terça-feira, 13 de agosto de 2019

Tesouros Cinéfilos - Parasita (Gisaengchung)

De: Boon Joon-ho. Com Song Kang-ho, Choi Woo-shik, Jang Hyejin e Lee Sun Gyun. Comédia dramática / Suspense, Coréia do Sul, 2019, 133 minutos.

Está lá no dicionário o sentido do substantivo/adjetivo "parasita": diz-se de organismo que vive de e em outro organismo, dele obtendo alimento e não raro causando-lhe dano. No caso do filme Parasita (Gisaengchung), mais novo trabalho do diretor Bong Joon-ho (Okja, Expresso do Amanhã), há uma espécie de inversão da lógica na aplicação do termo, um tipo de desconstrução que, satisfatoriamente, perceberemos em seu desenrolar. Tudo começa em um bairro do subúrbio da Coréia do Sul, onde a família de Ki-taek (Song Kang-ho) - sua esposa e seus dois filhos - mora em um porão, em condições bastante precárias. Em meio a trabalhos temporários (e feitos com desleixo) para uma rede de pizzarias, o desemprego galopante fará com que não tenham dinheiro para nada, nem para a internet e nem para pagar a dedetização do ambiente sujo e cheio de baratas - sendo tanto o wifi quanto a fumegação, obtidos de forma divertidamente "alternativa".

A situação muda quando o jovem Ki-woo (Choi Woo-shik) é convidado por um amigo para dar aula particular de inglês à uma garota de família rica. O acesso à casa dos Park - os burgueses em questão - representará uma ruptura: deslumbrado com a vida de luxo, Ki-woo bolará um plano para que toda a família se "infiltre" aos poucos na  mansão e passe a trabalhar para eles. A irmã se tornará uma "terapeuta artística" do irmão mais novo da menina - mesmo sem ter nenhum conhecimento sobre pintura. Ki-taek será o motorista da família - após o antigo empregado ser demitido por motivos escusos. Já a esposa de Ki-taek, Choong-sook (Jang Hyejin) virará a governanta, em meio a melhor das tramoias: uma encenação que fará os patrões acreditarem que a antiga criada estava com tuberculose - com direito a uma divertida sequência envolvendo lenços de papel ensanguentados!


Integrados à família, os pobres procurarão manter o seu segredo, enquanto trabalham. Mas até quando isso vai ser possível? É desse impasse que Joon-ho extrai um tipo de suspense quase involuntário - o de que o estratagema possa ser descoberto a qualquer momento. O retorno da antiga governanta em meio a uma noite chuvosa, representará uma vertiginosa espiral em que segredos virão à tona - e mais do que isso não vale a pena contar para não estragar a experiência. O elenco como um todo esbanja carisma e, no fim das contas, do ponto de vista da vida "privada" não há mocinhos e vilões: ao contrário, os patrões se apresentam como figuras amáveis e compreensíveis, ao passo que a família de trambiqueiros se esforça para sobreviver em meio a uma Coréia do Sul de contrastes. Aliás, está aí o grande vilão: um Estado em que as diferenças sociais fazem com que pessoas necessitadas adotem atitudes extremas para poder ter dinheiro, comer, sonhar.

Os parasitas em questão podem até parecer as camadas humildes - sempre dispostas a ganhar alguma coisa às custas dos mais ricos. Mas seria isso mesmo? Os parasitas não poderiam ser os burgueses, que vivem do bom e do melhor, explorando a força de trabalho de pessoas humildes que sofrem, lutam para colocar comida na mesa? Ou ainda um Estado que em nada contribui para que o absurdo da má distribuição de renda possa ser revertido? Com grandes sequências, como aquela em que uma chuva torrencial evidenciará essas incongruências, Joon-ho transforma Parasita em uma espécie de tratado sobre a luta de classes e sobre as diferenças existentes entre cada um dos extratos de nossa sociedade. Bebendo na fonte de diretores como os Irmãos Coen, o realizador imprime a sua personalidade, apostando em um tipo de humor que nos faz rir do absurdo, sem deixar de nos comover. No contraste da luz aconchegante e amadeirada da mansão, com o concreto duro e pálido do porão está, no fim das contas, a vida real. E a vida real, a gente sabe: pode ser também absurda.


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