De: Joachim Trier. Com Anders Danielsen Lie, Hans Olav Brenner e Renate Reinsve. Drama, Noruega, 2011, 94 minutos.
Existe uma cena silenciosa (e comovente) que dá conta do completo vazio sentido pelo protagonista do inquietante Oslo, 31 de Agosto (Oslo, 31. August), filme que está disponível no Mubi. Nela, o jovem Anders (Anders Danielsen Lie) entra em um clube com três amigos ao final de uma madrugada de festa - o dia está amanhecendo. Os amigos resolvem pular na piscina, insistem para que Anders entre com eles. Ele olha, mas parece olhar para o nada. Sua mente viaja por alguns instantes. Ele levanta e vai embora, afinal, qual o sentido de tudo aquilo? Como fugir do pessimismo, do niilismo que lhe invade diante de tudo? Anders é bem nascido, vem de uma família claramente estruturada, pôde estudar, é branco, hétero. Está longe de ser uma minoria. Mas é um jovem viciado em drogas que está quase concluindo o processo de reabilitação. A madrugada da piscina é a conclusão do dia de licença que ele recebeu para participar de uma entrevista de emprego. Uma tentativa de se recolocar, de tentar se incluir novamente na engrenagem social.
Muito antes de chamar a atenção do mundo nesse ano pelo maravilhoso A Pior Pessoa do Mundo (2021), Joachim Trier converteu esse roteiro em uma verdadeira (e dolorosa) via crúcis de um jovem em busca de um reencontro consigo mesmo - de preferência em um universo livre de cocaína, heroína e outras substâncias. Mas como ter forças para recomeçar aos 34 anos tendo, basicamente, nada? Um encontro com o amigo Thomas (Hans Olav Brenner) quase se converte em uma sessão de terapia improvisada entre os dois. Percorrendo a vizinhança, a dupla submerge em reminiscências, olhando para o passado na tentativa de trilhar o futuro. Anders se lamenta, mas a vida de Thomas está tão melhor assim? Cuidar dos dois filhos pequenos, encontrar outros casais que ele nem gosta tanto assim, a completa ausência de amor (e de sexo), a rotina entediante, algumas sessões aleatórias de Battlefield no videogame e... é isso? É essa a vida que aguarda um ex-hedonista?
Quando vai para a tal entrevista de emprego a situação piora. As coisas até não começam assim tão ruins - o futuro empregador do protagonista parece se afeiçoar dele, sorri, elogia sua produção textual ( é uma vaga para roteirista júnior ou algo do tipo). Mas lá pelas tantas, observando seu currículo, ele pergunta onde estão as informações após o ano de 2005. Ao que Anders responde, com inescapável sinceridade: "eu era um viciado em drogas. Drogas de todos os tipos. Mas estou limpo há 10 meses. Nem álcool eu tomo". Mas não adianta. É como se houvesse um selo em sua testa, uma tatuagem, onde estivesse escrito: "viciado". E aí o rapaz percebe que há ainda o estigma social a s ser superado. O preconceito. A ideia de que um consumidor de drogas sempre será um problema. A entrevista se encerra de forma desastrosa. No dia de folga de Anders não há emprego, somente a dor do passado que lhe assombra. E que parece prontinho a bater novamente na porta.
Hábil na construção da narrativa, Trier adota longos planos sequência com câmera na mão, o que confere um caráter quase documental à experiência. Há um naturalismo palpável, como se nós, espectadores, fôssemos observadores que estão em volta, nas frestas - e a fotografia meio granulada, quase pálida contribui para esse clima próximo, familiar. Os personagens são complexos, não há julgamentos morais. A gente sabe onde aquilo tudo vai dar, mas, é quase como se déssemos algum tipo de razão a Anders. Passássemos pano para ele. Como viver num mundo tão afetado pela mesmice? Com tantos planos óbvios para o futuro? Com tanta coisa meramente ordinária acontecendo? O que pode, afinal, nos comover, em meio a esse mar de monotonia? São questões duras, complexas, que não são respondidas nunca e que nos deixam um travor meio amargo na conclusão. Há instantes de beleza, sim (a cena do bar é bonita, mas carregada de ambiguidade). Mas o marasmo é o que vai definir os próximos movimentos. Que envolverão, inescapavelmente, uma agulha, uma seringa e um braço. Doloroso é pouco.
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