De: Anthony Minghella. Com Nicole Kidman, Renée Zellweger, Jude Law e Brendan Gleeson. Drama / Guerra / Romance, EUA / Reino Unido / Itália / Romênia, 2003, 154 minutos.
Talvez um dos maiores melodramas desse início de século. Com tudo aquilo que caracteriza o estilo - do amor exagerado e impossível nos tempos de guerra, passando pela intensidade das emoções, até chegar a polarização moral que contrapõe a razão e a emoção. Assim podemos resumir a experiência com o épico Cold Mountain - filme do diretor Anthony Minghella que, recentemente, completou vinte anos de seu lançamento, sendo incluído no catálogo da Netflix. Baseada no best seller do escritor Charles Frazier, a obra nos joga para o Sul dos Estados Unidos, em meio à Guerra Civil Americana, que ocorreu entre 1861 e 1865. Na trama acompanhamos a paixão tórrida e instantânea vivida pelo carpinteiro W.P. Inman (Jude Law) e pela patricinha intelectual Ada Monroe (Nicole Kidman), que sai de Charleston para cuidar do seu pai (Donald Sutherland) no pequeno povoado que dá nome ao projeto.
Quando chega ao local, Ada é recebida com toda a pompa, com seu figurino elegante e modos refinados - o que atrai a atenção dos homens do entorno. Só que a guerra está próxima de eclodir e, em meio a olhares e pequenos gestos afetuosos entre Ada e Inman, ocorre o primeiro e meio desajeitado beijo. Justamente no dia em que os homens são convocados para a batalha. Como em um bom melodrama, fica a promessa: Ada vai esperar o retorno de Inman. Com idas e vindas no tempo, a violência do conflito nos é apresentada de forma bastante gráfica - com o protagonista escapando por pouco da morte, na conhecida Batalha de Cratera. Entre cartas não respondidas - que viram dramáticas narrações em off de Ada -, e a perspectiva de quase perder a vida (um dos tiros pega de raspão no pescoço), Inman resolve tomar uma drástica decisão: desertar. O que fará com que ele seja perseguido não apenas pela União, mas pelos seus pares confederados.
Quem não tá muito familiarizado com a Guerra da Secessão pode ficar meio perdido na lógica do conflito - ainda que a principal mensagem pareça ser a de que a guerra é absurda, qualquer que seja a circunstância. E é interessante notar como a narrativa não converte a parte norte dos Estados Unidos no mocinho óbvio, dada a selvageria perpetrada pela União, em meio ao massacre. Ao lutar do lado dos confederados - que eram favoráveis a continuidade da escravidão nos voluptuosos campos de algodão e que, não por acaso, nos dias atuais servem como bandeira pra extrema direita trumpista -, Minghella confere complexidade à Inman. Da celebração da possibilidade de poder ir à guerra, à espiral de barbárie com que ele se depara, só há uma conclusão: a de querer voltar para casa, para os abraços da amada que ficou, e que está algumas centenas de quilômetros distante de onde ele está.
Hábil, o diretor entretém o espectador ao criar interessantes subtramas que dão substância ao projeto e que envolvem a chegada de Ruby (Renéé Zellweger, em papel que lhe daria o Oscar de Atriz Coadjuvante) - uma rústica agricultora, acostumada às lidas do campo - à propriedade de Ada (que parece meio abandonada desde a trágica morte de seu pai). Ruby foi enviada por um casal vizinho, os simpáticos Esco (James Gammon) e Sally Swanger (Kathy Baker), que estão preocupados com a saúde de Ada, que parece a cada dia mais isolada, paranoica e magra. Já Inman, em seu longo trajeto, se depara com o reverendo Veasey (o sempre ótimo e saudoso Philip Seymour Hoffman), um pregador mulherengo e com um código moral questionável, que foi expulso da paróquia após engravidar uma escrava. Todos esses encontros e desencontros - há muitos outros pelo caminho -, dão brilho à narrativa, que permanece sólida durante os mais de 150 minutos de projeção.
Como é de se esperar em obras do gênero, os cenários são majestosos, os figurinos são cheios de elementos, a trilha sonora é edificante e o desenho de produção como um todo é bem construído - com um detalhamento riquíssimo. A ponto de, por exemplo e para além da cenografia, um emaranhado de moscas surgir enquanto Inman convalesce, na enfermaria improvisada no campo de guerra. Complexo, violento, histórico, romântico, esse é aquele tipo de projeto voluptuoso, cheio de grandes astros - com direito até mesmo a uma participação especialíssima de Jack White (do White Stripes) como um músico andarilho e de um novinho Cillian Murphy como um soldado da União que, talvez, tenha um pinguinho de humanidade -, e que pouco a gente vê, nos dias de hoje. Nesse ponto, Anthony Minghella, que já havia brilhado antes em O Paciente Inglês (1997), faz muita falta. Afinal de contas, ele sabia fazer esses épicos como poucos.
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