segunda-feira, 16 de setembro de 2024

Cinema - O Bastardo (Bastarden)

De: Nikolaj Arcel. Com Mads Mikkelsen, Amanda Collin e Melina Hagberg. Drama / Faroeste, Dinamarca / Alemanha / Noruega / Suécia, 2023, 127 minutos.

Existe um paralelo quase óbvio em O Bastardo (Bastarden) e que envolve a urze - uma espécie de gramínea espontânea bastante rústica, que é capaz de florescer em terrenos pobres em nutrientes - e o protagonista do filme, o capitão Ludvig Kahlen (Mads Mikkelsen), um oficial dinamarquês aposentado, que pretende construir uma propriedade na península da Jutlândia, se estabelecendo como agricultor e obtendo, da Corte Real do País, os direitos sobre a terra. Só que para conseguir cultivar qualquer coisa naquele terreno - situado em um ambiente ermo, isolado -, Kahlen vai precisar uma boa dose de boa persistência, já que é sabido por todos que nada cresce no urzal (que domina aquele terreno arenoso e provavelmente ácido). Um sujeito solitário, que passou parte de sua vida defendendo o exército alemão, e que agora tenta construir uma vida em uma área improdutiva - uma simbiose que só será possível com muita persistência (e olhe lá).

O ano é 1755 e esta, em alguma medida, é uma história de origem da Dinamarca, com regras políticas mal engendradas e códigos morais inexistentes. Em geral o que vale é a prática da força - com os proprietários das maiores posses se sentindo no direito de dominar tudo e todos do entorno (apenas a burguesia sendo a burguesia). E é por isso que a maior dificuldade de Kahlen nem será tanto com o terreno em si - já que depois de algumas escavações ele encontra água (e um solo mais propício) -, mas com os interesses. Que aqui são simbolizados pela existência de um certo Frederik De Schinkel (Simon Bennebjerg), um jovem e arrogante proprietário de terras da vizinhança, que busca o monopólio dos negócios. Aliás, negócios que ainda são embrionários para o protagonista. E como desgraça pouca é bobagem, Kahlen ainda contrata, meio que as escondidas, o casal Johannes (Morten Hee Andersen) e Ann Barbara (Amanda Collin), que justamente havia fugido da propriedade de Schinkel, por conta dos maus tratos.

 

 

Em linhas gerais, o diretor Nikolaj Arcel, do ótimo O Amante da Rainha (2012), conduz a narrativa entre o afeto (pela terra, pela agricultura) e a violência, sem muita pressa e apostando na força visual das pequenas dinâmicas, e em uma espécie de preparação permanente para os grandes eventos. Os diálogos são econômicos. As imagens aéreas são abrangentes, destacando a vastidão do cenário inóspito (que funciona como um catalisador para um senso meio palpável de isolamento e que, em alguma medida, nos faz admirar esses homens do passado, em seu esforço civilizatório em meio ao nada). Kahlen, ao cabo, deseja apenas produzir alimentos. E ter um título de nobre. O que ele poderá conseguir com o apoio de um grupo de ciganos foragidos, que vivem à margem da sociedade, e que aceitarão trabalhar para ele - estando entre eles a pequena Anmai Mus (Melina Hagberg) que surge em cena pela primeira vez numa tentativa de golpe ao protagonista.

Evidentemente que uma experiência do tipo também funciona pelo carisma das figuras que acompanhamos - e é sempre interessante ver como Mikkelsen encarna tão bem esses sujeitos meio rudes, que casam bem com filmes de época (talvez pelas suas feições rigorosas, nada delicadas, que tornam o seu rosto e a sua expressão inequivocamente pesadas). Aqui, a sua entrega é comovente, num equilíbrio entre a resiliência e o temor, já que a violência parece estar sempre à espreita - e quando ela chega, como no momento em que Johannes é covardemente torturado durante a festa da colheita (sim, em uma festa), ela é assombrosamente cruel. Com poucas chances de um final feliz - até mesmo porque em filmes realistas do gênero ficam evidentes as leis antiquadas, os preconceitos e a misoginia reinantes - há pouco espaço para a esperança. E até mesmo a inexistência do conceito de infância é respeitado (o que também merece aplausos). Ainda assim, obra é concluída com um calorzinho que sucede a geada. E que nos fará lembrar que a agricultura será mais farta, a colheita será bem sucedida, onde houver espaço para o afeto. Não é pouco.

Nota: 9,0


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