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terça-feira, 24 de março de 2020

Novidades no Now/VOD - Turma da Mônica: Laços

De: Daniel Rezende. Com Kevin Vechiatto, Giulia Barreto, Gabriel Moreira, Rodrigo Santoro, Monica Iozzi e Paulo Vilhena. Comédia / Aventura, Brasil, 2019, 97 minutos.

Preciso dizer q vocês que é simplesmente impossível analisar Turma da Mônica: Laços como analiso qualquer outro filme. Por que bastou cinco minutos de projeção e eu, invadido pela nostalgia, quase fui as lágrimas. É sério. Eu cresci lendo os gibis da turminha criada por Maurício de Souza. Mais do que isso: eu aprendi a LER de posse dessas revistinhas. Com cinco anos de idade. É muito provável que, ainda criança, eu tenha me "tornado" jornalista por causa da Mônica, do Cebolinha, do Cascão, da Magali. Então ao ver o Cebolinha (Kevin Vechiatto) e Cascão (Gabriel Moreira) elaborando em live action um daqueles planos bobos para derrotar a Mônica (Giulia Barreto), mas que SEMPRE dão errado, só me restou sorrir (e me emocionar). Foi uma espécie de carinho à minha infância - o que, em tempos de Corona Vírus, parece ter o seu valor ampliado. Aliás, eu sequer tinha cogitado assistir à película de Daniel Rezende (Bingo: O Rei das Manhãs). E é impressionante o bem que me fez.

Sobre a trama, ela não poderia ser mais absurdamente simples: após o plano mal sucedido contra a Mônica, Cebolinha e a sua família tem o Floquinho roubado. Ele some, sem muita explicação. É claro que essa é a desculpa perfeita pra turminha se empenhar na busca, que envolverá a entrada em uma sinistra floresta, que lhes levará até o seu algoz. Em linhas gerais pode-se dizer que o filme tem duas partes bem definidas. A primeira, claramente, busca dar um afago nos fãs. Em meio a correria da Mônica atrás dos meninos, com o coelhinho Sansão em punho, ocorre um desfile de personagens secundários - Xaveco, Titi, Aninha, Jeremias, as irmãs Cremilda e Clotilde -, que servirão para que brinquemos de identificá-los. É também na primeira parte que um iluminado Maurício de Souza aparece em uma ponta, que contribui para o caráter quase idílico das homenagens.


Já na segunda parte, somos envolvidos na aventura em si, com a narrativa ficando levemente mais séria, conforme a turminha se aproxima do sequestrador do Floquinho. O que não impedirá que a jornada em si seja divertida, como comprova a maravilhosa sequência em que o Louco (Rodrigo Santoro) aparece, fazendo as suas maluquices, sempre acompanhado do Cebolinha. E, ainda que a intenção seja a de fazer rir, não deixa de haver no projeto uma série de mensagens, especialmente sobre a importância das amizades - o que se consolida a partir do instante em que todas as crianças percebem que precisarão trabalhar juntas para derrotar o inimigo. E além dessas duas partes e que acompanhamos os meninos, há ainda um arco dramático paralelo em que os pais, preocupados, se ocupam das buscas das crianças que estão desaparecidas - e não deixa de ser legal ver atores como Mônica Iozzi interpretando a dona Luíza (a mãe da Mônica) e Paulo Vilhena e Fafá Rennó encarnando o senhor e a senhora Cebola.

Em relação à parte técnica, o caprichado desenho de produção se ocupa em dar ao fictício bairro do Limoeiro todas as cores que lhe são características nos quadrinhos, o mesmo valendo para os figurinos. No mais, outras questões que se poderiam se tornar meio difíceis de digerir no live action, se tornam motivo para ótimas piadas - como no momento em que Cebolinha censura os demais por sempre perderem os seus pares de tênis, ou no instante em que uma pessoa pergunta algo sobre a cor do cachorro que todos procuram: "mas, ele é verde?" Sim, eu sei que a trama é boba, sim, eu sei que os meninos não são os melhores atores do mundo (o Cebolinha às vezes até esquece de não falar o erre), mas o caso é que senti completamente envolvido. Tocado. E já estou ansioso pela continuação Turma da Mônica: Lições que está, inicialmente, programada para o final deste ano. Na real eu tinha meio que esquecido como era apaixonado por essa turminha. Redescobri agora. E valeu a pena.

Nota: 8,0


terça-feira, 17 de março de 2020

Novidades no Now/VOD - A Camareira (La Camarista)

De: Lila Aviles. Com Gabriela Cartol, Teresa Sanchez e Agustina Quinci. Drama, México, 2019, 104 minutos.

Existe um tipo de opressão, especialmente direcionada à massa trabalhadora, que é demonstrada de forma soberba (e sutil) no ótimo A Camareira (La Camarista) - obra que foi a enviada pelo México para concorrer na categoria Filme em Língua Estrangeira no Oscar desse ano. Esse tipo de abuso é muito mais estrutural, está presente no tecido social, o que faz com que muitas pessoas vivam uma vida de invisibilidade. Aliás, pior: na intenção de obter o mínimo para o atendimento de suas necessidades mais básicas, abdicam permanentemente de suas vidas pessoais, abrindo mão de seus sonhos, anseios e desejos para existir, em muitos casos, a existência do "outro". E, nesse sentido, não poderia haver ambiente mais adequado para o desenvolvimento da ação da película de estreia da realizadora Lila Aviles, do que um hotel de luxo de uma grande metrópole.

É esse hotel de luxo que nos permitirá nos ver confrontados com tantos contrastes - seja ele nos figurinos que, no caso das camareiras, são sempre o uniforme cinza e sem vida fornecido pela empresa, seja na própria rotina das pessoas que ali trafegam, em si. E, nesse sentido, talvez não haja um exemplo mais ostensivo dessas diferenças, como no instante em que a camareira Eve (Gabriela Cartol, em excelente intepretação) é chamada por uma turista argentina da classe mais abastada (alta, magra, de pele e cabelos bem cuidados), para ficar por dois minutos em seu quarto, no hotel, cuidando de seu bebê de dois meses, enquanto ela toma uma ducha. Eve atenderá o pedido da mulher, por mais que esteja atarefada, tendo um andar INTEIRO do hotel para limpar. Eve amparará o bebê da mulher. Eve, que há semanas, talvez meses, não vê o próprio filho de quatro anos, por que está na grande cidade, trabalhando num emprego de que ela não gosta, mas se empenhando em juntar as economias, que talvez lhes permitam um futuro melhor. Ah, detalhe: o pai da criança? Aparentemente não existe.


O encontro fortuito de Eve com a mulher argentina será uma das tantas interações que ocorrerão entre ela e os hóspedes do hotel, em pouco mais de uma hora e meia de filme. Hóspedes naturalmente mal educados, monossilábicos, que se consideram pessoas moralmente superioras (e quase nunca são) pelo simples fato de terem mais dinheiro do que a camareira. Que terão um eventual ar condescendente por meio de diálogos hipocritamente pensados para lhes conferir um ar de generosidade burguesa, de filantropia à moda rotariana (como no caso em que a mesma mulher argentina oferece a Eve um emprego em seu País, como se isto representasse uma revolução nas relações trabalhistas ou mesmo entre pobres e ricos). Nos corredores bem acabados do hotel, Eve se deparará o tempo todo com o abismo que existe entre sua existência e a daquelas pessoas, que mal lhes direcionam um bom dia, que estão sendo confortavelmente individualistas em seus pensamentos, enquanto aquela camareira lhes invade seus espaços, suas vidas, seus hábitos.

Trata-se de um filme inteligente pelo simples fato de, por meio de seu microcosmo (um hotel de luxo), estabelecer, metaforicamente, um recorte maior da sociedade. As tentativas de crescimento interno na própria empresa - sempre frustradas -, a busca pelo ensino ou pela leitura tardia que pudessem representar algum tipo de redenção, ou mesmo a persistência em conseguir um vestido vermelho que foi esquecido por um hóspede e que está no setor de achados e perdidos, nada mais são do que os estratos mais vulneráveis da sociedade lutando para sair da invisibilidade, tentando, em meio a selvageria do capital, algum reconhecimento. E talvez não seja por acaso que seja tão representativo de algum tipo de libertação pessoal, o instante em que Eve invade o tão cobiçado 42º andar para, ali, reconhecer enfim a distância que suas mãos calejadas se encontram de tudo - o que não será resolvido por um simples creme, evidentemente. É uma obra que tem uma fluência um pouco mais lenta, uma sutileza que berra e que nos lembra o tempo todo que vivemos em uma sociedade em que poucos têm muito e que muitos têm pouco. Vale conhecer.

Nota: 8,5

sexta-feira, 28 de fevereiro de 2020

Novidades em DVD/Now - As Golpistas (Hustlers)

De: Lorene Scafaria. Com Jennifer Lopez, Constance Wu, Julia Stiles, Lili Reinhart, Lizzo, Cardi B e Keke Palmer. Comédia / Drama, EUA, 2019, 110 minutos.

Por estar distante da nossa realidade, muitas vezes não percebemos como a crise financeira/imobiliária de 2008 nos Estados Unidos, atingiu os mais variados setores - e o filme As Golpistas (Hustlers) nos mostra como a queda no movimento afetou severamente os bares de strip tease, naquele período. Frequentados por figuras ligadas à Wall Street - investidores, banqueiros, empresários -, as boates eram local em que era despejado muito dinheiro, com as strippers tendo a segurança de ter o seu "ganha pão" garantido. Com o cenário economicamente desfavorável, muitos frequentadores deixaram de usar essa reserva e as profissionais ligadas ao sexo também assistiram à chegada do período das "vacas magras". Bom, isto até uma das dançarinas de nome Ramona (Jennifer Lopez) bolar um plano que visava dopar eventuais clientes bem sucedidos, para retirar o dinheiro deles meio que na marra. Um plano que, claro, tinha tudo para, em algum momento, dar errado.

Ainda que o filme seja sobre um tema sério - golpistas que induziam clientes a gastos excessivos com cartões corporativos que dificilmente poderiam ser cobertos -, o tom adotado é leve, eventualmente até divertido (o que pode ser explicado pelo fato de Adam McKay, diretor de Vice, ser um dos produtores da película). Na trama somos apresentados a uma outra stripper, a inexperiente Destiny (Constance Wu), que se aproxima de Ramona, faz amizade com ela, aprende a arte do strip tease, do pole dance e outras artimanhas e enriquece junto com ela - até o momento em que tem início a derrocada. No começo do filme Destiny está contando a sua história para a jornalista do periódico New York Magazine, Elizabeth (Julia Stiles). Com idas e vindas no tempo, compreenderemos como tudo aconteceu e os motivos pelos quais a amizade entre Destiny e Ramona entrou em colapso, com o sonho do dinheiro fácil e de uma vida de independência escorrendo pelo ralo.


Exuberante do ponto de vista visual - há uma grande fartura de objetos de desejo no mundo da moda (de bolsas a sapatos de grife, passando por casacos bastante elegantes), além de uma cenografia que valoriza uma vida refinada -, a obra da diretora Lorene Scafaria (do esquisito Procura-se Um Amigo Para o Fim do Mundo), tem também nas participações especiais um de seus charmes (e confesso que achei bem legal assistir a Lizzo e a Cardi B utilizando o discurso de empoderamento que também passa pela escolha daquilo que a mulher faz com o próprio corpo). E, nesse sentido, talvez algumas pessoas se incomodem com os excessos de peitos, bundas e coxas que saltam da tela, mas a intenção também é a de mostrar que, neste universo em que se sobressaem os jogos de poder, elas parecem estar muito mais acima na "cadeia alimentar" do que aquele véio barrigudo ou o yuppie infeliz no casamento, que entrega facilmente seu dinheiro para uma garota de salto alto e com um belo decote. Quem tem PODER nessa equação, afinal?

E claro que isso não justifica aquilo que as golpistas fazem e que é retratado no filme. Mas o fato é que as tramoias e as estratagemas são tão bem engendradas e o elenco é tão carismático - ele é completado por Anabelle (Lili Renhart) e Mercedes (Keke Palmer) -, que, quando vemos, estamos torcendo pelo sucesso das protagonistas. E o fato de a gente se importar com elas, está diretamente relacionado ao seu bom funcionamento. Não quer dizer que o crime compense. Mas a gente se envolve. Há histórias por trás: uma mãe que precisa ajudar os filhos, outra que precisa apoiar a vó doente, uma terceira que é de origem humilde e por aí vai. Com JLo preenchendo a tela com aquele que é, disparadamente, seu melhor papel na carreira - por pouco ela não foi lembrada no Oscar - As Golpistas é aquele filme que se não é inesquecível, ao menos diverte e entretém. O que já o faz valer a pena.

Nota: 7,5

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2020

Novidades em DVD/Now - Link Perdido (Missing Link)

De: Chris Butler. Com Hugh Jackman, Zoe Saldana, Zach Galifianakis, Emma Thompson e Timothy Oliphant. Comédia / Aventura, Canadá / EUA, 2019, 94 minutos.

Eu sempre achei que filme em stop motion deveria ser "isento de crítica". Sim, por que tentem imaginar vocês a trabalheira que deve dar para fotografar mais ou menos uns três trilhões de quadros para, depois, juntar cada frame um no outro, com a intenção de transformar isso em uma obra de uma hora e meia. Com sentido. Com detalhamento. Com lógica. Só a ideia de uma película com essa técnica, já concede na ARRANCADA a aprovação pro material. Bom, o Estúdio Laika, pródigo na produção de filmes nesse padrão - é dele os ótimos (e sombrios) Coraline (2009) e Paranorman (2012)  , é a desenvolvedora deste Link Perdido (Missing Link) que faturou o Globo de Ouro em sua categoria, deixando para trás as duas grandes obras da Disney (Frozen 2 e Toy Story 4). Para muitos uma surpresa, especialmente pelo fato de a recepção da crítica ter sido meio morna e a bilheteria não ter empolgado tanto assim.

Bom, a gente sabe que o Globo de Ouro não é lá muito padrão pra alguma coisa, mas Link Perdido tem alguns méritos, especialmente no que diz respeito ao sempre relevante debate sobre respeito às diferenças. Na jornada do herói, o investigador de mitos e monstros Lionel Frost (Hugh Jackman), também é possível reconhecer o amadurecimento de quem, nunca tardiamente, percebe as suas falhas, comprometendo-se a melhorar como ser humano. São mensagens simples, quase prosaicas mas que, embaladas em uma animação simpática e de fácil compreensão, certamente se encaixarão direitinho para o público ao qual se destina o filme (crianças de 11 ou 12 anos). Para os adultos uma oportunidade de se maravilhar com uma animação que atinge o padrão de excelência no stop motion - que começou láááá atrás, com A Fuga das Galinhas (1995) -, que faz uma mescla com computação gráfica, que torna o resultado soberbo. E há ainda um ou outra piadoca mais "sapeca".


Na trama, como já citado, Jackman é o investigador de mitos que não é levado a sério pelos seus pares. Existe um grupo exclusivo - meio que uma maçonaria de grandes caçadores de monstros -, da qual Frost deseja fazer parte a todo o custo. A oportunidade de ouro surge quando o próprio Pé Grande (Zach Galifianakis) em "pessoa", lhe manda uma carta. Sem saber, o protagonista se envolverá em uma grande aventura que lhe levará até Katmandu, no Nepal, na tentativa de encontrar o Abominável Homem das Neves - que o Sasquatch acredita que possa ser um tipo de "parente distante" (ele está só, afinal). Claro que é tudo desculpa para que tenha início uma série de perseguições de rivais com interesses escusos - entre eles um caçador de recompensas (Timothy Oliphant) e de uma série de situações divertidas na tentativa de chegar ao destino. Na jornada, se juntará ainda a ex-aventureira Adelina (Zoe Saldana).

É uma boa animação? É. Vai mudar o mundo? Não, definitivamente não vai. Especialmente pelo fato de faltar um pouquinho mais de profundidade para os temas importantes que são abordados apenas de passagem - e, talvez nesse quesito, as obras da Pixar estejam realmente nos deixando mal acostumados. Ainda assim, as cenas de ação são realmente tensas e bem construídas - consegui ficar verdadeiramente apreensivo em uma sequência envolvendo a possível queda dos personagens de uma ponte muito alta no terço final! Tudo isto não foi suficiente para uma vitória em sua categoria na noite do Oscar (o ganhador foi Toy Story 4). Mas que a vitória no Globo de Ouro foi um belo "prêmio de consolação", isso não podemos negar.

Nota: 7,0

terça-feira, 21 de janeiro de 2020

Novidades em DVD/Now - Quem Você Pensa Que Sou (Celle Que Vous Croyez)

De: Safy Nebbou. Com Juliete Binoche, Nicole Garcia, François Civil e Guillaume Gouix. Drama, França, 2019, 101 minutos.

Em tempos tão tecnológicos como os nossos, é muito provável que não haja pessoa nesse mundo que não tenha experimentado a delícia de ficar horas conversando com alguém - ainda mais se esse alguém for especial - pelas redes sociais. A escolha das frases bem pensadas antes de enviar, o uso de emojis, as palavras ditas (e até as não ditas) e a observação atenta da tela enquanto o "digitando" persiste em aparecer. É algo que todo mundo faz. Ou já fez. E que a protagonista do filme Quem Você Pensa Que Sou (Celle Que Vouz Croyez) também faz. Mas com uma "pequena" diferença. Claire (Juliete Binoche) é uma mulher de 55 anos que, após o divórcio, é aparentemente acostumada a se relacionar com homens mais novos. Homens mais novos que, em muitos casos, não querem muito compromisso - como é o caso de Ludo (Guillaume Gouix), que termina o caso com Claire de forma bastante abrupta (e até grosseira).

Pra tentar se reaproximar do rapaz, Claire cria um perfil falso no Facebook. Por meio dele, adiciona o fotógrafo Alex (François Civil) que, num primeiro momento, deveria ser apenas o caminho para que a protagonista pudesse contatar Ludo. No perfil de Claire, um outro nome: Clara. E fotos e informações misteriosas de uma garota uns 30 anos mais jovem completam o combo. Por ser professora universitária das áreas de literatura e letras, Claire tem um ótimo, inteligente e envolvente papo. E não demora para que Alex fique verdadeiramente interessado na pessoa com quem divide noites e mais noites de conversas divertidas, amenas, safadas. Só que, lógico, Claire não conseguirá manter essa mentira por muito tempo: as pessoas precisam viver no mundo real e o maior desejo de Alex será conhecer a "jovem". E, para nós, que acompanhamos essa jornada, estará estabelecido um ótimo suspense, que bebe na fonte de séries como Black Mirror e de filmes como Ela (2013).


Estruturalmente, o filme é narrado como se fosse uma grande sessão de terapia. Será para a doutora Catherine (a sempre ótima Nicole Garcia), que Claire falará de suas angústias. E de quais estratagemas utilizou para tentar "driblar" o seu novo amigo que, conforme os dias passavam, tinha mais e mais desejos de proximidade. E, pior ainda: sobre como essas estratégias (quase) resultaram em tragédias que poderiam ter modificado a vida de todos os envolvidos na história, para sempre. E, por mais que encaremos Claire como a suposta figura "vilanesca" da história, por ter mentido tão descaradamente, é simplesmente impossível não deixar de compreender a dor de uma mulher que, agora na meia idade, foi abandonada pelo marido, ao passo que a juventude (e o consequente despertar do desejo das demais pessoas), foi ficando para trás. Nesse sentido, a obra do diretor Safy Nebbou é hábil ao conferir complexidade às suas personagens - e a gente fica o tempo todo desejando com todas as forças que o final possa ser o mais feliz possível (especialmente para o "casal" central).

Equilibrando momentos singelos - como aquele em que Claire fala da sensação de alegria de ver a luz verde (que identifica uma pessoa online) acesa -, com outros mais divertidos, como naquele instante em que a protagonista admite desconhecer o Instagram, o filme tem a sua força mesmo nos momentos mais dramáticos (e são tantas as reviravoltas, que a gente acaba surpreendido o tempo todo). Discutindo uso de redes sociais, a solidão na terceira idade, a carência afetiva que muitas vezes nos invade e a idealização do amor, o filme nos apresenta a uma Juliete Binoche mais uma vez arrebatadora. Despida de qualquer vaidade, aparece muitas vezes como uma mulher devastada para, minutos depois, surgir rejuvenescida pelas oportunidades trazidas pela vida e pelas redes sociais (e sempre com a câmera grudada em seu rosto). E o trabalho que ela executa a partir de simples expressões faciais a partir daquilo que ela está lendo na tela (como todos nós fazemos, por sinal), é não menos do que verossímil. É um filme que pode até soar meio exagerado em alguns momentos mas que, minimamente, nos faz refletir. E que ainda nos deixa com a pulga atrás da orelha ao final da última cena.

Nota: 8,5



terça-feira, 14 de janeiro de 2020

Novidades em DVD/Now - Um Dia de Chuva em Nova York (A Rainy Day In New York)

De: Woody Allen. Com Timothée Chalamet, Elle Fanning, Selena Gomez, Liev Schreiber, Jude Law, Diego Luna e Cherry Jones. Comédia / Drama, EUA, 2018, 92 minutos.

Eu não posso ser injusto com o Woody Allen: se ele faz um filme que, por uma hora e meia, me diverte de forma descompromissada, como vou falar mal? Como vou dizer que não gostei ou que é o mais do mesmo, por mais que... talvez seja realmente mais do mesmo? Pois o caso é que achei Um Dia de Chuva em Nova York (A Rainy Day In New York), mais uma obra adorável do diretor - e, sim, as portas estão abertas para vocês, caros leitores, iniciem o ranço (se assim desejarem). Na trama, tudo aquilo que a gente vê desde SEMPRE nos filmes de Allen: personagens neuróticas, relacionamentos amorosos complicados, trilha sonora com standards de jazz, cenários graciosos da Big Apple, toneladas de referências culturais que a gente identifica justamente porque não possuem nenhuma profundidade, excentricidades, idiossincrasias, enfim, busca da felicidade talvez. Especialmente em um mundo que não tem nenhuma lógica. Que é urgente e caótico. Assim como é uma grande metrópole.

O que tem diferente? Bom, talvez o fato de este filme acenar com um pouco mais de força para os millenials da classe média, com seus white people problems, relacionamentos líquidos (Bauman já virou um clichê, aliás) e formas excêntricas de (tentar) ganhar dinheiro. Bem nascido, o protagonista Gatsby (Timothée Chalamet) estuda em uma renomada e bucólica faculdade de artes, enquanto utiliza suas habilidades no pôquer para faturar uma boa grana - ele ganhou US$ 20 mil em um torneio recente. A sua namorada é a jovem Ashleigh (Elle Fanning), estudante de jornalismo da mesma Instituição, que conseguiu marcar uma entrevista com o renomado diretor Roland Pollard (Liev Schreiber), que está finalizando um novo filme em Nova York. Ambos pretendem aproveitar a passagem pela "cidade que nunca dorme", para curtirem um dia a dois. Ao menos era o que eles pretendiam... antes de se desencontrarem.


A meu ver o que o filme pretende (se é que pretende algo) é mostrar que a vida não é feita de começos, meio e fins bem definidos e tudo aquilo que a gente programa pode se modificar a qualquer momento. Claro, há um pouco de exagero nisso tudo, mas, especialmente em uma cidade como Nova York, não será impossível encontrar por acaso um astro do cinema como Francisco Vega (Diego Luna) ou se ver em meio a uma filmagem de um curta-metragem feito por um amigo e que tem a participação da irmã de uma ex-namorada da infância (vivida por Selena Gomez). Nem tudo é o que parece na vida e esse amontoado de pequenos e imprevisíveis recortes - que transformam esse "dia de chuva nova-iorquino" em uma série de fragmentos tortos, nem sempre exatos -, está aí para nos mostrar que, na atualidade, em um mundo tão urgente, tecnológico e individualista, devemos aproveitar ao máximo as nossas existências (muitas vezes tão mesquinhas e pequenas) para sermos felizes. Buscar a felicidade. Woody Allen falou sobre isso tantas vezes -  no nostálgico Meia Noite em Paris (2011), no romântico Para Roma com Amor (2012). E sempre encontrar uma forma nova de fazer. E de nos divertir.

Com pouca inovação no que diz respeito ao estilo - há, aqui e ali, algum plano sequência melhor elaborado ou uma ou outra fotografia mais primaveril ou cinzenta para ressaltar um ou outro estado de espírito -, a obra se vale do roteiro leve cheio, de diálogos rápidos, cortantes e de situações inusitadas (como na "mini esquete" em que o irmão de Gatsby não suporta a risada de sua noiva), como uma de suas grandes forças. A revelação feita pela mãe de Gatsby (a sempre ótima Cherry Jones) quase ao final é um reforço das ideias gerais do "imprevisível como matéria-prima", que se espalham pela película, conferindo ao projeto um pouco mais força do que ele vinha tendo até então. Mas, de qualquer maneira, o objetivo de Allen sempre será se divertir com o inusitado - e nunca fazer um filme cabeçudo. Quer um exemplo? Na cena em que Ashleigh conhece Francisco Vega, ela afirma que a sua colega de quarto considera ele a melhor coisa que já surgiu desde a pílula do dia seguinte. Sério, eu não consigo ficar alheio a uma boa piada escrita por esse idoso de 84 anos.

Nota: 8,0

terça-feira, 10 de dezembro de 2019

Novidades em DVD/Now - Border (Gräns)

De Ali Abbasi. Com Eva Melander, Eero Milonoff, Andreas Kundler e Jörgen Thorrson. Drama / Fantasia, Dinamarca / Suécia, 2018, 105 minutos.

[ESTA RESENHA CONTÉM SPOILERS]

Border (Gräns) é um filme estranho, desconfortável, eventualmente grotesco. Decididamente não indicado para todos os paladares, ainda que dotado de algumas boas intenções na percepção daquilo que é diferente - e que deve, sim, ser respeitado, já que não é a "estampa" que define o caráter. Mas há uma sensação de estranhamento generalizado. De deslocamento. De instabilidade. Há algo que nos incomoda o tempo inteiro e que nos escapa o alcance. Não é apenas a figura picaresca de Tina (a bela atriz Eva Melander, embaixo de uma maquiagem tão exemplar que rendeu à obra de Ali Abbasi uma indicação ao Oscar nessa categoria). É o seu comportamento, o seu gestual. Dotada de algum tipo de "sexto sentido", utiliza as suas habilidades para, na condição de guarda de fronteira em uma aduana, identificar contrabandistas ou pessoas que possam estar ligadas a algum tipo de crime. É um trabalho que ela executa em silêncio, sem extravagância e com grande firmeza de propósito.

Lá pelas tantas cruza pelo seu caminho um certo Vore (Eero Milonoff, também debaixo de uma pesada maquiagem), que chama a atenção de Tina, que parece "farejar" algo de errado nele. Semelhante fisicamente a ela, o homem passa a ser investigado, sendo constrangido ao ser revistado - e será a partir daí que algumas das tantas dúvidas a respeito do caminho adotado pelo roteiro, que vai do drama à fantasia sem muitas concessões, começarão a ser dissipadas. Estabelecendo diálogo com a Mitologia Nórdica, a obra mergulha no suspense sensorial, com Tina se apresentando ao mesmo tempo como uma figura folcloricamente engimática (que possui uma relação quase simbiótica com a natureza e com a vida selvagem), ao passo que também é alguém moralmente ética, que é surpreendia ao descobrir a natureza de sua própria existência - condição que emergirá num misto de sofrimento, fúria e até sensualidade.


É um filme nada óbvio e confesso que poucas vezes assisti a algo tão animalesco e sensível em igual medida. Tina é uma figura taciturna que vai se revelando aos poucos ao espectador, especialmente após a chegada de Vore. Tecnicamente impecável, a película abusa dos enquadramentos estranhos, do uso da profundidade de campo e dos closes de seus protagonistas feios (e belos?), para tornar a experiência ainda mais imersiva. A fotografia acinzentada, pálida, melancólica, fornece um tipo de contraste, especialmente nos momentos em que a dupla se regozija em meio à natureza, em seus rios caudalosos, ramos e galhos verdes e encontros fortuitos com os animais da floresta. Já a edição de som torna palpável o exercício de "farejar". É uma trama amarrada em meio à peculiaridade da vida estranha que, em seu limite, trabalha temas como sensação de pertencimento (especialmente em um mundo que odeia minorias) e solidão - mesmo quando estamos acompanhados.

E ainda que funcione bem como trama de mistério e policial - uma rede de pedofilia vai sendo descortinada aos poucos -, o suspense se estabelece muito mais pela curiosidade sobre a dupla central, que entrega um trabalho de interpretação não menos do que magnífico (e que se despe de toda e qualquer vaidade). Milonoff, por exemplo, consegue ser assustador, sombrio e misterioso em igual medida. E mesmo coadjuvante, como Jörgen Torsson, que vive o excêntrico Roland, que mora com Tina, também contribuem para a sensação de estranhamento generalizado que emana da tela (ele é um sujeito que é fã de jogos e de apostas, especialmente aquelas que envolvem animais). Exemplar genuíno daquilo que de melhor tem sido feito em países como Dinamarca e Suécia, a obra foi premiada na mostra Um Certo Olhar do último Festival de Cannes - gerando burburinho em outros festivais. Veja. Por sua conta e risco.

Nota: 8,0



segunda-feira, 18 de novembro de 2019

Novidades em DVD/Now - A Vida de Diane (Diane)

De: Kent Jones. Com Mary Kay Place, Jake Lacy, Estelle Parsons e Glynnis O'Connor. Drama, EUA, 2018, 96 minutos.

São tempos individualistas os que vivemos, então não deixa de ser comovente assistir a um filme que reforce a importância das relações, dos laços, dos pequenos gestos de afeto, como no caso desse A Vida de Diane (Diane). Serão essas relações que darão sentido a nossa vida - ainda que eventualmente construídas de uma forma meio torta, em que a dependência fala muito mais alto do que a amizade em si. Nesse sentido, é interessante notar o fato de que a protagonista, que dá o nome original à obra e que é vivida pela ótima Mary Kay Place, nunca está sozinha: rodeada de parentes enfermos, de um filho usuário de drogas, de um casal de vizinhos idosos e até de um grupo de apoio à moradores de rua, a vida de Diane é auxiliar os outros. Tentar amenizar suas dores, suas frustrações, suas tristezas. O que faz com que tenhamos a impressão de que, mesmo acompanhada, ela pareça eventualmente solitária.

Trata-se de um filme dolorido sobre a chegada na terceira idade. Diane tem cerca de 70 anos, assim como a maioria dos seus amigos e parentes que vemos em cena. Aos poucos alguns adoecerão, padecerão de algum mal, enfim, morrerão. E esse contexto se descortinará na nossa frente sem nenhuma forçação ou excesso melodramático, afinal, assim é a vida. Diane andará pra lá e pra cá em uma via crucis exaustiva, que será visualmente representada pelas estradas que surgem como uma metáfora para a existência que anda, que anda e que anda indefinidamente - e para a vida que passa, inexorável, a despeito dos seus acontecimentos. Não por acaso, em uma das cenas mais tristes da película, Diane mal tem tempo de chorar a morte de sua prima, já terá de ir atrás do filho drogado, que reaparece depois de dias sem mandar notícias. A vida, afinal, é uma série de eventos que vem em enxurrada, eventualmente desconexos, que podem gerar sofrimento, dor, euforia, êxtase.


Se Diane fica arrebatada com o morador de rua que lhe dá um afago ao dizer que o dia dele ficava mais feliz quando era ela que lhe servia a comida no bandejão - que cena, meus amigos -, em outra, sentiremos junto com ela o arrependimento de não ter estado junto de alguém que amava no instante que lhe antecedia a morte. E não deixa de ser incrível como um filme tão sutil, tão econômico, consiga dizer tanto sobre essa força que rege a nossa presença nesse mundo: a da importância de termos com quem contar, em quem confiar. Não é por acaso que gosto da cena do jantar, em que idosos trocam amenidades, enquanto que os jovens e as crianças surgem em tela quase invisíveis, como espectros no formato "folha em branco", que ainda não tiveram a sua história suficientemente preenchida. O mesmo valendo para o momento em que Diane descobre que, superado um vício, seu filho Brian (Jake Lacy) está, agora, maravilhado por outra "droga".

É filme de instantes pequenos, de repetições, que pode soar excessivamente arrastado para alguns paladares, mas que tem razão de existir assim, já que vida próxima do ocaso, ao menos para Diane, parece uma coleção de fragmentos em que a espera parece mais dolorida, em que o tempo parece já olhar para o fim. A fotografia eventualmente escurecida, de tons mais pálidos, contribui para esse sentimento de vida que se vai indo e que não volta mais, conforme passa. E quando vemos uma Diane tão exaustivamente dedicada aos outros, tão presente, tão empática, tão altruísta, inevitavelmente acabamos por nos perguntar: quem vai cuidar dela? Como ela buscará a felicidade? Bom, talvez a felicidade dela, resida nesse modo de existir, colaborativo, em que as emoções estão presentes nas mínimas coisas, que para ela são grandes, importantes. E que a solidão poderá ser aplacada fazendo-se aquilo que gosta e convivendo com pessoas que amamos. Simples assim.

Nota: 8,0

terça-feira, 12 de novembro de 2019

Novidades em DVD/Now - É Culpa da Alegria (Ode To Joy)

De Jason Winer. Com Morena Baccarin, Martin Freeman, Melissa Rauch e Jake Lacy. Comédia romântica, EUA, 2019, 97 minutos.

Existe uma premissa básica pra fazer com que uma comédia romântica funcione: a gente tem que torcer para que o casal central da trama fique junto. Temos de nos importar com eles. Desejar que eles superem todas as adversidades que lhes foram impostas para que, ao final, quando houver a derradeira cena do beijo que salva tudo, aquela sequência absurdamente clichê em que tudo se repara, em que a trilha sonora sobe e o travelling circular ocorre, seja, para nós espectadores, também um momento catártico. Que simbolize a esperança. O desejo por um futuro melhor. O sonho consolidado. Bom, eu estava querendo assistir algo leve e aluguei esse exemplar de como NÃO FAZER um filme desse gênero. Aliás, o que me surpreende é pensar que produtores de cinema pegaram o seu "suado" dinheiro para investir em uma obra que, além de não funcionar como romance, também não funciona como comédia, por que simplesmente a gente não dá risada. Em nenhum momento. NENHUM. E eu tô falando de um meio sorriso que seja. De canto de boca, vá lá.

Mas não, É Culpa da Alegria (Ode To Joy) também não tem graça. Aliás, as tentativas de fazer comédia são bizarras, machistas, antiquadas. Por exemplo, em uma das primeiras sequências, vemos a personagem vivida por Morena Baccarin (de nome Francesca) entrar em uma biblioteca com o namorado para discutirem a relação. Ao descobrir o motivo da ida a um ambiente silencioso para uma DR - a jovem seria muito histérica -, ela sobe na mesa para gritar com tudo e todos. Bom, se não bastasse o absurdo da sequência em si - que se fosse algo propositalmente nonsense, poderia servir ao humor -, ela ainda piora quando Charlie (Martin Freeman) se apresenta a ela com uma epifania sobre o futuro do relacionamento daquele casal. E, como cereja do bolo, o morto não é "nem embalsamado" e a fila já anda: Charlie, incentivado por seus colegas de trabalho, convida Francesca para sair. Sim, o casal central da película será o Martin Freeman e a Morena Baccarin - por que é bem normal a mulher bonita, inteligente e interessante desejar o cara esquisito. Nos filmes é.


Na trama, Charlie sofre de cataplexia, um sintoma de narcolepsia que causa paralisação súbita quando ele experiencia fortes emoções - mais especificamente a felicidade. Assim, ele desenvolve algumas técnicas para não desmaiar todas as vezes que vive ou simplesmente presencia um evento feliz - e a forma que a narrativa busca nos apresentar essa condição também é péssima, ostensiva, nada sutil. Basta Charlie sair para a rua, que ele inevitavelmente se deparará com cenas afáveis - como a de uma grávida que deixa as compras cair e é auxiliada por um idoso. Só que como lidar com a euforia de uma nova paixão em um mundo em que não é possível se entregar de corpo e alma sem desmaiar, sofrer, apagar? Charlie resolve que, para manter Francesca por perto, a solução é incentivar o seu irmão Cooper (Jake Lacy) a sair com ela. Assim ao menos, de forma altruísta, ele poderá estar em contato com ela nas reuniões familiares. Bizarro. Verossímil? Não. Engraçado? Nunca. Romântico? Preciso responder?

Nesse ínterim, Charlie conhece Bethany (Melissa Rauch, a ótima Bernadette de Big Bang Theory), que até combinaria mais com ele, já que ela parece também ter problemas psicológicos - aliás, que convenção é essa de que as mulheres em certas comédias românticas devem ser neuróticas? Mas, ao final, mesmo sendo um semi virgem de quase cinquenta anos (sua condição lhe impediu de namorar DESDE A ADOLESCÊNCIA), ele lutará pelo amor de Francesca que, mesmo sem ter sequer beijado o sujeito, estará falando ao final da obra em ter filhos com ele (sim, por que uma boa comédia romântica clichê não pode terminar sem o desejo de ter filhos, claro). Pra não dizer que a catástrofe é total, há uma personagem interessante na película, ainda que careça de algumas camadas a mais, que é a tia de Francesca, que tem um câncer terminal, mas vive com divertida vitalidade (papel de Jane Curtin), sendo uma das incentivadoras da sobrinha. No mais, foi uma hora e meia que, de quebra, ainda se arrasta. Não ri. Não me emocionei. Aliás, quase desmaiei de desgosto. Tal qual o protagonista, nos seus momentos de maior euforia.

Nota: 2,0


terça-feira, 29 de outubro de 2019

Novidades em DVD/Now - Boas Intenções (Les Bonnes Intentions)

De: Gilles Legrand. Com Agnés Jaoui, Claire Sermonne e Alvan Ivanov. Comédia dramática, França, 2019, 103 minutos.

São as mais variadas as formas das classes mais abastadas expiarem a culpa pelas diferenças sociais existentes no mundo. Da participação no Rotary ao envolvimento em projetos locais, vale tudo para reduzir o sentimento de desigualdade que, em muitos casos, tem muito mais a ver com massagem no próprio ego do que um efetivo pensamento em uma política mais igualitária. Aliás, se assim fosse, a grande maioria dos ricos não votaria em candidatos que buscam a manutenção do status quo. E assim, aquela madame generosa que vai a Igreja todo o domingo, segue fazendo caridade enquanto o mundo gira com milhares de pessoas passando fome, em guerra, morrendo. Com ricos cada vez mais ricos e pobres cada vez mais pobres. Bom, em partes o que o filme Boas Intenções (Les Bonnes Intentions) mostra, é uma dessas tantas histórias: no caso, a da voluntária em projetos humanitários Isabelle (Agnés Jaoui).

Isabelle, diferentemente da "madame" que mencionei no parágrafo anterior, dedica todos os minutos de sua vida ao ativismo. Com uma vida confortável (não luxuosa), um marido e dois filhos, auxilia imigrantes doando roupas e ministrando aulas de francês para estrangeiros. Em sua rotina, se vê rodeada por chineses, búlgaros, congoleses e até brasileiros. O envolvimento é tanto, que ela até esquece que tem uma família em casa. E tudo piora quando aparece uma nova professora, a graciosa alemã Elke (Claire Sermonne) que, com uma nova e moderna metodologia, faz Isabelle se sentir ultrapassada. Lembra do que falei sobre ego? É nesse momento que a nobre intenção da protagonista da lugar a uma espécie de "guerra particular" para ver quem se sai melhor na tarefa. Com tudo piorando quando o instrutor de CFC Attila (Alvan Ivanov), "entra" abruptamente em sua vida.


Com narrativa fragmentada, o filme de estreia do diretor Gilles Legrand possui vários arcos dramáticos, discutindo muita coisa ao mesmo tempo - de dramas familiares, passando pela busca da aceitação até chegar a tentativa angustiada de "resolver" a miséria do mundo. De alguma forma, a obra também coloca em cheque o caráter ilibado dos bem-feitores de nossa sociedade - não teriam eles também seus preconceitos, como a gente percebe em uma das primeiras sequências em que Isabelle interage com os imigrantes? Com momentos de leveza, alternados com outros mais comoventes, a película parece em muitos momentos ter dificuldade de se decidir entre a comédia e o drama, entre a crítica política ou o escracho social. Sem tomar partido, estabelece a problematização a partir dos mais variados ângulos: não há certo ou errado e sim pessoas sonhando, exercitando suas vocações, tentando, errando e tentando novamente, errando mais um pouco e acertando.

Na ânsia de ajudar os "seus" imigrantes, Isabelle acaba brigando com praticamente toda a sua família. Mas ela está certa em adotar essa postura? Ela precisa individualizar um problema tão grande, gerando outros tantos conflitos? O filme te faz pensar nessas questões e nos faz também colocar a mão na consciência a respeito de nossas atitudes para tornar este um mundo melhor - ou minimamente com menos ódio, preconceito e intolerância entre povos. Com fotografia naturalista e trilha sonora econômica, o filme caminha para um terço final em que todos procurarão compreender, de forma coletiva, as suas motivações. Aliás, eu acredito que, para filmes do gênero funcionarem, é preciso que a gente se importe com aqueles que assistimos: isso em partes acontece. Sim, em partes, afinal de contas aqueles que assistimos não passam de humanos.

Nota: 7,0

segunda-feira, 7 de outubro de 2019

Novidades em DVD/Now - Toy Story 4 (Toy Story 4)

De: Josh Cooley. Com Tom Hanks, Tim Allen, Madeleine McGraw, Tony Hale, Christina Hendricks, Keanu Reeves e Jordan Peele. Animação / Comédia, EUA, 2019, 100 minutos.

Vamos combinar que, em relação aos episódios anteriores, não há muita inovação no Toy Story 4 (Toy Story 4). Mas, como sempre acontece na série, trata-se de um filme bom de assistir e muito acima da média, quando o comparamos a outras animações. Partindo exatamente de onde parou no final do terceiro episódio, Woody (Tom Hanks) e companhia estão em uma nova casa, onde agora são "propriedade" da pequena Bonnie (Madeleine McGraw), que está prestes a ir para a pré-escola. No educandário, Bonnie construirá, de maneira artesanal, um novo brinquedo improvisado - de nome Forky (Tony Hale) -, que será seu novo xodó. Mas quando, em meio a uma viagem de férias, Forky desaparece, Woody, Buzz (Tim Allen), Jessie (Joan Cusack) e outros brinquedos antigos e novos, juntarão forças para que o objeto seja devolvido ao local que pertence.

Bom, como em todos os filmes da série, um fiapo de história sempre é o motivo para que o grupo se envolva em grandiosas aventuras, em que todos têm de superar desafios praticamente impossíveis, para que as coisas estejam de volta ao seu lugar. É aquela obra que num instante nos faz rir, noutro se empenha em nos fazer chorar, trazendo sempre uma mensagem otimista sobre a importância da amizade, da lealdade, de amadurecer e mudar e até de reconhecer o valor das coisas simples. Forky vai parar, inesperadamente, em uma espécie de loja de antiguidades. E no local terá de lidar com figuras ambíguas e pouco amistosas, como a boneca Gabby Gabby (Christina Hendricks) que, ao lado de outros brinquedos de aparência meio macabra, farão um contraponto vilanesco. Já ao grupo de Woody, há o reencontro com Bo (Annie Potts), que terá bastante relevância neste episódio e a adição de novos parceiros de aventuras, como o motoqueiro metido Duke Kaboom (Keanu Reeves) e a dupla Bunny (Jordan Peele) e Ducky (Keegan-Michael Key), que garantem o alívio cômico.


Nesse sentido, ainda que aqui e ali a narrativa se esforce em tentar fazer o espectador chorar, parece ser um filme menos comovente que o anterior. Há sim, nas entrelinhas, um novo tipo de mensagem sobre o "destino dos brinquedos", sobre pertencimento e sobre descobrir um mundo para além daquele que se delimita a um quarto (brinquedos podem almejar algo a mais, afinal?). Num contraponto, momentos divertidos como o desejo latente de Forky, um garfinho de plástico que vira brinquedo, de ir para um "outro local" são engraçados, ainda que eventualmente repetitivos. O mesmo valendo para a piada com Bunny e Ducky e seu grande poder de imaginação na hora de cumprir uma missão que envolve a tentativa de pegar uma chave. É tudo grandioso, megalomaníaco, com os personagens saltando por cenários em grandes proporções, se enganchando e se pendurando de um local a outro, tendo um parque de diversões como pano de fundo. Sabe quando dá a impressão de que uma missão não vai dar? Vai dar.

Do ponto de vista técnico a série impressiona cada vez mais a cada novo capítulo - e chega a ser assombroso perceber o realismo da animação já na abertura do filme, durante uma cena na noite chuvosa. O mesmo valendo para o momento em que um gato aparece e é necessário fazer alguma força para driblar a ideia de que o bichano possa ser de verdade. É um trabalho exuberante e que, dado o grau de detalhamento, merece ser reconhecido. Mas como história, confesso que Toy Story 4 apresenta alguns sinais de desgaste. As crianças crescem, se desapegam aos brinquedos, que passam a ter outros destinos, outros sentidos, nas mãos de outras pessoas. Talvez tudo isso funcione como uma metáfora para a própria película. Quando ela surgiu, ainda lá em 1995, ela era uma novidade contagiante como é um novo e deseja brinquedo nas mãos dos pequenos. Mas, lá pelas tantas, o tempo passa e começam os sinais de desgaste. Ainda há tempo de uma aposentadoria honesta para a franquia. A impressão que temos é a de que ao menos o Woody já percebeu isso.

Nota: 7,5


sexta-feira, 4 de outubro de 2019

Novidades em DVD/Now - Meu Bebê (Mon Bébé)

De: Lisa Azuelos. Com Sandrine Kiberlain, Thais Alessandrin, Patrick Chesnais e Victor Belmondo. Comédia / Drama, França / Bélgica, 2019, 85 minutos.

Em uma das tantas sequências formidáveis do gracioso Meu Bebê (Mon Bébé), Heloise (a sempre ótima Sandrine Kiberlain) está desesperada porque perdeu o seu celular. Dentro do equipamento estavam todos os vídeos e fotos da filha Jade (Thais Alessandrin) realizados nos últimos três meses. Com 18 anos, Jade se prepara para estudar no Canadá, assim que terminar o Ensino Médio. É a última dos três filhos de Heloise que ainda está em casa - os outros dois irmãos também já saíram. E o motivo do desespero dessa mãe que, agora, vê o ninho ficar vazio, não é não ter fotos ou vídeos da filha. Quer dizer, é também. Mas é saber que o seu "bebê", como ela carinhosamente chama a caçula, vai estar longe. E que os filhos crescem e amadurecem, afinal,  passando a ter desejos e anseios próprios, que escapam os limites estabelecidos por tantos anos pelos pais. Sim, cortar o cordão umbilical não deve ser fácil para pais que são muito ligados aos seus filhos: e de alguma forma é isso que a película da diretora Lisa Azuelos (Rindo à Toa) aborda.

Bom, o filme teria tudo para ser uma xaropice sem fim, se o conflito central não fosse bem trabalhado. Ou se Jade se apresentasse como uma adolescente rabugenta, como muitas vezes são os millenials, com Heloise fazendo o contraponto de uma mãe quadrada, antiquada. Mas não. A obra estabelece a relação familiar como um núcleo plausível, em que as pessoas erram e acertam tentando fazer o melhor, mas que apresenta Heloise como uma figura eventualmente sobrecarregada - ela é divorciada - e que coloca, naturalmente, a maternidade quase sempre em primeiro lugar. Os "namorados" vêm e vão com hora marcada, o que talvez explique o fato de que, em uma das primeiras tentativas de sair com um outro homem, ela retorne desesperada para casa, ao perceber que estava atrasada em relação ao horário que deveria estar de volta a seus pequenos. O zelo é permanente. E isso transparece em todos os gestos, olhares e cuidados emanados, de forma comovente, pela mãe. Inclusive nas brigas ou nos conflitos.


É um filme sobre a relação de mães e filhos mas que, de maneira alguma é contraindicado para aqueles que não são pais - e nem desejam ser (como é o meu caso). Ao contrário, a obra tem personagens tão simpáticos que, em alguns casos, a vontade que temos é a de entrar na tela para poder também dar um abraço naqueles que assistimos. Nem tudo serão rosas nessas relações (todos nós sabemos disso): mas o filme é conduzido num misto de leveza, graça e drama capaz de nos fazer emocionar e rir em uma mesma sequência (como é o caso daquela que mostra uma homenagem dos filhos já adultos em um aniversário da mãe). Não é uma obra que torna pesaroso o processo de "entrega dos filhos para o mundo", compreendendo-o como algo natural. Ele também pode ter desejos, querer independência, experimentar - e aos pais cabe aconselhar e educar, mas não lutar contra isso. Nesse sentido, Sandrine é hábil ao transmitir essa ambiguidade: é óbvio que ela quer que a filha vá estudar em uma ótima faculdade. Mas como lidar com a distância?

Com uma série de flashbacks comoventes, a obra ainda é inteligente em suas rimas visuais - em duas cenas distintas envolvendo aeroporto, por exemplo, numa delas quem chora é a filha. Na outra, é a mãe. E por motivos distintos. Em outra Heloise acompanha Jade caminhando no corredor de sua casa, acompanhada de um namorado, ao mesmo tempo em que, nas suas recordações, enxerga a menina agora pequena, frágil, com medo, aos cinco anos, indo na mesma direção. São sutilezas que nos arrebatam, que geram empatia. No meio de tudo ainda há o inevitável choque de gerações, que gera um sem fim de divertidos antagonismos. É o caso de uma mãe que esbraveja dizendo "você vai ver quando tiver seus filhos", para ouvir como resposta um "eu NUNCA vou ter filhos". Há contrastes. Há semelhanças. Há amor e ódio - numa linha muito tênue. Há compreensão e dedicação. Há dor e perda - também simbolizada por um avô doente que se aproxima da morte. E há também o olhar "libertador" de Heloise, quase nos instantes finais, com a sensação de missão cumprida. Ao menos até ali.

Nota: 8,0


segunda-feira, 23 de setembro de 2019

Novidades em DVD/Now - O Mistério de Henri Pick (Le Mystère Henri Pick)

De Remi Bezançon. Com Fabrice Luchini, Camille Cottin, Alice Isaaz e Bastien Bouillon. Comédia / Drama, França, 2019, 100 minutos.

Quem gosta de literatura não pode deixar de assistir a esse despretensioso O Mistério de Henri Pick (Le Mystère Henri Pick). Trata-se de uma comédia leve, com algumas pitadas de suspense, em que acompanhamos a jornada de um crítico literário que tenta, a todo o custo, descobrir a verdade por trás de um livro escrito por um pizzaiolo, que se torna um inesperado best seller dois anos após a sua morte. O manuscrito do livro em questão é "descoberto" pela editora Daphne Despero (Alice Isaaz) quando, em uma visita ao seu pai, ela conhece uma biblioteca que abriga publicações rejeitadas por editoras. Fascinada pelo local, ela se encanta com um romance escrito por um certo Henri Pick - que tudo o que havia escrito em sua vida antes do livro, eram receitas que utilizaria em sua pizzaria. Com o apoio da família do falecido e acreditando no talento literário do sujeito, ela resolve publicá-lo. Resultado: o livro vira febre e imediatamente entra para a lista de mais vendidos na França.

O inesperado sucesso da publicação acaba por gerar certo fascínio pelo autor, que se torna famoso de maneira póstuma. Como forma de divulgar o livro, Daphne e a família de Pick - a viúva Madeleine (Josiane Stoléru) e a filha Joséphine (Camille Cottin) -, são convidadas para um talk show em que um presunçoso apresentador e crítico literário chamado Jean Michel (o sempre ótimo Fabrice Luchini), coloca em dúvida a história contada por todos. Pior: acredita que Henri Pick seja uma farsa e que, de quebra, não se trata do verdadeiro autor da obra. O mal-estar exibido ao vivo para a televisão francesa resulta na demissão de Jean Michel. Ao chegar em casa, sua mulher, insatisfeita com o seu comportamento e com a sua petulância, também o abandona. Sem nada para fazer (e pensar), que não seja o mistério envolvendo Henri Pick, ele vai até a pequena cidade francesa em que vivia o pizzaiolo: quer tentar de todas as formas solucionar o caso.


É a partir daí que acompanharemos uma pequena via-crucis de Jean Michel, que visitará não apenas o prédio em que ficava a pizzaria, mas também a casa dos parentes, cartas publicadas, antigos vídeos e até o cemitério em que Pick está enterrado, tentando conseguir alguma pista que denuncie o que está por trás desse escritor tão talentoso, que teria deixado apenas um livro tão genial. Divertido, o filme fará referências a um possível comportamento recluso do candidato a escritor - que faria leituras escondidas do poeta russo Alexandre Pushkin e que escreveria a conta-gotas no andar de cima do prédio da pizzaria (observando a torre da igreja). Algumas reviravoltas farão com que também questionemos a real existência de Pick como um escritor de talento - ainda que o comportamento absurdamente arrogante de Jean Michel, nos faça torcer para que ele, de fato, esteja errado.

Muito menos interessado em comover a plateia com grandes reviravoltas - a desse filme pode até ser previsível para alguns -, o filme do diretor Rémi Bezançon, ainda dá algumas alfinetadas no mercado literário, que é capaz de relegar para segundo plano obras com bom potencial, não tendo ainda escrúpulos em utilizar jogadas de marketing extremas para atrair a atenção de certos autores lançados. Com algumas piadas engraçadas envolvendo títulos de livros perdidos na biblioteca dos rejeitados, a película não julga seus personagens, parecendo compreender as dificuldades que envolvem não apenas o universo daqueles que resolvem se aventurar pelo mundo das letras, mas também dos críticos, que recebem um sem fim de livros novos para ler e que devem, afinal, fazer algum tipo de triagem para que sua atividade se torne, efetivamente, prazerosa. Assim como muitos livros agradáveis, esse não é um filme que vá mudar a nossa vida: mas passará ligeirinho e ainda nos arrancará alguns sorrisos.

Nota: 8,0

terça-feira, 10 de setembro de 2019

Novidades em DVD/Now - Deslembro

De: Flávia Castro. Com Jeanne Boudier, Sara Antunes, Jesuíta Barbosa e Eliane Giardini. Drama, Brasil / França / Qatar, 2019, 95 minutos.

"Aqueles que não conhecem a sua história estão fadados a repeti-la". Não deixa de ser curioso pensar que essa frase, tão relevante nos tempos sombrios que vivemos em nosso País, seja atribuída ao teórico político Edmund Burke, filósofo conservador que foi um grande crítico da Revolução Francesa. Em nosso contexto, especialmente se pensarmos na Ditadura Militar - e no aparente desejo de muitos de simplesmente "deletar" esse período traumático de nossa história recente -, ela soa atualíssima. Nesse sentido, quando nos deparamos com um esforço artístico que, de alguma forma, resgata aquele momento, ele já nasce digno de nota. E é exatamente este o caso de Deslembro, de Flávia Castro - obra que nos joga de volta para o final dos anos 70 (no período que em que foi decretada a Lei da Anistia), para contar a história de uma família de exilados, que está voltando para o Brasil.

Mas o retorno ao nosso País tropical não será fácil. Especialmente para a jovem Joana (Jeanne Boudier) que, após ter passado toda a sua infância e adolescência em Paris, na França, reluta em retornar com a família para a terra natal da mãe. A sensação de desconforto da menina irá para além do estranhamento natural de se estar em um novo lugar em que não se tem amigos e os antigos colegas ficaram para trás: haverá alguma coisa incômoda nesse novo cenário que, aos poucos, virá a tona, revelando traumas do passado que pareciam "escondidos" na memória da adolescente. E é impressionante notar como Flávia é hábil na construção de uma narrativa que sufoca mesmo nas cenas mais prosaicas - como um piquenique em família na floresta (que não dá muito certo) ou em eventuais flashbacks em que seu pai, um ativista de esquerda, reaparece em cenas embotadas, tensas, confusas. E eu fiquei particularmente maravilhado com a habilidade da diretora no uso de vozes, barulhos e outros sons que surgem no formato de sussurros, como rimas sonoras ou zumbidos que ligam um frame a outro, ampliando a sensação de crescente desconforto.



Já que está de volta ao Brasil, Joana encafifa com o passado do pai biológico (Jesuíta Barbosa), sujeito que teria desaparecido e sido assassinado pelo Estado durante o regime. Montando um quebra-cabeças ela reencontra uma antiga casa que era ocupada por um grupo de resistência do qual seu pai fazia parte e entra também em contato com a sua avó - a mãe de seu pai (vivida com ternura por Eliane Giardini). Em meio a um universo de incertezas que geram um tipo de suspense involuntário de que simpatizo muito - será que o pai dela não estaria vivo? Ela poderia encontra-lo até o final da película? - a jovem vai amadurecendo, descobrindo o amor e funcionando como uma adolescente como qualquer outra, que briga com a mãe Ana (Sara Antunes), que sofre, que fuma maconha, que gosta de ir a praia, que absorve a cultura a sua volta e que tem consciência do significado da luta de seu pai (ainda que utilize justamente este fato para "atacar" sua mãe em certa sequência).

É uma obra familiar, que apresenta com eficiência o contexto político da época - ainda que alguns excessos didáticos pudessem ter sido evitados. É o caso dos jovens que, invariavelmente levam o nome de proeminentes figuras políticas de esquerda (Ernesto, Leon, etc) ou mesmo o instante em que Joana chama um vizinho exaltado de fascista, para ele responder um onipresente "vai pra Cuba!". Ainda assim, como diz o Henrique, meu parça aqui do Picanha, as vezes mesmo o ÓBVIO necessita ser esfregado NA CARA - e é por isso que este fato não compromete a apreciação do filme. Colocando volta e meia a luta política e a necessidade de exumar os "esqueletos do armário" como condição básica para a felicidade familiar, a película é hábil ao captar os eventos do período de forma sutil, econômica, mas, altamente relevante. Joana, a seu modo, se esforça para pertencer aquele universo que, agora, lhe é novo. E ela só conseguirá fazer isso se deixar o passado para trás, não desejando JAMAIS repeti-lo.

Nota: 8,5