segunda-feira, 25 de novembro de 2019

Cine Baú - Touro Indomável (Raging Bull)

De: Martin Scorsese. Com Robert De Niro, Joe Pesci, Cathy Moriarty e Frank Vincent. Drama / Biografia, EUA, 1980, 129 minutos.

Sujeito temperamental, intempestivo, violento, o boxeador Jake La Motta foi encarnado com paixão por Robert De Niro. O ator domina a tela e Touro Indomável (Raging Bull) muito provavelmente só existe como existem, no cânone do cinema nos dias de hoje, por conta da presença magnética do ator, que surge como um espectro permanentemente presente, estando quase em todas as cenas. Uma figura imprevisível, opressora, eventualmente torpe que, ao mesmo tempo que se consolida como um lutador com potencial altamente destrutivo, se apresenta como uma personalidade insegura, que tem dificuldade de se relacionar - com o irmão e empresário Joey (o sempre ótimo Joe Pesci), com a namorada e futura esposa Vickie (Cathy Moriarty), com figurões do universo do boxe, com amigos (ele quase não os tem). E com a balança, já que ele está sempre brigando para se manter no peso, para não se desqualificar para as lutas em que estará envolvido.

No ringue Jake é uma força da natureza. Golpeia com fúria animalesca, soca seus adversários sem dó, ferindo-os quase mortalmente. É em cada jab, em casa cruzado e em cada gancho que ele descarrega a sua raiva pelas frustrações da vida, quaisquer que sejam. E o filme de Martin Scorsese é absurdamente hábil na montagem desses instantes em que, enraivecido com o mundo, com o sistema, com a família (com os que estão em sua volta), ocupa-se de destruir qualquer que seja seu oponente. Se em um instante Jake está desconfiado de que a esposa possa estar lhe traindo (e na maioria dos casos é isso o que mais lhe irrita), no segundo seguinte ele surgirá como uma figura monstruosa, maior do que é de verdade, fazendo sangrar opressivamente aqueles que ousam desafiá-lo. E, é preciso que se diga, poucas vezes as cenas de boxe foram tão bem editadas (trabalho da montadora Thelma Shoonmeker, que ganhou o Oscar) como em Touro - os cortes rápidos, a utilização do som, a câmera lenta, os closes do sangue jorrando, do suor, dos flashes das câmeras espocando, das feridas se abrindo, das cicatrizes se formando, são inacreditavelmente inesquecíveis e realistas.

 

Só que, por mais que as cenas de "batalha" sejam ótimas, verossímeis, bem coreografadas, o filme tem na interpretação da dupla central uma de suas maiores fortalezas. Pesci não ganhou o Oscar naquele ano - a academia optou por dar a estatueta e um "esquecível" Timothy Hutton por seu trabalho em Gente Como a Gente - mas rivaliza à altura com De Niro. Mais jovem, aguenta as brutalidades do irmão sem baixar a cabeça, confrontando-o, questionando-o e até debochando de seu jeito absolutamente irascível. Em uma das mais inesquecíveis partes do filme, o protagonista pergunta, DO NADA, se o irmão está comendo Vickie. O instante do "did you fuck my wife?", já virou paródia, meme, imitação em uma centena de outros filmes, séries e programas, sendo recordado como um dos pontos altos da película. Enfurecido com essa possibilidade, Jake dá porrada tanto em Vickie quanto em Joey. Sim, em Vickie. Em uma das tantas cenas em que a misoginia do sujeito atinge limites quase insuportáveis.

Filmado em um elegante preto e branco, a obra é uma das mais clássicas histórias de ascensão e queda de um esportista, mostrando a glória e a derrocada de um homem sem controle, machista, descuidado e até insignificante - especialmente em seu ocaso, quando se transforma em um risível apresentador de stand up comedy. Explorado por empresários e pessoas ligadas ao ramo, não consegue se manter em alta, deixando o fator psicológica influenciar a sua carreira de forma definitiva. Impecável em sua caracterização - como já dissemos - De Niro urge em cena de forma alternada, uma hora como o vigoroso e potente boxeador, outra hora como o desleixado, nauseabundo (e acima do peso) sujeito em fim de carreira. Diz a lenda que foi o próprio Robert De Niro quem convenceu o amigo Scorsese a levar a biografia de La Motta para as telonas. Se é verdade ou não, o fato é que o filme pavimentou a carreira do diretor, que vinha de um documentário não muito expressivo, chamado o O Último Concerto de Rock. O resto? Bom, o resto é história.

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