terça-feira, 6 de fevereiro de 2024

Tesouros Cinéfilos - A Vila (The Village)

De: M. Night Shyamalan. Com Joaquin Phoenix, Bryce Dallas Howard, Adrien Brody, Sigourney Weaver, William Hurt e Brendan Gleeson. Drama / Suspense, EUA, 2004, 108 minutos.

Lembro de não ter gostado de A Vila (The Village) quando o assisti a primeira vez no cinema, em um agora distante ano de 2004. E tenho a ciência de que, vinte anos depois, talvez ele pudesse ser um filme melhor do que efetivamente é. Afinal de contas, em tempos de avanço da extrema direita, de radicalização, de lavagem cerebral, de desinformação e da mistura cada vez mais "afinada" entre religião e política, a impressão que temos é a de que a obra de M. Night Shyamalan pisa apenas no rasinho, em sua abordagem da alienação e do medo do diferente. Só que este, como todos os outros projetos, é um trabalho de seu tempo. Que no caso é o tempo do começo do milênio - o que envolve Torres Gêmeas, guerra ao terror, tecnologia incipiente, crises ambientais e incerteza diante de tudo. E em meio a isso, também não podemos perder de vista um aspecto fundamental: do ponto de vista do suspense, esta segue sendo uma grande produção.

Aliás, hoje em dia o folk horror que abriga obras distintas como Midsommar: O Mal Não Espera a Noite (2019) e Lamb (2021) pode até estar na moda, em alta, ocupando fóruns de discussão internet afora. Mas, naquele período, um thriller que nos apresenta aos terrores que emanam da luz solar claudicante, do dia - e não da noite, com seus porões, quartos escuros e florestas densas -, era mais raro. Uma frase de Zygmunt Bauman, que virou uma espécie de chavão adotado por palestrantes de autoajuda, diz que "em vez de construirmos muros, deveríamos construir pontes". Só que no universo de A Vila, os chamados "anciãos" acreditam que o caminho para a felicidade e para a união comunitária possa estar no isolamento. É dessa forma que, supostamente, preservam o bem-estar e a tranquilidade de sua aldeia remota. Com seus almoços festivos, convivência pacífica, ordem e equilíbrio. Assim vivem os cidadãos de bem. Sem saber o que acontece para além dos bosques circundantes.

E como forma de alimentar o medo dos moradores dali, os idosos garantem haver na mata fechada uma espécie de monstro meio humano meio bicho que eles sequer citam o nome - que se tornariam famosos em uma época pré-memes como "aqueles de que não falamos a respeito". E a suposta pacificação entre as criaturas da floresta e os moradores da vila envolveria o fato de uma não invadir o espaço da outra. Os limites são estabelecidos com grandes torres iluminadas, com lâmpadas a óleo (e capas amarelas). Além disso, evita-se a qualquer custo a cor vermelha - que chega a ser quase óbvia em seu aceno ao perigo (sem que para isso seja necessário recorrer à psicologia das cores). Só que a coisa começa a desandar quando um certo Lucius Hunt (Joaquin Phoenix) pede autorização dos anciãos para cruzar as fronteiras da floresta para buscar medicamentos, após a morte de um jovem aldeão. Com tudo piorando quando Lucius resolve avançar mata dentro, o que traz com ele uma trilha de sangue que envolve a morte de animais e outros eventos violentos.

Todo esse cenário é construído por Shyamalan com grande devoção - seja por meio da trilha sonora muito apropriada de James Newton Howard (que chegou a ser lembrada com uma indicação ao Oscar), ou pelo desenho de produção que explora o caráter bucólico do local, com seus limites, bordas, plantas, hortas e outros ornamentos. Como se fosse a comunidade de O Homem de Palha (1973), o grupo de anciãos parece ter uma motivação genuína para o isolamento - o que, de forma paradoxal e em tempos de pós-pandemia, de guerras e de caos social, o conecta com os dias de hoje. Unido a esse aspecto há o componente sombrio, de revelações que ocorrem de forma paulatina e de surpresas eventuais que funcionam a contento. Aliás, o diretor indiano que ficaria famoso por filmes com finais de explodir a cabeça - casos de O Sexto Sentido (1999) e Corpo Fechado (2000) -, apostaria aqui em uma experiência muito mais sensorial que não busca o choque ou um clímax, orquestrando a obra como um tipo de alegoria prévia sobre o modo de vida americano, antecipando em alguma medida o que viria a ser a ansiedade dos tempos modernos. O que talvez explique o fato de ele ter sido eleito, à época, o quarto melhor do ano pela Cahiers du Cinema. Pra desespero dos detratores.


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