sexta-feira, 27 de maio de 2022

Pitaquinho Musical - Wilco (Cruel Country)

Acho que uma das coisas que mais gosto no Wilco é a capacidade de se apropriar de um estilo ligado à temas (e regiões) mais classicamente conservadores - no caso o country rock - para criticar justamente a hipocrisia de certos extratos sociais tão comunitários, tão unidos e tão problemáticos. No Brasil, talvez exagerando um pouco, seria mais ou menos como se houvesse algum artista de sertanejo universitário, um que fosse, que se manifestasse de forma não tão favorável ao tipo de política perpetrada pelo atual presidente. Do título ambíguo - estamos falando de um "País Cruel" ou de uma vertente musical banhada em metáforas, como bem pontuou a Pitchfork em sua análise -, passando pela capa de ares tradicionalistas, tudo em Cruel Country, o décimo quinto trabalho de estúdio de Jeff Tweedy e companhia, parece remeter a essas convenções - e contradições.

Uma escuta despretensiosa talvez passe batida pelos temas que aparecem, aqui e ali, nas 21 músicas, que alcançam mais de 75 minutos de duração. Não significa necessariamente renegar o tempo todo a Terra do Tio Sam. Mas sim conseguir enxergar que, em meio a beleza evocativa que parte das paisagens rurais, bucólicas, também se esconde uma Nação que flerta com o que de pior pode haver na humanidade. Um bom exemplo desse expediente pode ser percebido na própria faixa-título, onde em meio a uma serena melodia de cordas Tweedy canta sobre como "ama seu País estúpido e cruel". Há outros instantes que são puro lirismo, numa mistura que vai do soturno à luminosidade, caso da maravilhosa Hearts Hard to Find (A realidade arruína tudo / Eu gosto de uma brisa / Balançando suavemente a árvore). Ambiguidade é a palavra-chave aqui. Não por acaso tudo parece econômico, modesto. Ainda que o resultado seja gigante.

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