terça-feira, 21 de julho de 2015

Pérolas do Netflix - O Som ao Redor

De: Kléber Mendonça Filho. Com Irandhir Santos, Gustavo Jahn, Maeve Jinkings, Waldemar José Solha. Drama / Suspense, Brasil, 2012, 130 minutos.

Já dizia o professor e pensador brasileiro José Hermógenes: "Silêncio, em verdade não é ausência de som. Silêncio é a voz de Deus. Aprende dele." Pois quantas vezes em nosso corrido dia a dia conseguimos "ouvir" a idílica "voz de Deus", professada na frase acima? Diria que NUNCA. Os barulhos de nosso cotidiano podem ser os mais diversos: carros de som fazendo intermináveis propagandas do circo que chega a cidade, o pedreiro que martela incessantemente na construção ao lado, o vendedor que grita as maravilhas atribuídas ao seu produto, os cachorros que latem, as crianças que brincam, a música que vem de longe. O som definitivamente está ao nosso redor. Faz parte da nossa vida. E, nessa verdadeira pérola do cinema nacional, ganha ainda mais significado.

Assim, nas aparências, O Som ao Redor - disponibilizado nesse mês na plataforma de streaming Netflix - não tem uma história com começo, meio e fim, como estamos acostumados. Ainda que seja recheado de possibilidades, de reflexões, de nuances. Uma das personagens, por exemplo, é Bia (Jinkings), que passa as noites em claro pelo fato de o cachorro do vizinho ao lado não sossegar, por um instante que seja. Como atitude extrema, ela colocará um comprimido em meio a um pedaço de carne, com a intenção de fazer o animal dormir. Tudo para que ela também descanse, ainda que seu cotidiano de dona de casa da classe média, tenha como atividades mais interessantes as lidas domésticas - que definitivamente lhe dão algum prazer - e os cuidados com os dois filhos.


Outro personagem é o corretor de moveis João (Gustavo Jahn), que percebe que o carro da futura namorada foi arrombado, na noite em que ela fica com ele. Aliás, é a (aparente) onda de violência que faz com que João, Bia e outros moradores aceitem contratar uma espécie de equipe de segurança para tomar conta do condomínio. Comandados por Clodoaldo (o sempre ótima Irandhir Santos), os vigilantes vão armar a sua base em uma das esquinas do bairro, ganhando até mesmo a simpatia do veterano Francisco (Solha) - que funciona como espécie de Seu Barriga do local. É claro que a presença dos seguranças não garantirá a tão desejada paz dos moradores, que, no fim, desconfiam de tudo e de todos. Mas fará com que pequenos delitos ou mesmo presenças indesejadas da madrugada sejam coibidas.

A película discute uma série de questões, entre elas, a relação entre patrão e empregado, a sensação de solidão e de isolamento dos dias de hoje, o medo nas grandes cidades, o individualismo, o temor de que algo ruim possa acontecer - mesmo que nada aconteça, de fato. Nesse sentido, a obra do curta-metragista e crítico de cinema Kleber Mendonça Filho, se assemelha a outras, como o magnífico Caché, do diretor Michael Haneke. Mesmo sem gritar a sua intenção, Mendonça Filho registra os seus personagens com foco nos detalhes relativos a prisão particular vivenciada por cada um deles, que passam os seus dias entre muros altos, cercas elétricas e cachorros latindo. Com ecos de O Pagamento Final e do ótimo argentino O Homem ao Lado, o filme, que utiliza um angustiante e surpreendente som diegético, é econômico em sua carga dramática, ainda que passe o recado. E ainda conta com uma improvável e divertida cena de reunião de condomínio.


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