Teria dito Hannah Arendt em seu clássico livro A Banalidade do Mal que "em nome de interesses pessoais, muitos abdicam do pensamento crítico, engolem abusos e sorriem para quem desprezam. Abdicar de pensar também é crime". Esse é o tipo de conceito que foi reconfigurado recentemente - especialmente a partir da ascensão da extrema direita no País (e no mundo) - e que faz uma crítica não ao mal premeditado e sim a mediocridade do "não pensar". O que tornaria possível, por exemplo, a existência de figuras como Adolf Eichmann que talvez nem fosse alguém perverso ou doentio, muito menos um antissemita raivoso. Mas que ainda assim, durante o nazismo, era um cumpridor de ordens. Um burocrata do Estado que trabalhava no setor de transportes de judeus para os campos de concentração.
E o que tudo isso tem a ver com o premiadíssimo curta-metragem em animação em stop motion Bestia, que foi incluído no catálogo da Mubi? Bom, aqui temos mais uma representante desse mal que não está simbolizado por generais perversos com suas fardas, botas e armamentos. A ação se passa no Chile de Pinochet, onde acompanhamos uma mulher rechonchuda, de modos sisudos, que ocupa seus dias com refeições silenciosas e a plena atenção ao seu cãozinho de estimação. As feições apáticas e delicadas da protagonista - representada por uma boneca de porcelana -, servem para reforçar, paradoxalmente, o caráter sombrio de sua personalidade. Especialmente na hora de cometer crimes hediondos durante a ditadura militar chilena. Inspirada em uma personagem real - Ingrid Olderock, que ficaria conhecida como "mulher dos cachorros" -, esse é um thriller psicológico tenso, macabro, que revela o absurdo dos sistemas autoritários.
Nenhum comentário:
Postar um comentário