De: Yorgos Lanthimos. Com Emma Stone, Jesse Plemons, Willem Dafoe, Margaret Qualley e Hong Chau. Drama / Comédia, EUA / Reino Unido / Irlanda, 2024, 164 minutos.
Devo confessar a vocês o fato de ser bastante tolerante quando o assunto são os filmes esquisitões. Tenho paciência para as excentricidades. E para diretores que utilizam suas obras para provocar as mais variadas sensações - inclusive a repulsa ou o nojo. Ainda assim, tenho uma espécie de balizador: a produção precisa fazer um mínimo de sentido dentro daquilo a que se propõe. Senão a sensação de vazio será meio inevitável. E admito que, ao chegar ao final da terceira história de Tipos de Gentileza (Kinds of Kindness) - especialmente em uma sequência em que a personagem de Emma Stone dança freneticamente (e inexplicavelmente) diante de seu carro, que ela costuma pilotar em altíssima velocidade -, tive a impressão de estar sendo feito de bobo. Naquela altura do campeonato já se iam mais de duas horas de projeção do novo projeto do grego Yorgos Lanthimos - do ótimo e ainda recente Pobres Criaturas (2023) - e foi o momento em que me deu esse "ruim".
Em geral eu gosto da filmografia do diretor. Dente Canino (2009) já foi devidamente recomendado aqui. Assim como A Favorita (2018). Da mesma forma gosto demais de obras como O Lagosta (2015) e O Sacrifício do Cervo Sagrado (2017), que parecem devidamente empenhadas em criticar a hipocrisia da classe média e as falhas morais da sociedade americana (e grega), sempre dispostas a parecer eticamente infalíveis. Como disse no primeiro parágrafo, por baixo das extravagâncias e dos personagens caricatos, exóticos, sempre pareceu haver algum significado. E, não, a arte não necessariamente deve prescindir de algum tipo de intenção para funcionar. Ou para ser considerada satisfatória. Muito pelo contrário, ela deve ser aberta. Possibilitando ao espectador interpretá-la a partir de sua bagagem. Daquilo que lhe forma. Só que o problema foi não sentir nada com esse filme. Nada. Nem o suposto nojo. Nem ranço. Acho que eu estava apenas indiferente. E, evidentemente, o problema bem poderia ser eu.
Na já citada parte final desse trinca de histórias aleatórias que não possuem muito em comum que não seja a presença de um único personagem, Emily (Emma Stone) e Andrew (Jesse Plemons) são membros de um tipo de culto good vibes, naquele estilo que mistura sexualidade difusa com crentismo freestyle, e que costuma ocupar o dia a dia das famílias brancas e mais abastadas. Nessa história de axilas e suores sendo lambidos (sim) como parte de um processo de purificação há uma busca desenfreada por uma jovem mística capaz de fazer os mortos ressuscitarem. E, bom, as premissas podem soar interessantes, mas o todo se torna apenas banal. E chato. Emily dança animadamente porque encontrou a tal jovem. Que reanima um homem para a vida, após mostrar suas habilidades com um cachorro. Isso depois desta sofrer um estupro. E ser expulsa do culto por não ser mais alguém "pura". A religião e os dogmas sendo utilizados como subterfúgio para o controle de corpos? Talvez seja isso. Sei lá, só queria que acabasse o suplício.
E, admito que a coisa toda não começa tão mal, até mesmo porque a primeira história - seu título é A Morte de RMF - é excelente. Nela, um sujeito chamado Robert Fletcher (também o Jesse Plemons) é o funcionário exemplar de um escritório, que atende basicamente a todos os pedidos feitos pelo seu chefe dominador (Willem Dafoe). Ocorre que não demora para que percebamos que o homem controla obsessivamente toda a vida de seu empregado: com quem ele se relaciona, se vai ou não ter filhos, qual a bebida que toma, como age. Como um adulto infantilizado, Robert obedece, garantindo seu cargo. Ao menos até ocorrer uma solicitação excêntrica do patrão: a de que ele atropele um outro homem! O abuso de poder nas corporações e as críticas ao capitalismo tardio parecem estar no cerne dessa história, que descamba para o humor negro inesperado quando as coisas saem do controle. É disparadamente a melhor das três fábulas.
E há ainda a história do meio, sobre um policial (Plemons) que está de luto por causa do desaparecimento de sua esposa Liz (Stone) em um acidente em alto mar - ela é uma bióloga marinha -, que é surpreendido pelo retorno de sua amada, meio que do nada. Só que o problema é que Daniel tem a impressão de que aquela não é Liz, por mais semelhante a ela que seja - especialmente pelo seu comportamento oposto ao padrão a que ele estava acostumado. Sim, é uma narrativa de paranoia que descamba para a violência policial e para o cinema de corpo - e, obviamente que Lanthimos não ia conseguir concluir um filme sem dar uma de David Cronenberg das ideias (especialmente no instante que envolve um fígado extraído do corpo de Liz). Sério, pessoal, lá pelas tantas eu cansei. Cansei do aleatório, do comportamento ilógico dos personagens, da misantropia irritante, das decisões sem pé nem cabeça. É muito personagem exaustivo junto. O que me fez pensar que um pouco de normalidade talvez não seja tão ruim.
Nota: 5,0
Nenhum comentário:
Postar um comentário