segunda-feira, 20 de abril de 2015

Pérolas do Netflix - Depois de Lúcia

De: Michel Franco. Com Tessa Ia, Hernán Mendoza e Gonzalo Vega Sisto. Drama, México / França, 2013, 143 minutos.

É provável que poucos filmes, daqui pra frente, consigam ser tão contundentes e realistas em relação a um assunto tão na moda (quanto batido) como o bullying, como nesta pérola franco-mexicana chamada Depois de Lúcia (Después de Lúcia). Um filme amargo, nem sempre fácil de ser encarado, mas que escancara as deficiências na hora de tratar do assunto em todas as esferas - e que abrangem não apenas a escola, mas também a família, os amigos e ao sistema como um todo. A trama nos apresenta a Roberto (Vega Jr.) que, ao lado da filha Alejandra (Ia), de apenas 15 anos, tenta reiniciar a vida em uma nova cidade, saindo de Porto Vallarda, em direção a Cidade do México, após uma aparente tragédia ter ocorrido na vida de ambos.

Alejandra, como é natural para qualquer jovem de sua idade, tenta se ambientar ao novo lugar, se aproximando, na medida do possível, dos novos colegas. Ela senta na mesma mesa de alguns amigos da no barzinho da escola, conversa, dá risada, combina a festa do fim de semana e reclama de coisas prosaicas, como costumam fazer os adolescentes. Tudo apresentado de maneira extremamente naturalista, com diversos planos sequência que mantêm a câmera fixa nos personagens durante diversos minutos, acompanhando as suas interações. A impressão que se tem é a de se estar realmente diante de um grupo de estudantes. Enquanto Alejandra se ocupa com a escola, seu pai, que trabalha como chef de cozinha, se esforça para se adequar ao novo serviço em um restaurante.


É uma relação pautada pelo amor e pelo respeito mútuo, ainda que ambos aparentem ter lá muita proximidade. E a cena em que Roberto instiga Alejandra sobre a possibilidade de ela ter fumado maconha nos dias antes de entrar para o colégio, é um desses momentos que mostra a afinidade entre pai e filha, sendo que esta nunca descamba, mesmo nos momentos mais complicados, para o descontrole emocional, ainda que, eventualmente, ambos estejam no limite. Só que as coisas começam mesmo a sair do controle quando a jovem vai para a casa de campo de um colega em um fim de semana e tem um vídeo de uma relação sexual revelado para todo o colégio por e-mail, nos dias que se sucedem ao acontecimento. O que, naturalmente, torna a vida da estudante um inferno.

O filme, uma estreia consistente do diretor Michel Franco que venceu a mostra Um Certo Olhar, em Cannes, discute diversas questões relacionadas ao papel da mulher na sociedade, que é muitas vezes oprimida, especialmente quando o assunto é sexo. E o que surpreende ainda mais na obra: os mesmos jovens que não se furtam a acender cigarros, a encher a cara e a ter despreocupadas relações sexuais, são os que censuram Alejandra, apenas por ela ter sido "filmada" enquanto transava. O que não deveria ser um problema, mas é, já que vivemos em uma sociedade pautada pela culpa religiosa e pelo (falso) moralismo. Sem aliviar nas cenas em que os colegas de Ale a humilham, a rebaixam, a oprimem e a menosprezam de todas as formas possíveis, Franco transforma o seu trabalho em uma espécie de alerta para pais e educadores, muitas vezes sujeitos alheios a brutalidade que toma conta dos jovens nas escolas. Como diz o cartaz, esse filme imperdível é baseado em "diversas histórias reais".

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