sexta-feira, 6 de outubro de 2023

Cine Baú - O Homem de Palha (The Wicker Man)

De: Robin Hardy. Com Edward Woodward, Christopher Lee, Britt Ekland e Aubrey Morris. Terror / Suspense, Reino Unido, 1973, 88 minutos.

Vamos combinar que talvez um dos grandes méritos do clássico do folk horror O Homem de Palha (The Wicker Man) seja o fato de subverter um tanto da lógica que poderia ser esperada em produções do gênero. Ainda mais em 1973. Na trama acompanhamos um policial católico - aquele legítimo cidadão de bem com uma retidão moral inabalável - que chega a ilha isolada de Summerisle, na Escócia, para, supostamente, investigar o desaparecimento de uma jovem adolescente. Já ao aportar no local, ele estranha o fato de seus nativos alegarem não saber de nenhum sumiço. E tudo piorará quando, após pouco tempo, ele descobrir que os moradores da ilha possuem uma série de hábitos excêntricos, que envolvem uma liberdade sexual descontrolada, o abandono completo do cristianismo e seus dogmas em favor do paganismo e uma preferência por cânticos e danças folclóricas com temáticas, no mínimo, questionáveis. Igreja no local? Não há. Cemitérios com suas cruzes e mortos enterrados? Nada.

Em meio a isso há uma naturalidade meio bizarra na forma como o povoado "discute" temas como violência e sexo - perambulando pelo local seminus e em espaços educacionais sem nenhum filtro que separe o adulto da criança/adolescente. Tudo enquanto entoam canções que evocam a ancestralidade do local. Para alguém temente a Deus, que certamente aprendeu desde cedo a ter vergonha de todos aqueles temas e que tem o sexo como um tabu, tudo aquilo é, em sua análise, um tanto esquisito. Só que há algo mais intrigante naquele enredo todo: porque por mais que o investigador Neil Howie (Edward Woodward) pareça ter certa convicção, a partir daquilo que ele vê na ilha, de que a jovem desaparecida tenha sido oferecida como sacrifício em algum tipo de ritual pagão, não deixa de ser curioso perceber como seus moradores parecem conviver em plena harmonia, em comunhão com a natureza e com uma liberdade sem precedentes - sendo governados por um certo Lord Summerisle (Christopher Lee).

As músicas que ecoam por todos os cantos, por todos lugares, enquanto Neil perambula em busca de alguma pista do paradeiro da garota, ajudam a costurar a narrativa, com suas letras bastante literais e com uma completa ausência de pudor. O que só lhe deixará mais exasperado. Um bom exemplo desse contexto envolve uma celebração em campo aberto em que crianças cantam com uma espontaneidade singular sobre a associação fálica que envolve um enorme mastro. Em outro instante, a mãe de uma adolescente lhe aconselha a colocar um sapo na boca - sim, um sapo -, como forma de lhe curar de uma amigdalite (já que o animal puxaria para si a doença, ao entrar na garganta da menina). E há ainda a jovem e desinibida Willow (a musa Britt Ekland), a filha do dono da hospedaria, que fará de tudo para tentar seduzir o homem da lei - tudo de acordo com a lógica de funcionamento do local, claro. 

Filmado em pequenas cidades da Escócia, a obra tem em seus atrativos o cenário bucólico e a fotografia em tons dessaturados - que, em alguma medida, reforçam o caráter ambíguo. Já a trilha sonora tem papel central na narrativa, como já mencionado, com uma verdadeira coleção de grandes canções - algumas, como a da sequência final, quase parecem saídas de alguma esquete do Monty Phyton, se o coletivo de humor pendesse para o terror, em alguma medida. Imaginativo, espirituoso e macabro, o projeto ainda nos faz refletir, em sua conclusão, a respeito de temas, como, respeito ás tradições, combate a intolerância religiosa e quebra de tabus. Chamado pela revista francesa Cinefantastique de o "Cidadão Kane dos filmes de terror", a obra integraria diversas listas de melhores, entre elas a dos 1001 Filmes Para Ver Antes de Morrer, influenciando um sem fim de filmes atuais, como Midsommar: O Mal Não Espera a Noite (2019) e Lamb (2021). Tá no Mubi e vale ser conferido.


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