Existem filmes que, muito mais do que um começo, um meio e um fim bem definidos, utilizam a sua narrativa cheia de simbologias para evocar as mais diversas sensações no espectador. Nesse tipo de obra nada é previsível. Tudo pode acontecer - desde acontecimentos surpreendentes, passando por finais não necessariamente felizes ou conclusões em aberto. Normalmente são películas que "explodem a nossa cabeça", nos fazendo remexer na cadeira e a pensar sobre tudo e mais um pouco que acabamos de assistir. Esse tipo de obra mais sensorial do que esquemática, mais incômoda do que lógica pode não agradar a todos os tipos de cinéfilos. Mas aqueles que se aventurarem certamente serão recompensados. E é exatamente este o caso de Midsommar: O Mal Não Espera a Noite (Midsommar), a mais recente obra de Ari Aster (do igualmente excepcional Hereditário).
Pra não tentar dar muito spoiler - o ideal é que as pessoas assistam sem ter muita informações sobre - o filme começa com uma tragédia envolvendo a jovem Dani (Florence Pugh). Após algumas ligações para o namorado Christian (Jack Reynor) relatando uma série de e-mails inquietantes e perigosos disparados por sua irmã que sofre de depressão, vem o choque: a irmã se suicida e também mata os pais em um episódio macabro envolvendo a fumaça do escapamento do veículo da família. Após algum tempo, ainda devastada pela catástrofe, Dani é convidada por Christian para, acompanhada de três amigos, viajar até a Suécia para participar de uma espécie de "festival de verão", em uma vila idílica. As férias poderiam servir para a jovem tentar seguir em frente após o ocorrido. Só que, bom, o que era pra ser uma jornada sem preocupações, logo se transforma em uma experiência perturbadora quando uma série de eventos estranhos começam a ocorrer no local.
Vestidos todos de branco, os moradores do local mais parecem neo-hippies que acreditam na elevação a partir da comunhão com a natureza - como ficará mais claro conforme a narrativa avança. Com uma série de regras estabelecidas, a comunidade vai "absorvendo" aos poucos os novos moradores, que permanecem ali entorpecidos por drogas e pelo clima bucólico, pastoril que emanará tranquilidade em cada dança, em cada movimento discreto, em cada suavidade dos gestos dos nativos. Mas há algum tipo de desconforto que, para nós, espectadores, vai ficando cada vez mais palpável - o que Aster constrói a partir de uma trilha sonora incômoda (cheia de zumbidos, efeitos e sobreposições que tornam a diegese absolutamente claustrofóbica), de uma fotografia colorida, sensorial e de um desenho de produção que coloca em lados distintos a pureza do coletivo que ali reside (suas flores, seu céu sempre azul e claro e seus comportamentos amistosos) com a violência aplicada, por exemplo, aos anciãos que ali residem - em uma das tantas sequências chocantes. O elenco está todo muito bem e os diálogos entre eles são totalmente críveis, não tornando os jovens um grupo de adolescentes necessariamente tolos (como geralmente ocorre em filmes de terror gore).
Discutindo os mais variados temas - fanatismo religioso, diferenças culturais, ritos de passagem, importância do tempo para amenizar as feridas, sensação de pertencimento a um grupo, empatia e insignificância da vida -, a obra é uma verdadeira colcha de retalhos que nos faz refletir sobre a nossa existência, nossas relações com família e com amigos, sobre comportamento humano (suas fraquezas, anseios e ambições) e também sobre a iminência da morte, evidentemente. Com poucas soluções fáceis, a obra utiliza a morosidade da passagem do tempo, como uma forma de aumentar a nossa angústia diante da inevitável tragédia anunciada que é a existência humana. Antropologicamente, ainda acho que o maior impacto de Midsommar diz respeito a uma das principais questões da atualidade e que envolve o mal que o homem é capaz de proporcionar ao próprio homem, na tentativa de impôr as suas crenças religiosas. O que por si só, já é maior atestado de qualidade dessa pequena obra-prima moderna.
Nota: 9,0
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