segunda-feira, 30 de maio de 2022

Cinema - Má Sorte no Sexo ou Pornô Acidental (Babardeala cu Bucluc Sau Porno Balamuc)

De: Radu Jude. Com Katia Pascariu, Olimpia Malai e Claudia Ieremia. Comédia dramática, Romênia / Croácia / Luxemburgo / Reino Unido / República Checa e Suiça, 2021, 106 minutos.

Talvez seja meio irônico pensar que um filme como Má Sorte no Sexo ou Pornô Acidental (Babardeala cu Bucluc Sau Porno Balamuc) só poderia ser feito em um contexto de pandemia. E isso porque não deixa de ser uma espécie de "rima" impressionante ver uma população inteira usando máscaras - no caso os habitantes de Bucareste, a capital da Romênia -, e perceber como, aos poucos, essas peças de pano vão começar a cair. Não literalmente, mas como uma metáfora mais do que perfeita para a hipocrisia da sociedade atual. Essa sociedade quadrada, machista, atrasada, apegada a valores e convenções que mais parecem saídas de algum ponto da Idade Média. Dirigida por Radu Jude a obra, originalíssima, foi a grande vencedora do Urso de Ouro no último Festival de Berlim, sendo também a enviada do País ao Oscar. Trata-se de uma experiência inventiva, curiosa, que aponta o conservadorismo de fachada como uma espécie de bizarrice de nossos tempos.

O filme já começa provocativo, ousado, ao mostrar um vídeo amador de um casal fazendo sexo. De forma bastante gráfica, a sequência exibe a naturalidade de um casal "funcionando" dentro de quatro paredes - com todos os fetiches, posições e ângulos possíveis. Aliás, se você tem uma vida a dois saudável, não vai encontrar nada diferente do que ocorre no cotidiano. Só que acontece que muitas pessoas não têm uma vida a dois saudável. E, assim, agem muito mais preocupados com a intimidade - e o rabo - alheios do que com a sua própria. Ocorre que o vídeo em questão é protagonizado pela professora de História Emilia (Katia Pascariu, em ótima caracterização), que dá aula em um educandário tipicamente tradicional, religioso. As imagens vazam. Vão parar na internet. Chocam as "famílias de bem". Que exigem uma reunião para decidir se Emilia deve ou não ser demitida. Demitida por ter cometido o "crime" de ter transado com o próprio marido. Vendo sua vida particular sendo exposta.



E por mais óbvia que a terceira parte do filme seja, ao escancarar a dissimulação do comportamento daqueles pais ávidos por algum tipo de justiça - com direito a uma bizarra exibição público do filme caseiro para que, a partir daí, sejam tomadas todas as medidas cabíveis -, é nas entrelinhas que o diretor enriquece a experiência. Especialmente nos primeiros dois terços da projeção. Na primeira parte, Emilia circula pela cidade, em meio a prédios decrépitos, estruturas arquitetônicas decadentes, paisagens plasticamente sofríveis e uma pobreza (inclusive de espírito) gritante. Enquanto tenta resolver com o próprio marido e com a escola a questão, em meio a conservas rápidas e telefonemas, se depara com o absurdo do cotidiano - sua violência nos detalhes, a beligerância das frestas, os contrastes de tudo. Em um dado instante a protagonista se depara com um motorista de uma grande caminhoneta estacionado em cima da calçada. Ocorre uma discussão, o motorista cheio da razão ameaça Emília - à moda daqueles que facilmente teriam apertado 17 em uma eventual eleição no Brasil - desferindo ainda palavrões, abusando de uma certa misoginia que, na atualidade, parece fora do armário, legitimada.

Em uma segunda parte tão curiosa quanto imprevisível intitulada "Breve dicionário de anedotas, sinais e maravilhas" é apresentada uma enorme coleção de recortes que, de alguma forma, resumem a Romênia em basicamente todas as suas esferas - políticas, sociais, culturais, religiosas, históricas e sexuais. É o País que descende da ditadura comunista de Nicolae Ceausescu, com todas as suas contradições, excentricidades e estranhezas, misturando tudo com alto grau de humor, nos fazendo rir mesmo quando essa gargalhada submerge do absurdo, do disparatado, do paradoxal. Ás vezes quase do grotesco. Toda essa sequência inicial parece preparar o terreno para os momentos finais quando, em meio a máscaras no rosto mal colocadas e expressões fechadas, pais, mães, militares, religiosos e todas essas instituições tão insuspeitas quanto sagradas exigem uma retaliação à professora. Algum tipo de linchamento público, que lhes devolva a tranquilidade do lar, o sono tranquilo no travesseiro, em meio as suas vidas simplórias, ordinárias, assépticas, vulgares, banais, comezinhas. Não deixem de assistir. Impagável é pouco - e o instante final, histriônico, é o fecho com chave de ouro!

Nota: 9,5


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