela Netflix, A Noite que Mudou o Pop (The Greatest Night in Pop).

 

Quem cresceu nos anos 80, se acostumou a ouvir (e a ver o clipe) daquela canção melodiosa, até meio brega, com um refrão grudento daqueles que fica na cabeça após duas ou três audições. Mas quando assistimos na tela astros como Dionne Warwick, Kenny Rogers, Paul Simon, Tina Turner, Kim Carnes, Diana Ross e Willie Nelson, nunca paramos pra pensar, de forma racional, o quão complexo deve ter sido tudo aquilo. Porque não basta apenas reunir os astros. Há um roteiro a seguir. Quem canta o quê. O encaixe das vozes - muitas vezes de perfis distintos. Uns mais roqueiros, outros mais trovadores. Alguns da música country, outros do R&B. Diferenças artísticas, culturais, até sociais. Sob coordenação do produtor Quincy Jones, Michael Jackson e Lionel Richie aceitaram o desafio. Inspirados por Bob Geldof e Harry Belafonte, que já possuíam uma história na música (e no ativismo social).

Na ocasião, durante mais de nove horas, enfrentando o calor, cansaço e um cronograma extenso, esses artistas do primeiro time se entregaram ao projeto, intercalando instantes bem humorados, com outros mais tensos. Como uma espécie de feel good movie inesperado, o documentário dirigido por Bao Nguyen se aproveita de uma série de imagens de arquivos e de bastidores, com entrevistas, erros (e acertos) de gravação e até insatisfações, que resultariam em abandonos no meio do caminho. Com inúmeros grandes momentos - como aquele em que todos ali se confraternizam, com direito a pedidos de autógrafos mútuos -, a obra humaniza seus protagonistas, evidenciando suas inseguranças, incertezas e medos (e nesse ponto é muito divertido ver o relato bastante sincero de Huey Lewis, por exemplo, que admitiria estar com as pernas tremendo diante de tanta gente importante). Por fim, a gente sabe que tudo sairia a contento, com o single tendo ótima recepção da crítica e do público, o que catapultaria as suas vendas, contribuindo para a causa original (e servindo de case para outros projetos do tipo).


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