quarta-feira, 18 de maio de 2022

Novidades em Streaming - Curral

De: Marcelo Brennan. Com Thomás Aquino, Rodrigo García, José Dumont e Carla Salle. Drama, Brasil, 2020, 86 minutos.

Que joia do nosso cinema é esse pequeno filme chamado Curral - primeiro longa-metragem de ficção do diretor pernambucano Marcelo Brennan. Quer dizer, ficção ao menos em partes, já que é simplesmente impossível não identificar uma boa dose de realidade naquilo que acompanhamos. A trama nos joga para a pequena Gravatá, cidadezinha típica do interior onde, às vésperas das eleições municipais, o bicho tá pegando entre dois candidatos à prefeito rivais. Em meio a esse cenário turbulento, somos apresentados a Chico Caixa (Thomás Aquino) um modesto funcionário da Prefeitura, que é o responsável por conduzir o caminhão pipa que levará água às localidades que sofrem com a escassez hídrica. Só que, após bater de frente com o prefeito da situação Vitorino (José Dumont, em participação especial) ele é demitido, sendo recrutado após o episódio por um amigo de infância, no caso o advogado Joel (Rodrigo Garcia), que pretende se eleger como vereador e que, para isso, depende do apelo popular do protagonista na campanha.

Joel é tudo aquilo que esses jovens políticos que surgem meio que do nada, garantem ser: éticos, sem "rabo preso" com nenhuma sigla e interessados em proteger apenas os direitos do povão. "Eu nem precisaria estar na política, sou advogado" defende o sujeito que integra um daqueles partidos da nova (ou nem tão nova) política chamado, Avança Brasil. Acompanhado de Chico Caixa, Joel inicia uma campanha massiva pela cidade, percebendo logo o potencial que terá como moeda de troca, as políticas voltadas à distribuição da água. Acreditando inicialmente em Joel - num misto de ingenuidade com necessidade, já que o homem é pai de família e também precisa pagar os seus boletos - Caixa não demorará para ver as suas convicções sendo confrontadas. Especialmente quando a equipe do candidato passar a fazer promessas claramente vazias, num misto de clientelismo, troca de favores e compra de votos.

E por mais dolorido que seja constatar a falência completa de um modelo de disputa política atual que beira a beligerância, não deixa de ser divertido reconhecer aqui e ali toda a semiótica que envolve o pleito dos pequenos municípios Brasil afora. Estão lá desde os carros de som com grudentos jingles de campanha (Tá nervoso / tome um chá / é galego advogado / ele vem para mudar), passando pelos comícios em que artistas locais se vendem em troca de visibilidade e pelos candidatos vaidosos interessados apenas em si, até chegar ao apelativo papel da imprensa, que costuma se travestir de isenta enquanto funciona como "´pena de aluguel" de um dos lados (e a voz de locutor à moda antiga de um dos radialistas, admito, me fez gargalhar alto, pensando em alguma figuras típicas da nossa mídia local). Nesse sentido, a experiência navega no limite entre o trágico e o cômico, entre a desesperança e a reflexão.

Hábil em construir enquadramentos inteligentes - observe por exemplo o ângulo com que acompanhamos a mangueira sendo desenrolada do caminhão ainda na primeira cena -, Brennan ainda utiliza cenários, figurinos, objetos e outros elementos como forma de se comunicar com seu público. Em certa altura da projeção, Chico Caixa usa uma camiseta em que se lê um Enjoy Coca Cola - o que não deixa de ser uma grande ironia, em um cenário em que a população passa sede por não ter os recursos hídricos básicos. Aqui e ali também há nas entrelinhas um debate sobre temas como machismo, racismo, diferenças de classe e a falta de percepção de onde se está no espectro político (e de quem representa efetivamente o povo). Tudo filmado com um senso de naturalismo tão palpável, que quase me fez lembrar outra maravilha do nosso cinema, no caso o divertidíssimo Narradores de Javé (que, ironicamente, conta com José Dumont em um inesquecível papel). Está na Netflix e precisa ser descoberto.

Nota: 8,5

 

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