segunda-feira, 16 de outubro de 2023

Novidades em Streaming - Uma Bela Manhã (Un Beau Matin)

De: Mia Hansen-Løve. Com Léa Seydoux, Melvil Poupaud, Pascal Greggory e Camille Leban Martins. Drama / Romance, França, 2022, 112 minutos.

Vamos combinar que quando o assunto são as dores cotidianas, muitas vezes costumamos sofrer em silêncio, meio resignados, sabendo que na maioria dos casos dependerá de nós mesmos a correta tomada de decisão para sair desse ou daquele conflito. E não necessariamente estamos falando de grandes tragédias - ainda que doenças familiares, incertezas que envolvem a criação dos filhos ou um suposto grande amor difícil de ser correspondido, possam estar entre os eventuais problemas que precisamos lidar. E no caso Uma Bela Manhã (Un Beau Matin), mais recente projeto da diretora Mia Hansen-Løve (de A Ilha de Bergman, 2021), nos deparamos justamente com esses recortes bastante íntimos, que nos deixam em certo grau de instabilidade. Afinal de contas a nossa existência sempre será, em alguma medida, uma coleção de pequenos instantes, de distrações, ocorrências e fragmentos que formarão, aqui e ali, a nossa jornada.

Nesse sentido, obras como essa podem não ser tão acessíveis para os espectadores, já que temos a impressão de que é no "não acontecimento", que as coisas ocorrem. Ou que se tornam mais profundas do que sugerem as aparências. Na trama somos apresentados à viúva Sandra (Léa Seydoux) uma jovem mãe que, ao mesmo tempo em que se empenha para criar a sua filha Linn (Camille Leban Martins), precisa lidar com as tristes inconveniências que envolvem o seu pai Georg (Pascal Greggory, em excelente atuação) - um renomado e respeito professor universitário, que padece de uma severa doença degenerativa que lhe impede a visão (e, consequentemente, a autonomia). Enquanto tenta, ao lado das irmãs e da mãe, viabilizar um local adequado para que seu pai possa ter a melhor assistência - há uma série de dúvidas quanto as alternativas de casas de repouso e suas instalações -, Sandra reencontra, em suas andanças cotidianas, um velho amigo chamado Clément (Melvil Poupaud).

E não demora para que percebamos as afinidades de Sandra e Clément - quando estão juntos se divertem, o sexo parece cheio de química e de tesão, eles servem de amparo um ao outro em momentos de incerteza. Só que tem um pequeno detalhe: Clément é casado, tem um filho. E nem sempre conseguirá estar ao lado de Sandra para o suporte emocional, quando tudo ao redor estiver prestes a desabar. Algo que, não bastasse todo o turbilhão, ainda lhe prejudicará em outras frentes - ela trabalha como tradutora e, em uma sequência angustiante, é possível ver como ficará desnorteada após receber uma mensagem ao celular (o que dificultará a sua atuação durante uma importante live em um congresso). Ao cabo, este é aquele tipo de produção que, por mais sutil e discreta que seja - o que envolve a aposta em silêncios, olhares, gestos comedidos e divagações pequenas -, sempre parecerá pronta para se converter em uma tempestade.

Com excelentes interpretações do elenco - Léa, por exemplo, consegue transmitir toda a dor por meio de seus olhos angulosos (e cansados) ao passo que a sua mãe é a figura enérgica que parece meio de saco cheio de tudo aquilo (e a presença da ótima Nicole Garcia sempre adiciona um algo a mais) -, a obra ainda aproveita seus temas para amarrar, aqui e ali, assuntos que envolvem morte, finitude, recomeços e a eterna busca pela felicidade. Para quem assiste é meio difícil julgar Sandra apenas por julgar. Todos nós temos dúvidas, medos, anseios. Todos nós queremos nos agarrar naquilo que nos faz feliz para não soltar mais - e para tentar esquecer tudo o que demais nos incomoda, nos faz sofrer. É um filme de cotidianos, que pode nos levar das lágrimas ao sorriso em questão de segundos (bem como é a vida). Não há certo ou errado, lado bom ou ruim. Há apenas pessoas vulneráveis tentando a todo custo olhar para um futuro que possa ser melhor que o presente.

Nota: 8,0


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