quarta-feira, 4 de setembro de 2024

Cinema - Armadilha (Trap)

De: M. Night Shyamalan. Com Josh Hartnett, Ariel Donoghue, Saleka Shyamalan e Alison Pill. Suspense, EUA, 2024, 105 minutos.

[ATENÇÃO: ESSE TEXTO TEM SPOILERS]

Vamos combinar que quando o assunto é M. Night Shyamalan, não dá pra negar que o diretor ao menos se esforça em tentar entregar algo que fuja, minimamente, de certo padrão. Sim, nem sempre dá certo. E muitas vezes o sentimento é meio ambíguo mesmo: até um ponto a gente vai gostando do tipo de tensão provocada ainda que, ali adiante, a gente saiba que provavelmente a coisa vai desandar. E não é muito diferente com o recente Armadilha (Trap), que segue em cartaz nos cinemas - o que dá conta da força do nome do indiano, independente da irregularidade de suas produções. E se Shyamalan nunca escondeu sua admiração por Alfred Hitchcock, talvez poucas vezes em sua filmografia ele tenha chegado tão próximo do tributo já que, aqui, ao invés de acompanharmos os mocinhos em algum tipo de fuga desesperada, a gente segue de perto os bandidos. Ou o bandido. Com toda a tensão (e diversão) que isso possibilita.

Na trama, daquelas que tipicamente transcorrem em um único cenário - como Hitchcock faria, por exemplo, em Festim Diabólico (1948) -, temos o bombeiro Cooper Abbott (Josh Hartnett), que está empenhado no papel de pai exemplar, ao levar sua filha de apenas 12 anos, Riley (Ariel Donoghue), a uma apresentação da estrela pop Lady Raven (Saleka Shyamalan que, de fato, é uma cantora teen, além de ser filha do diretor). Riley tirou boas notas e está animada com o show, ao mesmo tempo em que seu pai parece olhar com desconfiança para aquele cenário todo, com toda a parafernália e um sistema de segurança maior do que o padrão. Não demora para que a gente entenda o motivo de todos aqueles policiais e agentes de segurança do FBI no entorno: o objetivo é montar uma arapuca para capturar um assassino em série, conhecido como O Açougueiro (The Butcher), que captura suas vítimas para, bom, o apelido é meio autoexplicativo.


 

E eu admito que, no meu caso, demorou um pouquinho pra cair a ficha de que o maníaco em questão era o próprio Cooper. E de que seriam as investidas dele, no sentido de tentar driblar todo aquele aparato, que acompanharíamos. E, não vou negar: a primeira parte do filme é realmente empolgante. Especialmente quando a câmera gruda no rosto do protagonista, que passa a espionar possíveis brechas, caminhos pelos bastidores e corredores que lhe permitam alguma fuga espetacular. Enquanto Riley se comove com a apresentação de sua estrela pop preferida - com todos os clichês do gênero (de dancinhas feitas para o Tik Tok, passando pelo autotune, ou mesmo pela parceria com aquele rapper genérico) -, Cooper vai para lá e para cá provocando acidentes, andando de forma provocativa no meio dos policiais, furtando seus aparelhos de comunicação, ou mesmo cartões de identificação dos empregados, que lhe permitam trafegar com naturalidade. É uma experiência interessante e relativamente complexa - mais ainda quando nos pegamos torcendo (sim) pelo assassino, uma vez que ele se apresenta como uma figura carismática e absolutamente preocupada com sua filha.

E é claro que apresentar Cooper como um sujeito ambíguo - um pai de família dedicado e um provável bombeiro responsável, como um contraponto a um psicopata sangue frio de dupla personalidade que, traumatizado na infância, não hesitará em fazer picadinho de suas vítimas -, também é parte da brincadeira. E talvez seja por isso que a coisa aqui funcione melhor do que em outras experiências de Shyamalan: ao não tentar se levar tão a sério, tudo se torna tão mais direto e agradável, que não são poucos os momentos em que nos pegamos sorrindo (ainda que meio de nervoso). Em certa altura, Cooper, por exemplo, oferece um donut a um policial - em uma brincadeira com o mais óbvio dos estereótipos. Em outra parte, a própria Lady Raven se vê envolvida nos estratagemas malucos do sujeito, com direito a prisão em banheiro e fuga em uma limousine. Sim, é preciso uma boa dose de suspensão da descrença. Talvez a descrença da descrença sendo suspensa. E, claro, a coisa descamba pra total falta de lógica no instante final. Mas ao nos garantir entretenimento descompromissado, com seu senso de humor ironicamente sombrio, Shyamalan dessa vez tem um quase acerto.

Nota: 6,5


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