terça-feira, 5 de novembro de 2019

Disco da Semana - Emicida (AmarElo)

Uma pesquisa rápida sobre a cor amarela no Google nos oferece vários significados: luz, calor, descontração, otimismo alegria, podendo simbolizar ainda o sol, o verão, a prosperidade e a felicidade. Analisando estes sentidos e tomando por base o "conceito" do mais recente trabalho do rapper Emicida, talvez não tenha sido por acaso que ele tenha sugerido, em sua conta no Twitter, que as pessoas ouvissem AmarElo, o seu mais recente registro, na parte da manhã. "É como um filme sonoro, é outra brisa louca", sentenciou. Trata-se de um disco cheio de vida, cheio de cor, que tem um otimismo comovente, mas sem ignorar os tempos sombrios que vivemos. É um álbum que vai do conforto matinal à frieza escura da noite, nos pegando pelo braço e nos afagando. É um disco que tem uma "positividade inconformada, uma rebeldia otimista", como resumiu brilhantemente outro rapper, o Rashid.

Acho que faz muito sentido que Emicida aposte numa abordagem diversificada, que mescla o colorido sinuoso das conquistas e da vida simples em comunidade - seus amores, gostos, histórias -, com um contraponto que persista em lembrar que estamos num País violento, que mata pessoas por ódio, por preconceito, por intolerância. Por cor de pele. E talvez não seja por acaso que o artista abra o seu trabalho com uma "música" que se chama Silêncio: um minuto para a pausa, para a reflexão, para a preparação. Um minuto de respeito, assim como ocorre nos jogos de futebol quando morre alguém importante, antes do espetáculo de fato começar. E quando o espetáculo começa, ele surge acenando para as mais variadas bandeiras, para os mais variados sons - da MPB, passando pelo samba até chegar ao hip hop. Com letras que podem versar sobre amizade (Quem Tem Um Amigo), o "desafio" de ser pai (Pequenas Alegrias da Vida Adulta), rotina dura do trabalhador (Ordem Natural das Coisas) ou o absurdo do racismo estrutural na sociedade (Ismália).



Em entrevista para o site Uol, o artista explicou que desejava fazer um disco que transcendesse a "política panfletária". e que pudesse ser direcionado para aquela pessoa para quem a perda do bilhete único é mais desesperadora do que uma canetada do presidente. "Eu queria fazer um disco para essa pessoa. Para ela abraçar aquelas palavras e se sentir abraçada por elas. Usar calma como uma estratégia para as pessoas fazerem essa reflexão, para a partir disso se levantar unido", resumiu, reforçando que é um álbum para devolver a calma para as pessoas. "Mas não a calma de uma forma apática e sim o extremo oposto", afirmou. E esse sentimento geral talvez possa ser melhor explicado pela lúdica introdução de Cananéia, Iguape e Ilha Comprida, quando Emicida brinca com a sua filha sobre como a sociedade espera que seja o comportamento de um rapper: sem risadinha porque aqui é o rap, onde o povo é mau. MAU!, sentencia em meio a graciosas risadas de bebê.

Com participações especiais de artistas variados como Nave, Fabiana Cozz, Mc Tha, Zeca Pagodinho, Drik Barbosa, Larissa Luz, Fernando Montenegro, Ibeti e Pablo Vittar, entre outros, o registro é pura luminosidade, consciência e maturidade, tendo como um de seus pontos fortes as letras, as rimas, o flow - aliás, uma tradição na discografia do paulistano, desde as mixtapes de origem, como, Pra Quem Já Mordeu Um Cachorro Por Comida Até Que Eu Cheguei Longe... (2009). "Tenho sangrado demais / Tenho chorado pra cachorro / Ano passado eu morri / Mas esse ano eu não morro", abre a faixa-título, que se apropria da canção do Belchior que, sempre atual, resume o espírito do álbum (e do nosso tempo), para lembrar mais adiante, na mesma música que "Por fim, permita que eu fale, não as minhas cicatrizes / Achar que essas mazelas me definem é o pior dos crimes / É dar o troféu pro nosso algoz e fazer nóis sumir". Acho que, no fim, era sobre isso que Emicida pretendia nos fazer pensar. Bravo!

Nota: 9,5





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