De: Thomas Vinterberg. Com Mads Mikkelsen, Annika Wedderkopp, Thomas Bo Larsen e Alexandra Raraport. Drama, Dinamarca / Suécia, 2012, 116 minutos.
Violência sexual contra crianças. Sim, o assunto é grave, é sério e só de pensar sobre já nos gera desconforto. Só que o que o filme A Caça (Jagten) faz é abordar um outro lado dos casos de pedofilia: e se a acusação, aparentemente, for falsa? É possível acreditar em tudo o que diz uma criança? Há aí espaço para alguma dose de fantasia, capaz de se misturar com outros sentimentos complexos para os pequenos? Indicada à Palma de Ouro, a obra sueco-dinamarquesa aborda as consequências de uma denúncia que parece infundada na vida do professor de séries iniciais Lucas (Mads Mikkelsen). Todo mundo é inocente até que se prove o contrário? Sim, mas no caso em que é atribuído a um adulto esse tipo de crime, as repercussões na vida social podem ser imprevisíveis. Lucas está se recuperando de uma separação meio traumática e começa a trabalhar em uma creche - local em que é respeitado pelos colegas e, especialmente, pelos alunos.
Tudo corre relativamente be nessa tentativa de se reestruturar: Lucas possui bons amigos - seus companheiros de bebedeira e caçadas -, há uma boa chance de reaproximação do filho após o divórcio e Nadja (Alexandra Raraport) é a nova namorada. Só que essa rotina é quebrada no dia em que a diretora Grethe (Susse Wold) o chama em sua sala, para lhe relatar que uma aluna de apenas seis anos o teria acusado de exibir suas partes íntimas. Klara (Annika Wedderkopp, em caracterização impressionante) é uma menininha de imaginação fértil, que contava com o apoio de Lucas (e de sua simpática cachorra), para ir para casa. Ir para casa segura, na companhia de um adulto. No lar de Klara, a instabilidade típica da classe média: um pai que abusa do álcool, as brigas constantes dele com a mãe, um irmão adolescente que espalha hormônios e pornografia como se não fosse nada de mais. Lucas se torna uma espécie de porto seguro para a pequena.
Aliás, mais do que isso, Klara passa a nutrir uma espécie de paixonite pelo adulto - aquele tipo de fantasia inocente, que muitas vezes pode passar pela cabeça das crianças. Em um dia de brincadeiras entre professor e alunos ela acaba dando algo próximo de um beijo na boca de Lucas, que lhe explica, calmamente, que aquilo não é correto. E, movida por algum tipo de ressentimento, Klara cria uma história que parece existir apenas em sua cabeça - e, bom, daí pra frente o estrago está feito. Incapaz de provar que não é culpado - a diretora insiste na ideia tenebrosa de que "crianças nunca mentem" -, o professor vê a sua existência ser arruinada, sendo renegado por todos a sua volta: amigos, parentes, até os atendentes de supermercados da região. Na tentativa de se reerguer, conta com o apoio de seu irmão e do próprio filho - e é simplesmente comovente o esforço do jovem Marcus (Lasse Fogelstrom) em brigar pela inocência do pai.
Nesse ponto da resenha acho importante lembrar que, sim, os casos de pedofilia existem, são muitos e na grande maioria dos casos envolvem pessoas bem próximas da criança (especialmente familiares). Mas há um sem fim de acusações que podem ser consideradas falsas - e é importante lembrar da presunção de inocência e, nesse caso, o filme de Thomas Vinterberg (do recente Druk: Mais Uma Rodada) tem papel fundamental no sentido de analisar e tentar refrear a sanha punitivista que move a sociedade dos nossos tempos. Resolver um (suposto) crime com outro crime? Linchar? Se vingar apenas por se vingar? Ali adiante serão dois criminosos. Talvez apenas um, se não houver provas do crime que motiva o senso de justiça. A Caça é um filme ousado, que coloca o dedo na ferida em questões ligadas ao comportamento coletivo, de manada, e que não parece ter uma solução possível ou tão fácil em curto prazo. É um trabalho angustiante, comovente, dolorido. A caça pode virar caçador o tempo todo e vice e versa. O final impactante é a prova disso. Choca. E faz pensar.
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