segunda-feira, 23 de maio de 2022

Cinema - O Homem do Norte (The Northman)

De: Robert Eggers. Com Alexander Skargard, Nicole Kidman, Anya Taylor-Joy, Willem Dafoe e Ethan Hawke. Ação / Drama / Fantasia, EUA, 2021, 136 minutos.

Existem filmes que, para além da história em si, são uma verdadeira experiência - sensorial, magnética, auditiva e visual. Daquelas capazes de ativar todos os nossos sentidos. Talvez até de alguma forma aguçá-los, ampliá-los. E esse é justamente o caso de O Homem do Norte (The Northman), terceira produção dirigida por Robert Eggers - de A Bruxa (2015) e O Farol (2019) - e que o consolida como um dos grandes realizadores da atualidade. A trama em si é a clássica história de vingança, de um jovem príncipe que presencia o assassinato do próprio pai pelas mãos do tio - que usurpa o trono. Cenários, objetos, símbolos, vestimentas, pinturas, cânticos, religiões, ritos, profecias, superstições, guerra, honra e destino. São muitas as palavras que se confundem, que se misturam, formando um todo coeso, enquanto nós espectadores acompanhamos o desenrolar de olhos meio arregalados, com o desejo de não perder um segundo sequer.

Em resumo, é tudo muito perfeito aqui. É preciso, ao cabo, um esforço homérico para encontrar qualquer desvio, uma incerteza ou algum tipo de excesso. É um tipo de arte soberba, visceral, grandiosa. Há, por exemplo, no início do segundo ato, uma sequência em um barco, que conduz um grupo de selvagens nórdicos que, mais adiante, tomarão um povoado com a intenção de escravizar os locais. De forma tecnicamente impecável, a câmera sai de dentro da floresta para se "instalar" no interior da embarcação, num plano sequência imersivo, que contribui para a construção da atmosfera de pesadelo que acompanhamos (a trilha sonora é uma batucada animalesca, tribal, que remete a algo que vai no limite entre o místico e o macabro). Poderia ser apenas mais uma passagem qualquer. Mas ela mexe conosco. Nos posiciona dentro. Como se fôssemos observadores participantes do absurdo da selvageria de um período - no caso o final do Século 9.


Quando está na aldeia saqueada, o protagonista Amleth (Alexander Skarsgard) - o nome shakespereano não é por acaso - descobre que o algoz de seu genitor é, atualmente, um simples criador de ovelhas na Islândia. Anos se passaram desde o assassinato de seu pai. Mas o seu ímpeto pela desforra permanece. O tio, Fjölnir, o Sem Irmão (Claes Bang) já não é mais "rei" de nada. Nenhuma dinastia. Pouca importância. Para Amleth não há mais trono a ser retomado, monarca a ser deposto. Mas isso não impede o guerreiro de colocar em prática o seu plano de vingança. Especialmente após ser lembrado de seu destino pela bruxa vidente Seeress (Björk), em uma das tantas sequências que mesclam misticismo, folclore e alguma dose de bestialidade. Na propriedade, Amleth se converterá em escravo voluntariamente. Se reaproximará de seus familiares, que o tinham como desaparecido. E se empenhará em sua missão. O que não impedirá algumas reviravoltas interessantes no caminho, daquelas que nos tiram o chão.

Com uma fotografia belíssima - cheia de contrastes entre claro e escuro, vazio e preenchimento - com um ótimo uso dos tons de cinza, especialmente nos momentos em que parece haver uma espécie de transe sobrenatural, a obra ainda é um primor em matéria de paisagens (as locações na Islândia são deslumbrantes). Já a trilha sonora, propositalmente caótica, eventualmente turva, evoca sentimentos distintos como dramaticidade e tensão, sendo comovente e perturbadora em igual medida. Como afirmei acima, é uma obra sensorial, dotada de personalidade, com uma estética e uma atmosfera únicas - o que contribui para a sensação de novidade, mesmo onde poderia prevalecer a mesmice. Muitas pessoas estão comentando que este é o trabalho mais fraco de Eggers - ainda que seja o mais expansivo. A meu ver, o realizador se apropria com maestria dos códigos e da semiologia do período, discutindo nas entrelinhas temas relacionados à masculinidade, ao senso de justiça, à xenofobia e ao preconceito religioso. Não há nada pequeno nesse combo todo. É um dos filmes do ano.

Nota: 9,5


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