segunda-feira, 2 de setembro de 2024

Novidades em Streaming - Caminhos Cruzados (Crossing)

De: Levan Akin. Com Mzia Arabuli, Lucas Kankava e Deniz Dumanli. Drama, Suécia / Turquia, 2024, 105 minutos.

"Eu estou aqui, até o dia em que eu não estarei mais". Vamos combinar que filmes sobre indivíduos à procura de outras pessoas - parentes, antigos amores, amizades do passado -, muitas vezes servem como alegoria para a própria busca interior. Em muitos casos há algo a ser consertado. Reparos a serem feitos. Tudo que possa redimir, em alguma medida, aqueles sujeitos - servindo também para que eles olhem para si mesmos, para suas decisões equivocadas, para medos, incertezas ou arrependimentos. E é justamente esse o caso do afetuoso Caminhos Cruzados (Crossing), obra do diretor Levan Akin (do bonito Então Nós Dançamos, 2019) que, a despeito de ter como cenários os limites geográficos que nos conduzem da Geórgia rural à Turquia absolutamente urbana, suja e fervilhante, tem boas chances de ser um o enviado ao Oscar da Suécia, País natal do realizador. Premiações e elogios da crítica não têm faltado. E muitos menos carinho do público.

Tudo porque essa é uma história de fácil identificação - tão universal quanto existir. Na trama, acompanhamos uma professora aposentada de nome Lia (Mzia Arabuli), uma senhora sisuda e de modos meio endurecidos, que chega à uma pequena comunidade costeira da Geórgia, para perguntar sobre o paradeiro de sua sobrinha, uma trans de nome Tekla. Não há muitas informações a respeito para além do pedido da irmã de Lia que, antes de morrer, solicitou a ela que localizasse seu paradeiro. Toda a movimentação da protagonista chama a atenção do jovem Achi (Lucas Kankava) que, pouco antes da chegada de Lia, estava "ocupado" levando uma carraspana de seu irmão mais velho, Zaza (Levan Bochorishvili), um ex-aluno da mulher. O começo é meio conflituoso, caótico e, naquele ínterim, Achi vê uma brecha para escapar daquele contexto. Mais do que isso, garante a Lia que sabe do paradeiro de Tekla. Podendo auxiliá-la também nas barreiras da língua, já que se vira com o turco e também o inglês.


 

E é assim que se configura a dupla de amigos mais inesperada da temporada. Viajando de um País a outro, ambos chegarão à Istambul com informações incertas, mas um objetivo mais ou menos claro. O que os fará navegar pelos dias e noites turbulentos da capital turca, em meio a becos, bairros e concretos, e pessoas tão carismáticas quanto vulneráveis. Em paralelo, seremos apresentados à advogada trans Evrim (Deniz Dumanli), uma integrante de uma ONG que trabalha em prol dos direitos LGBTQIA+. O que não a impedirá de também sofrer preconceitos, em um cenário de tanto conservadorismo - como fica evidente na sequência em que ela discute o encaminhamento de seus novos documentos, que lhe concederão a nova (e feminina) identidade. Em alguma medida, as vulnerabilidades das minorias em uma experiência como esta estão sempre pelas frestas, pelos cantos, sendo sutilmente entregues. Parece que nunca sabemos de onde virá a violência, ou quando e como virá. E, nesse sentido, é impossível não sentir empatia.

A própria Lia é retratada como uma figura enigmática, cheia de ambiguidades. Do preconceito contra as próprias mulheres georgianas (e suas supostas liberdades nos tempos atuais) e o carinho de sua busca incansável pela sobrinha trans abandonada no passado, parece haver todo um estudo da complexidade da experiência humana. Ninguém é bom ou ruim o tempo inteiro e todo temos as nossas decisões equivocadas, ou que nos gerarão arrependimentos. Vale o mesmo para a Achi que, assim que chega à Istambul, empreende uma jornada particular à procura de trabalho, amigos, ou algo que possa fazer com que ele se estabeleça. Ou simplesmente seja aceito. A ideia, claramente, é não retornar ao ambiente tóxico ao lado do irmão. Assim, a oportunidade de redenção pode ser pouco clara ou meio nebulosa - assim como é a câmera trôpega e documental de Akin, muitas vezes bem próxima do rosto e dos movimentos de seus personagens. Mas ela aparecerá. Em meio a encontros fortuitos, amizades inesperadas ou na simples fuga de um mundo ainda mais difícil para os que desviam de certo padrão. Essa obra, disponível na Mubi, é uma joia. E dá pra entender todo o carinho que ela emana.

Nota: 8,5


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