De: Bojan Vuletic. Com Mirjana Karanović, Jovana Gavrilović, Danica Nedeljkovic. Comédia dramática, Sérvia / Bulgária / França / Macedônia / Rússia, 2018, 94 minutos.
Quando Réquiem Para a Sra. J (Rekvijem Za Gospodju J) tem início, a primeira imagem que surge a nossa frente é um plano conjunto de uma sala de estar de ares simples - com mesinha, uma televisão daquelas de tubo meio antiga, objetos empilhados, estantes empenadas, um ar geral de desordem em meio a uma iluminação capenga. Tudo está em silêncio e o único barulho que escutamos sai do canto do quadro onde uma jovem senhora, meticulosamente, maneja um revólver. Há um senso meio palpável de solidão que só piora quando entra em cena uma outra mulher, mais idosa, que cruza pelo caminho rumo a cozinha. Uma troca de olhares e basta para que se estabeleça o esvaziamento de qualquer vínculo mais afetuoso. A residência decadente é, ao cabo, apenas um reflexo daqueles que habitam o local, não demorando para que se instale um senso de desolação, de tédio que, aparentemente, levará a mulher que empunha a arma a pretender o suicídio.
Repleto de sutilezas, o filme de Bojan Vuletic - o enviado da Sérvia para a edição do Oscar de 2018 e que está disponível no Mubi (sempre ele) - é mais um daqueles que parte do microcosmo doméstico para analisar o todo. Não demora para que a gente compreenda que a solitária senhora J. do título (a mulher com a arma, que conduzirá a narrativa e que é interpretada por Mirjana Karanovic) está prestes a completar o primeiro ano como viúva. Em meio a letargia dos dias, ela anda para lá e para cá em busca de encaminhar a documentação que lhe permita ter acesso a uma indenização - ela foi dispensada sem muita explicação da fábrica em que trabalhava, que passará por um processo de privatização. Ao mesmo tempo, organiza todos os preparativos para que possa dar fim a sua existência, indo atrás de balas para o revólver e até da instalação de sua foto na lápide, junto a do marido (o que resulta em um instante ao mesmo tempo comovente e engraçado).
Aliás, a intenção bem clara do diretor aqui não é deixar o espectador necessariamente triste. Sim, estamos diante de uma suicida em potencial que zanza em estado catatônico pelo bairro, em meio a enquadramentos pouco óbvios e planos sequência que estendem ao máximo a sensação de dor na alma. Mas, aqui e ali, a narrativa é salpicada por momentos de um humor cínico, em que a crítica à burocracia estatal e ao absurdo de praticamente ter de encaminhar em cartório a própria morte, se cruza com o histrionismo dos familiares, especialmente da filha mais velha que é incapaz de compreender (ou perceber) a dor da mãe. E a cena em que a protagonista flagra a jovem transando para, mais tarde, revelar que está grávida é tão trágica, quanto cômica. "Que bom", afirma ela, mal movendo os músculos do rosto e nem se mexendo do sofá - onde está deitada -, ao saber da novidade.
São esses detalhes que enriquecem o todo ainda que talvez a obra, propositalmente arrastada - quase como um zumbi daqueles de filmes de morto-vivo -, não funcione para todos os paladares. Nesse sentido não são poucos os momentos em que o diretor enquadra por longos segundos (talvez até minutos) um grupo de pacientes que aguarda em alguma fila. A espera ali parece fazer parte. Mas espera pelo quê exatamente? Quando volta a indústria em que trabalhava para tentar reaver algum tipo de papelada a estrutura está sucateada, decadente (assim como são os remanescentes). As pinturas estão gastas, os galpões esvaziados, o som do vento é só o que se escuta. Mas, por incrível que possa parecer, ainda há espaço para algum otimismo no terço final, quando a trama quase flerta com o realismo mágico. É um fiapinho de esperança. Mas que funciona direitinho.
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