sexta-feira, 9 de fevereiro de 2024

A Volta ao Mundo em 80 Filmes - De Quem É o Sutiã? (Azerbaijão)

De: Veit Helmer. Com Miki Manojlovic, Denis Lavant, Paz Vega e Chulpan Khamatova. Comédia / Drama, Azerbaijão / Alemanha, 2018, 91 minutos.

Uma experiência ousada, curiosa e divertida que, em alguma medida, ainda comove em sua análise sobre a solidão no mundo e a respeito da nossa eterna busca por algum tipo de conexão humana. Sim, talvez eu esteja dando uma exagerada nas minhas impressões a respeito da comédia De Quem É o Sutiã (The Bra), obra do Azerbaijão que está disponível na plataforma Belas Artes A La Carte. Na trama, que não possui uma linha de diálogo sequer - um recurso que parece funcionar muito menos como homenagem e sim como artifício que ajuda a contar a história (os silêncios que dizem muito) -, acompanhamos o maquinista veterano Nurlan (Miki Manojlovic), em vias de se aposentar. Cruzando diariamente uma comunidade montanhosa na região do Cáucaso (próxima a capital Baku), ele tem como tarefa complementar de sua rotina levar de volta para os moradores do local as peças de roupa que, porventura, resultem penduradas, por "acidente", no trem.

O caso é que o trem passa muitíssimo perto das casas (e dos habitantes), tanto é que um menino tem a curiosa incumbência de alertar as pessoas do entorno a respeito das idas e vindas da composição - o que ele faz com apitos, gritos e gestos exagerados, que espantarão os moradores para fora dos trilhos. Aliás, um tipo de risco meticulosamente calculado, pelo visto. Só que isso não evita roupas de cama e blusas que, penduradas em varais muito próximos dos trilhos, resolvam "pegar uma carona" na enorme condução. Nurlan, como perceberemos, é um sujeito bastante solitário. E encontra nessa rotina de devolução de objetos, uma forma de aproximação com desconhecidos. Só que tudo se complica em seu último dia: após passar o bastão para o seu substituto Kamal (Denis Lavant), o homem perceberá a presença de um sutiã azul enroscado no motor do trem. O que lhe mobilizará a empenhar uma verdadeira via crúcis em busca da dona da peça.

Em alguma medida, esse é o tipo de experiência que parte de um fiapo de história para tentar avançar para além do microcosmo - o que ocorre em outros projetos do cinema asiático, como no caso dos iranianos (e mais pesados) Tempo de Cavalos Bêbados (2000) e Onde Fica a Casa do Meu Amigo? (1987). Especialmente no segundo caso, a história é minúscula e envolve um menino empenhado em levar um caderno perdido para o seu colega de sala de aula, para evitar que este seja punido por seu professor. Aqui não há necessariamente, uma motivação a mais para além da banalidade cotidiana, com o caráter documental do projeto o fortalecendo como uma produção naturalista. Por mais que o trem possa ser corpulento e exagerado, inclusive no que diz respeito à sonoridade de suas engenhocas, não deixa de ser interessante notar como o silêncio sepulcral forma um curioso paradoxo para o barulho exterior. Não há necessidade de diálogos para que tudo seja perfeitamente entendido.

Nas redes sociais, sempre prontas para aquela ação diária de cancelamento, foram criticadas algumas escolhas do diretor alemão Veit Helmer, especialmente por conta de uma suposta sexualização ou objetificação das mulheres. Afinal, nas andanças de Nurlan pela vila ele encontrará as mais variadas personalidades - que podem ser desde uma jovem carente, uma interessada dançarina, uma mulher de vida bastante humilde e uma casada que parece sempre estar sendo vigiada pelo marido opressor. Em cada encontro, uma tentativa de fazer ver se o sutiã serve ou não em cada uma delas, como um ideal talvez alegórico, metafórico do "par perfeito" (por mais que, evidentemente, nunca seja tão saudável tentar encaixar algo ou alguém em nossas vidas, forçadamente). Com ecos de Jean Pierre Jeunet e Jacques Tati, essa é uma obra carismática e eventualmente caricatural que, dado o seu tema, preserva uma ingenuidade e um senso de humor acachapantes. Condição reforçada por sua afetuosa conclusão.

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário