quarta-feira, 25 de outubro de 2023

Tesouros Cinéfilos - Pecados Íntimos (Little Children)

De: Todd Field. Com Kate Winslet, Patrick Wilson, Jackie Earle Haley, Jennifer Connely e Noah Emmerich. Drama, EUA, 2006, 136 minutos.

Poucas vezes a mesquinharia, a hipocrisia e o vazio existencial da classe média suburbana norte-americana foi tão bem retratada no cinema moderno, como no ótimo Pecados Íntimos (Little Children) - que, por incrível que pareça, havia sido apenas o filme anterior de Todd Field, antes do elogiado Tár (2022). Aqui temos aquele típico recorte da monotonia do bairro pacato com as suas casas de portãozinho branco e jardins de plantas bem aparadas e praças limpas - aliás, justamente o local onde costumam se reunir algumas dondocas com suas crianças pequenas, estando entre elas Sarah (a sempre competente Kate Winslet). O assunto entre elas, com suas vidinhas ordinárias e pouco interessantes, não costuma variar, indo da preocupação com a existência de um suposto pedófilo na região - um homem que havia sido preso e foi solto após cumprir sua pena -, e o desejo secreto e platônico direcionado a um gostosão do bairro, um pai de família que surpreende todas elas por fazer mais ou menos o básico.

Para Sarah, aquele comportamento que não parece sair muito do rasinho, soa meio estranho. E quando ela é instigada pelas demais mulheres para tentar conseguir o telefone do sujeito - o bonitão se chama Brad (papel de Patrick Wilson) -, ela não apenas alcança o seu objetivo, como ainda descola um beijo nele. Para o horror das demais, afinal, o que seus filhos vão pensar ao ver dois adultos demonstrando amor, não? Esse será o ponto de partida para mostrar que, naquele ambiente, ninguém é o santo que se vende na vida pública já que, no íntimo, no privado, muitos deles parecem ter seus segredos, alguns deles que derivam para excentricidades que, em alguma medida, podem ser reflexo de questões psicológicas mal resolvidas ou resultado de outros distúrbios emocionais diversos. E o que o filme fará de forma muito hábil, é ir descortinando aos poucos esse comportamento dissimulado, de quem gosta muito de apontar o dedo para o "rabo" alheio, mas esquece de olhar para o próprio.

A própria Sarah, pra começar, e por mais que ela transpareça ser algo tipo a mocinha do filme, é casada - aliás, com um sujeito de nome Richard (Gregg Edelman) que, mais tarde, descobriremos ser um viciado em pornografia online, com direito a conteúdos baixados até mesmo no ambiente de trabalho. Já Brad é o homem básico de bermuda caqui, mocassim e camisa manga longa que vive as custas do trabalho de sua esposa Kathy (Jennifer Connely), uma renomada documentarista, enquanto mente a ela que está estudando na biblioteca para o exame da OAB para, na verdade, espionar jovens adolescentes que andam de skate (sabe-se lá com que desejo secreto). E mente mais ainda quando inicia o romance em segredo com Sarah. E para Brad essa já inexistente retidão desmoronará ainda mais quando ele se aproximar de um antigo amigo de nome Larry (Noah Emmerich) - um policial aposentado de tendências meio fascistas que integra um comitê local que tem como maior projeto de vida vilipendiar o tal pedófilo (seu nome é Ronnie).

Claro, o filme não passa pano para Ronnie, um homem próximo dos 50 anos, que ainda mora com a mãe e que claramente precisaria de um amplo tratamento psiquiátrico para a possibilidade de um retorno à vida em sociedade com redução de danos. Só que, claro, isso não deveria autorizar os moradores da região a formar uma espécie de milícia vingativa - que ocupa parte dos seus dias colando cartazes e falando em megafones sobre os riscos de haver um criminoso entre eles. Aliás, o próprio Larry, esse justiceiro quase caricato, saberemos mais adiante, também não é alguém de moral tão inquestionável, como comprovam alguns episódios do passado que dizem respeito a sua desastrada atuação como homem da lei. Bem conduzido, utilizando o bairro como uma espécie de observador silencioso da rotina, com sua fotografia pouco saturada e cores e figurinos de tons pasteis, esse é um filme que examina à perfeição os defeitos obscuros da vida da classe média, praticamente nos exigindo um exame de consciência. Especialmente antes de julgar o outro.


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