segunda-feira, 2 de maio de 2022

Cinema - Medida Provisória

De: Lázaro Ramos. Com Taís Araújo, Seu Jorge, Alfred Enoch, Adriana Esteves e Ranata Sorrah. Drama, Brasil, 2021, 94 minutos.

Juro que a expectativa estava lá no alto pra sessão de Medida Provisória - estreia na direção do sempre carismático e competente Lázaro Ramos, a partir da peça Namíbia, Não! de Aldri Assunção. Pra começar a ideia era ótima. Aliás, mais do que isso, num governo tão reacionário, obtuso e retrógrado como o de Bolsonaro, uma premissa sobre um decreto nacional que obriga os cidadãos negros (ou os possuidores de "melanina acentuada") a retornarem pra África, é mais  do que uma distopia futurista: é um verdadeiro aceno aos tempos atuais. A gente não precisa nem mencionar quantos casos de racismo ocorrem diariamente - basta abrir algum site de notícias que estará lá o caso do policial que confundiu um guarda-chuva com uma arma e assassinou um jovem negro, do torcedor que proferiu ofensas raciais em meio a uma partida de futebol, do entregador de aplicativo humilhado pelo playboy, do homem morto em um supermercado, entre tantos outros. Não escapa ninguém. Anônimo, famoso, bem sucedido ou de vida modesta. O Brasil é esse País vergonhoso onde muitas pessoas medem caráter pelo tom de pele.

Então, de novo, estava empolgadíssimo em conferir uma obra com um argumento tão criativo. Com tanto potencial. Mas sei lá, não rolou tão bem sabe? E a meu ver um dos principais pontos foi a completa falta de sutileza da obra. Sim, eu sei que nos tempos que vivemos é preciso esfregar a realidade na cara de quem assiste, sob pena de evitar qualquer tipo de ambiguidade. Lembram dos conservadores adeptos do "bandido bom é bandido morto" celebrando o Capitão Nascimento em Tropa de Elite? Mesmo com a sequência do filme de 2007 deixando absolutamente claro que não é legal um sistema de segurança que flerta com as milícias ou com o fascismo, o personagem de Wagner Moura se tornou uma espécie de objeto de culto, idealizado por essa elite tosca como um verdadeiro símbolo da violência policial. Então o que Lázaro faz aqui é dizer praticamente o tempo todo algo como "ei, vocês tão entendendo, né? Racismo não é legal, perceberam?".



Sim, novamente, talvez seja necessário. E nesse caso aqui eu aguardo MUITO as impressões de vocês sobre o filme. Só que em muitos casos esse excesso pode gerar justamente o efeito contrário, resultando numa perda de força do discurso. Afinal, o filme martela tanto, mas tanto, mas tanto o quão bizarro é estarmos discutindo cor de pele em pleno 2022, que em alguns momentos o negócio quase pende pro caricato. É mais ou menos como na cena em que o tal Ministro Lobato (Cláudio Gabriel) aparece para discursar sobre a medida provisória e, perguntado sobre o tipo de café que ele deseja consumir, ele comenta sussurrando, pra que ninguém lhe ouça, um "o meu pode ser preto". Tipo: como assim? E, nesse sentido, são muitos os instantes que ficam apenas no raso, num tom mais bem humorado do que reflexivo, como forma de expor aquilo que propõe o roteiro. Ok, o diretor explicou em entrevistas que essa opção foi proposital, talvez com a ideia de ampliar o alcance. Mas, de novo: uma experiência mais séria, com menos frases de efeito e mais ideias bem amarradas, talvez desse mais consistência ao resultado final.

É claro que há muitos méritos. Muitos mesmo. O desenho de produção é caprichado e pra quem gosta de easter eggs será certamente uma experiência divertida identificar as citações culturais que povoam os ambientes, seja em murais, em cartazes ou até em nomes de rua. Os figurinos são divertidos, tropicais e o afrobunker construído para que a população negra possa se proteger e se reorganizar, carecia de mais espaço de tela. É muita coisa acontecendo ao mesmo tempo. Sobre os pontos positivos há ainda um sem fim de participações especiais - de Emicida a Flávio Bauraqui, passando por Conceição Evaristo e Diva Guimarães. Já Elza Soares surge retumbante na trilha sonora, sendo a canção O Que Se Cala um dos momentos mais marcantes - e há outros, entoados por artistas diversos, como, Liniker, Baco Exú do Blues, Flora Matos, Tássia Reis. No combo geral ficou a impressão de que uma aposta maior nas entrelinhas, no dito pelo não dito, na sugestão, talvez conferisse mais relevância ainda ao projeto. Assim ficou aquela sensação de comédia ficcional que materializa uma série de pequenas esquetes diante de um argumento excelente. Por mais encantados que todos nós tenhamos ficado por tudo que envolveu esse filme - entre eles estando o impecável trio central de atores, vividos por Taís Araújo, Seu Jorge e Alfred Enoch.

Nota: 6,5


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