quarta-feira, 6 de novembro de 2019

Cinema - A Tabacaria (Der Trafikant)

De Nicolaus Leytner. Com Simon Morzé, Bruno Ganz, Johannes Kirsch e Emma Drogunova. Drama, Áustria / Alemanha, 2018, 114 minutos.

A Tabacaria (Der Trafikant) é o tipo de filme que se destaca muito pela parte técnica. Digamos que é uma obra de narrativa simples, linear, mas tão bem elaborada, tão elegante, tão imponentemente artística, que talvez se torne algo maior do que provavelmente é. Ou talvez isso seja apenas este projeto de crítico de cinema dando mais uma de suas viajadas. O caso é que gostei demais da película do diretor Nicolaus Leytner pela beleza transbordante de suas imagens - capturadas quase como quadros -, pela fotografia que transforma o cinza esverdeado onipresente em um estado de melancolia permanente que parece querer sair da tela a qualquer momento. Pelo desenho de produção que captura em suas nuances, em seus detalhes, o totalitarismo que invade, o nazismo que esmaga (como comprovam as opressivas bandeiras com a suástica, que teimam em surgir aqui e ali). A Tabacaria é filme completo que mistura arte e seu poder transformador - com direito a bem apropriadas discussões filosóficas, políticas e existenciais, com trama engenhosa, humana.

Bom, acho que já deu pra perceber que eu gostei demais do filme e, enfim, gostei mesmo! A trama nos joga para as vésperas da ocupação nazista na Áustria, onde o jovem Franz (Simon Morzé) é enviado a Viena por sua progressista mãe, para trabalhar na tabacaria de um conhecido - ela imagina que lá ele poderá ter mais oportunidades, do que permanecendo no pequeno vilarejo em que moram. Apesar do começo meio difícil, não demorará para que o rapaz estabeleça uma relação de confiança com o seu novo patrão - um sujeito de nome Otto (Johannes Krisch), que perdeu a perna durante batalha na Primeira Guerra Mundial e que claramente é avesso às ideias pretendidas pelo führer. No local, ainda, Franz conhecerá o mais ilustre cliente de Otto: Sigmund Fredu (o talentosíssimo Bruno Ganz, em seu último papel). Em troca dos melhores charutos do local, Freud se tornará seu conselheiro para os temas da vida. Especialmente o amor.


A trama nada mais é do que a história de amadurecimento de um jovem em meio a um contexto duro, áspero. Franz aprenderá da maneira mais dolorida que amar não é nada fácil e que as coisas nem sempre saem como a gente desejaria. E de quebra ainda terá de conviver com o estabelecimento de um regime totalitário que desencadeará uma série de eventos que afetarão diretamente a sua vida. Nas cartas endereçadas a mãe - e carinhosamente respondidas -, a esperança por dias melhores, por um mundo melhor. Nos sonhos excêntricos, esquisitos, surrealistas, a presença da água, que metaforicamente invade, afunda, afoga os envolvidos. Talvez Franz pudesse ter algum tipo de problema psiquiátrico. Ou vai ver ele é apenas um jovem adolescente cheio de hormônios, que fica curioso pelas revistas adultas preservadas por Otto em uma gaveta específica - e que servirão de desculpa para uma futura prisão por subversão aos costumes das famílias de bem.

Diga-se de passagem as cenas na tabacaria são pura nostalgia, com charutos e cigarros se misturando a revistas e jornais da época, destinados as mais variadas preferências, sendo a interação com clientes e entre os protagonistas um dos tantos pontos fortes. Na ruptura entre o mundo de fantasia do menino que cresce - repare como ele dificilmente consegue concretizar o que imagina -, se insurgirá mais adiante um rapaz mais maduro, mais seguro, mais experiente, especialmente a partir dos avanços alcançados nas discussões com Freud, que se torna uma espécie de amigo íntimo de Franz. Ainda que opte por não investigar mais profundamente o que necessariamente significariam os sonhos do jovem, a trama se desenrola de forma econômica, apostando nos momentos de sutileza, como representação de como um contexto macro pode afetar um micro. Enfim, trata-se de uma obra de beleza estonteante, que merece ser conhecida.

Nota: 8,5

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