quarta-feira, 11 de outubro de 2023

Novidades em Streaming - Retratos Fantasmas

De: Kleber Mendonça Filho. Documentário, Brasil, 2023, 93 minutos.

Uma obra nostálgica, metalinguística e poética, que funciona como uma espécie de fluxo de consciência sobre uma sociedade em transformação que, ao mesmo tempo que parece evoluir em alguns aspectos - como no caso da tecnologia -, retrocede em outros. Mais ou menos assim é possível resumir - e de acordo com a minha leitura, já que esse é um projeto amplo, cheio de camadas, de caminhos e de possibilidades - a experiência com o documentário Retratos Fantasmas, mais recente projeto de Kleber Mendonça Filho (de Aquarius, 2016), que está disponível pra aluguel na Amazon e no Now. Enviado para representar o Brasil na categoria Filme em Língua Estrangeira no Oscar 2024, este é um trabalho evocativo, sensível e bastante autobiográfico não apenas sobre o processo de fazer cinema, mas sobre como a nossa bagagem ou as vivências pessoais influenciam em nossa caminhada.

Em alguma medida, compreenderemos como grande parte das obras ou ao menos as mais conhecidas de Mendonça partem, em alguma medida, de memórias da sua infância e da juventude na pernambucana Recife. Sons, cheiros, objetos, luzes, a arquitetura dos espaços, as relações familiares e até mesmo os latidos do carismático e persistente cachorro do vizinho, contribuirão nessa colcha de retalhos que formará cada roteiro, cada narrativa pensada pelo diretor. E mesmo sendo uma obra de tintas autobiográficas, em nenhum instante temos a impressão de estarmos diante de um projeto egocêntrico, presunçoso ou que pudesse pender para o mero autoelogio. Para o realizador o microcosmo familiar e o seu entorno servem para um exame mais amplo das mudanças políticas, culturais e religiosas através dos tempos. O centro fervilhante de outrora, aquele ecossistema vivo, vibrante, hoje pode ter mudado pra outra região. O mesmo valendo para os cinemas de rua que, hoje, são miseravelmente substituídos por sedes da Igreja Universal. 

E tudo isso não impedirá que o espectro sobreviva. Esse ectoplasma que parece rondar cada canto - cada rachadura nos prédios decrépitos, cada fachada que não mais existe ou cada equipamento jogado em um quarto escuro. Em certa altura, Mendonça adiciona camadas à moda de Antonioni ao sugerir a existência de um estranho "fantasma" que pode ser visto em uma foto. Parece um grande borrão. Mas que serve como metáfora mais que perfeita para essa alegoria da era moderna que olha com carinho para o passado, enquanto no presente não consegue esconder a melancolia ao perceber que cada livraria de antigamente, hoje foi substituída por uma uma farmácia. Em alguns casos são três lojas que vendem remédios coladas uma na outra. A cultura poderia ser um remédio? Poderia ser uma forma de refletirmos com mais profundidade sobre os caminhos que estamos adotando? Poderia nos fornecer uma espécie de cura? Espiritual? mental? Poderia. Nessa jornada especulativa do narrador essas ideias parecem embutidas recortes alternados, em instantes intercalados. É quase impossível não sucumbir a certo desalento, especialmente pela dificuldade que temos em honrar a nossa história.

E é por isso tudo que Retratos Fantasmas é um filme tão belo. Ok, ele pode ter certas imperfeições ao tentar atirar meio que pra todo o lado. Sem ter necessariamente um foco. Há, por exemplo, um belíssimo segmento em que o narrador pondera sobre como os letreiros de antigos cinemas da capital poderiam inconscientemente refletir a instabilidade de certo momento. Com uma ditadura militar em andamento enquanto, paradoxalmente, as salas de projeção ganhavam força atraindo milhares de pessoas. Milhões em alguns casos - como no caso do emblemático Hair (1979), de Milos Forman, que seria proibido sabe-se lá sob qual alegação pelo regime. Ao cabo esta é uma obra que também, assim como muitas outras, funciona como uma grande homenagem ao cinema. E aos que se esforçam por colocar os filmes nas telas. Claro, de um ponto de vista muito menos midiático e barulhento do que em Os Fabelmans (2022), por exemplo. Ainda que no filme do Spielberg não haja uma explicação tão precisa sobre a beleza de uma iluminação de excelência em uma cena noturna. Talvez seja apenas cinema pra quem gosta de cinema, vá lá. É simplesmente impossível não se comover.

Nota: 9,0

 

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