quinta-feira, 15 de fevereiro de 2024

Novidades em Streaming - Pedágio

De: Carloina Markowicz. Com Maeve Jinkins, Kauan Alvarenga, Thomás Aquino, Aline Marta Maia e Isac Graça. Drama / Comédia, Brasil, 2023, 102 minutos.

Um filme que é um verdadeiro suco do Brasil urbano, conservador, evangélico, operário e repleto de contradições. Assim pode ser resumida a experiência com Pedágio, mais recente projeto da diretora Carolina Markowicz (de Carvão, 2022), que está disponível para aluguel nas plataformas de streaming Amazon e Now. Na trama, Maeve Jinkins é Suellen, mulher periférica que trabalha como cobradora em um posto de pedágio da região de Cubatão - que, com seu ar de metrópole apocalíptica e decadente, parece o cenário perfeito para uma narrativa atualíssima sobre preconceitos, dilemas familiares e angústias contemporâneas. Só que Suellen está exasperada com o comportamento afeminado de seu filho Tiquinho (Kauan Alvarenga), um adolescente que ocupa parte de seus dias gravando e publicando vídeos na internet, onde encarna divas sessentistas com direito a figurinos purpurinados e cenários coloridíssimos, no limite entre o brega e o moderno.

Só que o caso é que Suellen é uma mulher de hábitos mais tradicionais - pra não dizer antiquados. E, após dividir os seus problemas com a colega de trabalho Telma (Aline Marta Maia), está surge com a solução: um panfleto de divulgação de um curso em que um pastor de renome internacional se apresenta como alguém capaz de realizar a cura gay. Surpresa com o investimento necessário para a suposta qualificação - cerca de R$ 1.650 -, a protagonista resolve guardar dinheiro. O que envolve ainda a participação em um negócio escuso de roubo e repasse de joias, que é tocado por seu namorado/peguete Arauto (Thomás Aquino). Afinal de contas, no Brasil do trambique, em que muitos se pretendem paladinos da moral e dos bons costumes, não chega a surpreender a homofobia de uma mãe que, a despeito de seus esforços em um emprego cheio de complicações, prefere entrar para o mundo do crime do que ver seu próprio filho livre e feliz, independentemente de sua escolha sexual.

 

 

Em alguma medida, essa é uma obra exagerada, que condensa grande parte do mal estar da modernidade, que parece reforçado pela ascensão da extrema direita, do bolsonarismo e do combo que mistura milícias urbanas, religiosos mal intencionados e sujeitos de vida simplória em busca de alguma redenção. Assim, não surpreende que o pastor evangélico Isac (Isac Graça), surja como uma figura estereotipada, quase patética, daquele tipo que é capaz de censurar seus alunos por estes não conseguirem produzir uma "obra de arte" de gosto duvidoso, com massinha de modelar, no módulo de Significação da Genitália (sim, acredite). Em outro instante, um suposto curado aparece para valorizar o trabalho de ressignificação bioenergética proposto pelo pastor - ainda que o desconforto da situação como um todo seja palpável. "Queria muito colocar isso na tela de um jeito que fosse satírico, mostrando como a homofobia está tão absorvida pela sociedade, implicando de um jeito trágico na vida das pessoas", resumiu a diretora em entrevista à Revista Bravo!

O resultado desse conjunto é um intercâmbio de momentos risíveis, com outros mais reflexivos (ou dramáticos). A violência, ao cabo, parece estar sempre pelas bordas, pronta para eclodir - o que é reforçado pelo cinza melancólico dos cenários, dos ambientes. O que faz com que Tiquinho, por exemplo, viva pelas sombras, preferindo muito mais o silêncio e a troca de olhares como forma de comunicação - ainda que isso envolva uma série de confrontos com a própria mãe. Aliás, em certa altura Suellen chega a dar um ultimato no adolescente, que se recusa a passar pela tal terapia: ele só seguirá morando em sua casa se aceitar o tal tratamento alternativo. Complexo, excêntrico, moderno, kitsch e curiosamente engraçado, esse é aquele tipo de filme que entrega muito com pouco, discutindo temas variados sem nunca pesar a mão. "Muitos dos discursos e das práticas super violentas são reproduzidos por ignorância e não por ideologia. Nosso papel é capturar essas pessoas e tentar dar luz sobre a falta de entendimento das inúmeras possibilidades de existir no mundo", resumiu Jinkins em entrevista à Mídia Ninja, como que resumindo o propósito da obra.

Nota: 9,0


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