quarta-feira, 20 de novembro de 2019

Pérolas da Netflix - Euforia (Euforia)

De: Valeria Golino. Com Riccardo Scamarcio, Valerio Mastandrea, Isabela Ferrari e Jasmine Trinca. Drama, Itália, 2018, 116 minutos.

Qualquer pessoa que tenha um irmão sabe que nem sempre é fácil verbalizar o amor a esta pessoa que pode nos ser ao mesmo tempo próxima e distante. Especialmente se as personalidades forem distintas. Sutil em sua abordagem desse tipo de relacionamento - tão afetuoso quanto conturbado -, o italiano Euforia (Euforia) narra a história de dois irmãos completamente diferentes. Por um lado, Matteo (Riccardo Scamarcio) é o jovem empreendedor bem articulado, desinibido e eventualmente hedonista - um tipo de playboy fascinantemente autêntico, que não vê problema em gastar o seu dinheiro em uma cirurgia estética para preenchimento da panturrilha. Por outro, Ettore (Valerio Mastandrea) é o irmão mais velho e mais sisudo, sujeito introspectivo que está no segundo casamento, é relativamente distante de seu filho pequeno e se ocupa de dar aulas de matemática para o Ensino Médio.

Ainda que possa soar um pouco clichê, o que fará com que os dois se reaproximem - o estilo de vida os distanciou, colocando-os em existências opostas -, será a severa doença que acomete Ettore. Com um irreversível tumor no cérebro e bastante debilitado, ele passará a morar na luxuosa mansão do irmão, em Roma. Como forma de tentar reduzir o sofrimento de todos, inclusive do próprio irmão doente, Matteo, em contato com os melhores médicos da capital italiana, evitará dar a real dimensão da gravidade da enfermidade para toda a sua família. À ex-esposa de Ettore, ao filho e a mãe de ambos, dirá que o irmão está com um cisto facilmente contornável com sequenciais sessões de radioterapia. A intenção nobre - utilizar o "pensamento positivo" como formato de cura -, não tardará a ser descoberta, especialmente após os seguidos desmaios que gerarão uma série de desconfortos a Ettore.


Como em qualquer filme em que o centro da narrativa se dá pela (re)aproximação de duas figuras diametralmente opostas, a película se valerá da força dos diálogos, dos gestos e dos olhares que imprimirão a carga emocional necessária para que tudo funcione. Ao perceber que, por trás da generosidade do irmão - que não poupará recursos para o tratamento de um professor que certamente não teria dinheiro para tanto (oi Walter White) -, pode haver uma boa dose de egocentrismo (e até de exibicionismo "financeiro"), Ettore verá diluída parte da intenção nobre de seu parente. Até que ponto ele faz tudo que faz para ajudar e não apenas para ver afagada a sua própria consciência? Ou mesmo para compensar parte de seu comportamento niilista e autodestrutivo? Será nesses pequenos instantes, nada formulaicos, e sempre construídos muito mais pela sugestão do que pela obviedade, que essa pequena obra mostrará sua densidade.

Novamente, pode não ser uma película para todos os paladares - há momentos poéticos e lindos (como o da revoada dos pássaros no terço final) e outros excêntricos (como o da queda inesperada de um peixe), que possuem alguma simbologia que os liga aos eventos que assistimos. Com uma fotografia propositalmente acinzentada e melancólica, o filme tem uma carga naturalmente dramática que, mesmo em instantes mais felizes, jamais desaparece. No final, por mais dolorido que seja o destino de Ettore, é importante que todos que lhe são caros, tenham conhecimento disso. É algo que poderá fazer amenizar a dor nos instantes finais, curando as feridas de mágoas passadas. E é talvez por isso que a última sequência seja tão comovente: quando percebemos que duas pessoas carismáticas a sua maneira, mas disitintas em suas personalidades, talvez não sejam tão diferentes assim.

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