De: Jay Duplass e Robert Cohen. Com Bridget Everett, Jeff Hiller, Murray Hill e Mike Hagerty. Comédia / Drama, EUA, 2021, 190 minutos.
Filmes e séries sobre desajustados sociais tentando se encaixar nesse mundo costumam render ótimas histórias - como comprova Alguém em Algum Lugar (Somebody Somewhere), uma das estreias do semestre na HBO Max. Com apenas sete episódios, a minissérie nos conduz ao coração dos Estados Unidos - mais precisamente no Estado do Kansas -, onde somos apresentados à Sam (a ótima Bridget Everett) mulher de meia idade que vive uma vidinha ordinária em uma cidade pacata, daquelas típicas do interior. De luto pela morte de uma de suas irmãs - em circunstâncias não muito claras -, Sam alterna sua existência entre um trabalho não muito empolgante e os conflitos familiares que envolvem sua irmã mais nova Tricia (Mary Catherine), seu pai Ed (Mike Hagerty) e sua mãe Mary Jo (Jane Drake Brody), gravitando também em seu entorno o cunhado Rick (Danny McCarthy) e outras figuras excêntricas.
Produzida pelos irmãos Jay e Mark Duplass (aliás, foi o que me atraiu para a série), a atração faz lembrar os filmes de Todd Solondz, mas com um pouco mais de otimismo. Sam, por exemplo, a despeito da mesmice e da resignação de seus dias, parece encontrar uma motivação para viver quando faz amizade com Joel (Jeff Hiller), colega de trabalho que se apresenta como um antigo colega de classe da protagonista. Aos trancos e barrancos eles vão vivendo, persistindo e encontrando na paixão pela música um ponto em comum - e não é por acaso que sequências como aquela em que a dupla canta Piece of My Heart da Janis Joplin sejam tão evocativas já que, ao cabo, a série nos faz lembrar que a arte também serve para nos socorrer nos momentos mais desalentadores. Aliás, há no último episódio uma outra sequência daquelas para guardar no coração, com Sam e Joel, acompanhados também de Fred (Murray Hill), entoando mais uma linda canção.
Sim, em um ou outro momento bate aquele sentimento de "ok, pra onde esse negócio vai me levar, afinal?", mas quando a gente percebe está rindo e se emocionando com aquelas figuras tão deslocadas, tão à margem, apenas por não se encaixarem em um certo padrão. Ou, minimamente, por não agirem como o esperado. Tricia, por exemplo, paga vale como representante da família de bem, temente à Deus, empresária de uma pequena loja de quinquilharias, que sequer percebe que o próprio marido (que às vezes mais parece o filho) a trai com a sua sócia. Todos eles arrogados como bastiões da moral e dos bons costumes. É esse tipo de incongruência que denuncia a hipocrisia da pequena cidade, da vida em comunidade, que se sobressai em cada fresta da narrativa, que aproveita seus acontecimentos pouco convencionais para discutir temas distintos, como, poder da amizade, culpa católica, vida de aparências e fuga do passado - com um olhar de incertezas para o futuro.
E, nesse sentido, é difícil não se identificar. Alternando ótimas piadas travestidas de comentários sociais - como na cena em que Sam e Fred estão decidindo em qual igreja entrar, se deparando com quatro opções distintas na mesma quadra -, com fragmentos mais comoventes, como os encontros recheados por música, a série é um prodígio sobre dizer muito, com pouco. Há uma mistura de vidas rurais - e de agricultura mesmo -, que se entranham em famílias conservadoras que vão se colidindo até encontrar força para persistir na amizade, nos encontros inusitados, no aleatório que dá cor a experiência. É algo trágico, sensível, nostálgico e engraçado em medidas iguais, condição ampliada pela fotografia empastelada, pelos figurinos interioranos e opacos e pelo comportamento geral meio torpe. Mas quando a gente vê já tá encantado e torcendo para que todos aqueles desajustados se encontrem no caminho. Nunca é tarde, afinal, para (re)começar. E sair da letargia dos dias.
Nota: 8,0
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