domingo, 4 de dezembro de 2022

30 Melhores Discos Internacionais de 2022

Elaborar listas de melhores do ano é sempre trabalhoso por uma série de motivos. No caso dos discos, a primeira dificuldade vem justamente do grande volume de lançamentos ano a ano. São centenas. Com muita coisa boa. E conseguir acompanhar tudo é tarefa praticamente impossível! Assim, uma relação como esta para além de destacar o que mais gostamos, tem o objetivo de apresentar algumas preferências dentro daquilo que CONSEGUIMOS acompanhar. Sim, em um mundo com tanta oferta cultural - de filmes, séries, livros, podcasts, canais de Youtube - definitivamente não dá pra estar por dentro de tudo sem sofrer de FOMO. E, musicalmente, ainda há um detalhe sobre 2022: talvez esse tenha sido um dos melhores (ou talvez até o melhor) anos em matéria de grandes discos lançados. De artistas relevantes e consagrados como Kendrick Lamar e Taylor Swift, a novidades empolgantes como Wet Leg e Alfie Templeman -, o período de reabertura pós-pandemia foi prolífico e criativo, com um grande volume de trabalhos que pareciam adormecidos, como se estivessem aguardando o momento certo para vir ao mundo. Tanto que até ampliamos o número para 30 selecionados - ante os 25 anteriores.



E antes de vocês seguirem com a leitura, não deixem de conferir as nossas relações dos anos anteriores: 2021, 2020, 2019, 2018, 2017, 2016 e 2015



30) Chat Pile (God's Country): talvez o ouvinte desavisado possa estranhar o estilo furioso com que o vocalista do Chat Pile Raygun Busch encarne as suas nervosas canções - e o ranço antecipado nesse caso pode ficar de lado, porque aqui temos uma banda de metal que honra a tradição questionadora do rock. Ao invés de tiozões mofados que frequentam motoclubes no final de semana enquanto reclamam das coisas que estão mudando, aqui temos um coletivo que compreende que o mundo às vezes irrita mesmo e não há outra maneira de expressar isso sem que seja na base da selvageria. Um bom exemplo desse expediente pode ser percebido na contundente Anywhere, sobre alguém que perde um ente querido durante um tiroteio (É o som da porra de uma arma / É o som do mundo desabando). "Eu odeio armas e acho covardes aqueles que as mantêm" afirmou Busch em entrevista. As dores terrenas retornam em outros instantes igualmente viscerais, como em Why (sobre pessoas morando na rua mesmo com tantas casas disponíveis) ou Tropical Beaches, Inc. (a respeito da pressão social para ser alguém bem sucedido). Agressivo, agitado, pungente. O álbum de estreia do Chat Pile parece, lá no fundo, nos lembrar que estamos de saco cheio dessa política tosca e destrutiva da extrema direita. E isso, por si só, já é um mérito.

29) Perfume Genius (Ugly Season): quem acreditava que a obra do Perfume Genius caminharia em direção a uma sonoridade cada vez mais acessível, após o climático e delicado Set My Heart On Fire Immediately (2020), talvez se surpreenda com o caráter um tanto hermético, quase de difícil digestão desse sexto trabalho de estúdio de Mike Hadreas. Aqui, resta pouco do espírito nostálgico, adocicado de canções calorosas como On The Floor e Without You. Como se desse um passo atrás, o artista se reaproxima de suas origens, apresentando uma coleção de canções pontuadas por sutilezas, fragmentos, experimentos e estruturas pouco óbvias, que o afastam de seu repertório recente. Claro, há exceções ali no meio - caso das pegajosas Pop Song (com seu título autoexplicativo). Mas, em linhas gerais o trabalho é muito mais denso, inquietante, claustrofóbico. É chato? Difícil? Não, é apenas mais desafiador. Mas certamente aqueles que se aventurarem a mergulhar nas ideias propostas pelo artista, encontrarão uma obra que, a seu jeito, reverbera ao mesmo tempo o caos atual (das guerras, dos preconceitos, do ódio e das doenças), ao passo que celebra de forma quase ritualística a natureza, o sexo, a personificação queer e a atmosfera luminosa que se sobressai em meio a névoa.

28) Harry Styles (Harry's House): é certo que não é o objetivo do Harry Styles se reinventar a cada novo disco, mas não deixa de impressionar a capacidade do artista de imprimir a sua personalidade a cada registro. Com Harry's House não é diferente já que parece que a gente nunca tá ouvindo a mesma coisa de antes. Seja na abertura com o funk efervescente de Music for a Sushi Restaurante (adorei esse nome), passando pela guitarrinha à Vampire Weekend de Grapejuice, até chegar ao pop setentista de Satellite, o trabalho é um verdadeiro passeio magnético por estilos, cores e arranjos quase palpáveis em sua mescla de simplicidade e magnitude. Um bom exemplo de tudo isso está no envolvente single And It Was, uma das grandes canções do ano, com Styles cantando sobre sentimentos agridoces e nostálgicos, mas "mascarando" tudo com sólidos sintetizadores à moda A-ha, que explodem em um dos grandes refrões do ano (Nesse mundo, somos apenas nós / E você sabe que não é igual a como era antes). Em entrevistas, Styles descreveu-a como uma música sobre "metamorfose, sobre abraçar as mudanças". De alguma forma, é o que o britânico faz o tempo todo em seu trabalho: chama os ouvintes para que se aprocheguem em sua casa, sentem-se, fiquem à vontade. 

27) Animal Collective (Time Skiffs): quem vê o Animal Collective "jogando" como se fosse um novato cheio de vontade, pode nem acreditar que a banda já tem mais de 20 anos de carreira e 12 álbuns lançados - fora a infinidade de EPs e outros projetos paralelos dos integrantes. Só que os fãs de verdade aguardavam já há algum tempo um disco que misturasse a fúria roqueira e a doçura psicodélica dos velhos tempos. Não que o experimentalismo onírico não siga como uma marca, capaz de nos fazer embarcar em devaneios mundanos e melodias borbulhantes, efervescentes. Mas o caso é que esse ótimo Time Skiffs retoma, ao menos em partes, aquilo que foi testado em registros como o magistral Merriweather Post Pavillion, que cruzava emanações etéreas com rock mais direto de uma forma absurdamente fluída. Claro que definir o criativo som de Avey Tare e companhia não é tarefa fácil. Shoegaze? Freak folk? Psicodelia? Na realidade pouco importa, já que é a mistura de tudo que nos arrebata. Um bom exemplo disso tudo está na envolvente Strung With Everything, que evolui a partir de batidas minimalistas, até chegar a uma explosão de cores, enquanto a letra enigmática é repetida quase como um mantra. Foi um dos grandes lançamentos do começo de 2022.

26) Ethel Cain (Preacher's Daughter): indo na contramão do Tik Tok e de outras modalidades de consumo cultural instantâneo, a americana Ethel Cain converte o seu álbum de estreia em uma experiência que convida o ouvinte a um mergulho mais profundo para algum lugar do passado onde, no interior dos Estados Unidos, a jovem protagonista intercala a missa de domingo em meio a estradas de terra, com as expectativas pela chegada à vida adulta e a quebra de ciclos na busca por um lugar no mundo. Trata-se de um projeto bastante confessional, que mistura Bruce Springsteen e Taylor Swift, transformando a lenta evolução das canções em uma espécie de conto americano clássico, que perpassa gerações. De hits como American Teenager, a músicas de títulos autoexplicativos como A House In Nebraska ou Family Tree o registro equilibra uma suntuosidade quase elegíaca - reflexo da criação em uma família religiosa (seu pai era pastor) - com o pop lento e soturno de contemporâneas como Lana Del Rey ou Sharon Van Etten. Essa ambiguidade também se reflete nas letras melancólicas, nostálgicas e otimistas que, de alguma forma, desconstroem o conceito de "sonho americano", como exemplifica a vertiginosa Ptolomaea, um tour de force visceral de mais de seis minutos.

25) Wet Leg (Wet Leg): vamos combinar, a capacidade de rir de si mesmo é admirável. Ainda mais quando ela parte da juventude que, em muitos casos, costuma ser mais atrevida do que o normal (talvez até como uma forma de defesa nesse mundo meio anacrônico ainda dominado por homens brancos idosos). Aqui, em meio a melodias com pitadas noventistas de Pavement, Breeders e No Doubt, as meninas do Wet Leg abusam da autoironia ao divagar sobre o quão patético pode ser ir a festas mesmo estando com quase 30 anos  (I Don't Wanna Go Out) ou sobre a vontade letárgica e pós-adolescente de apenas querer ficar atirado em uma espreguiçadeira o dia inteiro (Chaise Long). É meio que nesse limbo que se encontra o eu lírico das composições de Rhian Teasdale e Hester Chambers que parecem se dar conta de que o mundo ao redor acontece, enquanto elas permanecem estagnadas. Amadurecer é complicado e dolorido: amores, amizade, trabalho, estudo, sexo, família. Tudo é capturado, misturado e convertido em versos hilários e corrosivos, numa mescla melodiosa de shoegaze com rock de garagem. Sim, tem aquela cara de "já ouvi isso antes". Mas há também muita personalidade, como comprova a letra da derradeira Too Late Now (Não preciso de nenhum aplicativo / Pra me dizer que sou uma porcaria).

24) Placebo (Never Let Me Go): em uma conversa descompromissada com os amigos Bernardo e Henrique, à época do lançamento, de Never Let Me Go, eu tentava explicar o sentimento gerado por The Prodigal, uma das canções do disco: "é uma música mais Placebo que o Placebo, mas sem que pareça tanto assim com o Placebo". Na hora não sei se me fiz entender, mas isso era uma espécie de elogio à Brian Molko e companhia que, finalmente, deixavam para trás a péssima impressão que ficou do pouco inspirado Loud Like Love, lançado em 2013. E, vamos combinar que, em tempos tão pesados e sombrios como os que vivemos - de ascensão da extrema direita, de pandemia, de guerra, de espionagem digital e de desastres climáticos, só pra ficar em alguns exemplos - fez todo o sentido os britânicos, que tanto souberam converter as dores do mundo em belas canções, lançarem um novo disco. E ainda oxigenarem ele com criativos instantes melódicos, mas sem deixar de lado a personalidade que foi a marca registrada do coletivo. "Eu deixo pra este mundo uma canção esperançosa / Sem uma lágrima, vou me prolongar" canta Molko na citada música que abre esse texto. Enfrentar a paranoia atual se faz também pela arte. E o Placebo fez e muito bem a sua parte.

23) Years & Years (Night Call): a crítica especializada pode reclamar, pode espernear, pode fazer o que quiser: mas o mais recente registro de Olly Alexander com o Years & Years é envolvente, dançante e festivo na medida ideal para o contraponto a esses tempos brutos que vivemos. Trabalhando sozinho desde a separação dos agora ex-colegas Mikey Goldsworthy e Emre Türkmen, o artista converte Night Calls em uma espécie de utopia andrógina em que o pop oitentista se mescla com a eletrônica das pistas, enquanto ousadas referências mitológicas se misturam a vocais sofisticados e em falsete e a sintetizadores opulentos - num direcionamento que parece se afastar do perfil mais "econômico" do ótimo trabalho anterior, Palo Santo (2018). Um bom exemplo desse expediente está no grudento single Starstruck, com seu refrão esticado e letra hedonista e psicodélica (Se eu pudesse engarrafar você / Eu tomaria um gole de você /Como suco cósmico). Em outros ótimos momentos, como Sooner or LaterCrave e 20 Minutes - esta última, uma das melhores canções do ano - a experiência vai no limite entre o escapismo e a celebração. Não tem como resistir.

22) Hatchie (Giving the World Away): como seria um disco de música pop no universo dos sonhos? Talvez parte da resposta possa ser encontrada nesse segundo álbum de estúdio da australiana Hatchie. Misturando Roxette com Cocteau Twins e algumas pitadas de New Order, a artista deixa para trás a névoa espessa que envolvia seu primeiro trabalho, Keepsake, para investir em uma ambientação mais adocicada, convidativa. Não significa que o shoegaze enfumaçado e mais introspectivo do registro anterior foi abandonado. Ele apenas recebeu um banho que viria a deixar o dream pop levemente mais pop do que dream ( talvez na proporção de 60/40). O que faz com que as ideias testadas aqui encontrem muito mais rapidamente o coração. Peça central do projeto, a envolvente Quicksand funciona ao mesmo tempo como um synthpop oitentista e uma dance music majestosa que evolui lentamente em direção a um dos refrãos mais grudentos do ano. "Eu estava um pouco entediada com as músicas que lancei anteriormente e queria reconsiderar tudo dessa vez", admitiu em entrevista à Consequence of Sound. O resultado - divertido, apaixonado - é uma coleção de canções extremamente acessíveis como Lights On e This Enchanted, feitas sob medida pro público cantar junto.

21) The Weeknd (Dawn FM): interessante notar como, a cada novo lançamento, Abel Tesfaye - o nome por trás do The Weeknd -, parece se afastar mais das ambientações soturnas e das melodias mais dramáticas que marcaram o início de sua carreira. Assim, como se tivesse sido infectado pelo "vírus" dos anos 80, o artista transforma Dawn FM em um registro de essência festiva, pontuado por sintetizadores feitos sob medida para embalar as pistas. Nesse sentido, esse quinto trabalho parece ampliar as experiências mais comerciais do trabalho anterior, After Hours - que tinha os megahits Blinding Lights e Save Your Tears - para além dos limites da música pop. Não significa que não haja espaço para alguma eventual melancolia ou para a profundidade - e há todo um conceito meio metafísico por trás dessa ideia de uma rádio FM que te conduzirá para a luz, como se faixas fluídas e cheias de brilho como Out of Time, I Heard You're Married ou Take My Breath funcionassem como uma espécie de metáfora perfeita para a entrada dessa aura quase mística. O ano musical começaria da forma mais elegante possível - o disco chegou dia 07 de janeiro. E, na nossa lista, ele não é esquecido.

20) Sharon Van Etten (We've Been Going About This All Wrong): com a já habitual dramaticidade, Sharon Van Etten converte o seu sexto registro de inéditas em um novo veículo para expressar dolorosas confissões sobre relacionamentos, perdas e até coragem de dar a volta por cima. Na realidade, esta é quase uma tradição da artista - e um dos aspectos que mais atraem seus devotos fãs. O sofrimento, afinal, não se restringe apenas aos versos - ela é capaz de dizer coisas como Já faz um tempo desde que nos tocamos / Todas as portas se fecham / Eu vi a queda / Eu vi você desfeito / Estive escrevendo na poeira (na abertura Darkness Fades) da forma mais desavergonhada possível -, mas também às melodias econômicas e ao mesmo tempo expansivas e até a forma de cantar, flexionando as palavras ao máximo como se assim fosse possível ampliar (e tratar) as dores. Ao cabo, esse parece ser aquele disco pra ouvir numa tacada só, como uma espécie de expiação que se revolve entre sintetizadores calorosos, pianos delicados e percussão trovejante. Pode parecer meio desesperançoso para alguns paladares. Mas é tudo muito bonito, elegante, o que torna a experiência tão majestosa quanto honesta. Se preferir comece com Come Back ou Mistakes. Será difícil não mergulhar no resto.

19) Kendrick Lamar (Mr. Morale & The Big Steppers): vamos combinar, seriam necessárias verdadeiras teses de doutorado para qualquer análise mais aprofundada dos álbuns de Lamar. Ao cabo, não se tratam "apenas" de músicas, afinal, por baixo da poesia muitas vezes direta e bastante crua do rapper, há um sem fim de camadas que formarão uma ampla tapeçaria de temas que vão da infância envolta em problemas sociais e em questões ligadas ao racismo e à religião e que reverbarão na vida adulta, mesmo em um cenário de conquistas. Com uma verve vigorosa para descrever cenários e situações - sejam elas alegóricas ou concretas -, o artista investe numa espécie de fluxo de consciência em que ele mesmo deita no divã. Talvez não seja por acaso que, na abertura, com United in Grief, o estilo cru de afirmar que o "luto dele é diferente" sirva quase como uma reflexão para as armadilhas que podem advir da fama (com suas Mercedes, mansões, joias e piscinas de borda infinita). "A pobreza era o fato / Mas o dinheiro não está secando as milhas lágrimas", lembra. É apenas o começo de um monumento sonoro que divagará sobre machismo e relacionamento com o pai (Father Time), ideologia de gênero (Auntie Diaries), infidelidade (Die Hard) e abuso sexual (Mother I Sober). É um petardo atrás do outro.

18) Beach House (Once Twice Melody): vamos combinar que, em tempos de tik tok, de vídeos curtos e de pessoas saltando de um conteúdo pra outro em questão de segundos, é sempre admirável quando uma banda se desafia a lançar um disco longo, que exige uma apreciação mais calma do ouvinte. E se há um grupo que pode fazer isso sem nenhum peso na consciência é o Beach House. Com quase 20 anos de estrada, a dupla formada por Victoria Legrand e Alex Scally embala praticamente todos os experimentos testados anteriormente, em seu oitavo trabalho. Afinal, adentrar nas 18 faixas do disco de quase 1h30 é mergulhar num universo onírico que cruza o dream pop, o shoegaze e a psicodelia sem esquecer dos instantes mais acessíveis, dos refrões e das soluções mais fáceis. Sinceramente, dado o tamanho e a ambição do projeto, nunca foi tão descomplicado digerir um álbum uma vez que as canções são perfumadas pelo tradicional verniz adocicado, mas esculpidas de uma forma tão simples quanto consistente, que nos permitem identificar a identidade sonora da dupla já nos primeiros acordes. Espaciais, modernas, polidas, elegantes, canções como Superstar, Runaway, Only You Know e Sunset parecem ter vindo para ficar. 

17) Sudan Archives (Natural Brown Prom Queen): selvagem e afável. Debochado e respeitoso. Sutil e consistente. Clássico e contemporâneo. Uma base minimalista aqui. Uma letra mais descarada ali. Não parece haver limites quando o assunto são as possibilidades da música, no segundo registro de Brittney Parks como Sudan Archives. Apostando em versos confessionais, ainda que dotados de uma certa abstração, a artista californiana mescla R&B, trap, música eletrônica e hop hop de forma mais acessível do que no hermético Athena, seu primeiro trabalho. Um bom exemplo desse expediente pode ser encontrado na sagaz Selfish Soul, que emula uma batida rítmica à MIA em um debate sobre questões de gênero e da raça a partir do corte de cabelo como tema central (Se eu usar liso, eles vão gostar mais de mim?). De forma engenhosa, a artista arremessa o ouvinte de lá para cá indo da agitação à calmaria às vezes dentro da mesma música - como é o caso de Chevy S10 que, com seus mais de seis minutos cresce de forma vertiginosa e psicodélica, com a voz da artista sendo veículo para versos corrosivos como "Eu não vou mentir, eu tenho traficado desde 2009". Racismo, religião, papel da mulher na sociedade, pressões na carreira artística. Está tudo lá em um disco arrojado e imperdível.

16) Father John Misty (Chloë and the Next 20th Century): não sei explicar muito bem qual o efeito causado pelo Father John Misty, mas quase sempre começo não gostando tanto assim de seus novos trabalhos. Ouço uma vez, duas. Lá pela terceira já estou sendo absorvido pelo seu experimentalismo nunca óbvio, pelas curvas sinuosas de seus arranjos e pelas sempre ambiciosas e bem-humoradas letras. Ao cabo este é um disco que, assim como seus outros registros, vai te ganhando aos poucos, meio que na persistência. Sim, em tempos tão acelerados parece um contrassenso ouvir um álbum de mais de 50 minutos com melodias que evocam standards tocados em filmes antigos dos anos 40, que se mesclam a um pop que vai no limite entre a bossa nova e a fantasia lúdica e orquestral. Bem menos sério do que no ironicamente pessimista God's Favorite Customer (2018), Josh Tilman entrega aqui uma coleção de narrativas de amor meio tortas, de cotidianos inventados e de indulgência espalhafatosa. Um bom exemplo de todos esses recursos está na saborosa Goodbye Mr. Blues (Esta pode ser a última, a última vez que coloco meus sapatos / Desço até a esquina e compro para o maldito gato a ração mais cara). Mas há mais, muito mais. Quem se aventurar, certamente será recompensado!

15) Mitski (Laurel Hell): quem acompanha de perto a carreira da cantora Mitski já sabe que ela sempre se caracterizou pela sutileza e pela economia na hora de expressar seus poéticos versos. Só que no mais recente trabalho, ela se solta. Fica muito mais expansiva. Ficam de lado as melodias mais evocativas, empoeiradas, em favor de um flerte com a velocidade, a urgência, num aceno ao pop classudo anos 80 mas cheio de vigor, de personalidade. O resultado é uma coleção de canções memoráveis, como The Only Heartbreaker, Working for the Knife e Love Me More que falam de amor - especialmente de suas inseguranças, suas armadilhas - de forma madura, envolvente. É mais ou menos como aquele meme que cobre as áreas cinzentas com um verniz enérgico, acolhedor. Dá pra dançar. Mas pensar. Em uma alternância que flui de forma homogênea dentro de um pequeno caos. Um bom exemplo desse expediente está na já citada The Only Heartbreaker que lembra que, em muitos casos, seremos nós mesmos os "destruidores de corações" (Eu serei o cara mau na peça / Eu serei o cano de água que está estourando e inundando). Sensacional é pouco.

14) Alvvays (Blue Rev): vamos combinar: não tem como não se apaixonar por uma banda que fala da dor de uma separação por meio de versos, como "À noite eu atendo ligações de operadores de telemarketing / Na esperança de ouvir seu sotaque". E a real é que esse senso meio autodepreciativo, de quem vai lá e se humilha até onde dá, é algo que faz com que o ouvinte do Alvvays se identifique facilmente. Em seu terceiro registro, o grupo canadense repete o combo do pop primaveril, aliado a vocais levemente enfumaçados e ao clima de inferninho lo-fi de fim de madrugada para entregar uma nova coleção de canções honestas, sinceras até demais, sempre embaladas pelo vocal agridoce da cantora Molly Rankin. Em Tile By Tile, a música do verso citado acima, ela conclui a estrofe dizendo que entregou seu cartão de crédito para o atendente que está do outro lado da linha - o tipo de distorção existencial meio torta, quase cínica, que dialoga com as melodias espontâneas do trabalho. Maduro, cheio de personalidade e tão bom quanto o anterior, Antissocialites - nosso quarto colocado na lista de Melhores de 2017 -, o caso é que Blue Rev é o Alvvays em sua melhor forma

13) Alfie Templeman (Mellow Moon): muitas vezes subestimada, a capacidade de fazer música pop acessível, de qualidade, que combine boas melodias com alguma dose de inventividade, não é tarefa para qualquer mortal. Então, vá lá, nem todo novo artista por aí precisa ser tão virtuoso para se tornar a próxima sensação: basta oxigenar aquilo que já existe, recombinar elementos, dialogar com o público, trafegar com facilidade por estilos. E este é justamente o caso de Alfie Templeman com Mellow Moon. Tudo aqui é incrivelmente bem equilibrado, mesclando um certo refinamento que vai no limite da música alternativa bem polida, com uma maturidade instrumental e vocal que é não menos do que surpreendente para alguém de apenas 19 anos. Sim, 19 anos! Escolher uma música que represente tão bem essa verdadeira coletânea de gemas sonoras que ecoam, aqui e ali, R&B, synthpop, rock setentista e outros gêneros é uma tarefa quase inglória. Nesse caso a melhor dica é pegar o fone de ouvido, abrir as letras e curtir. Se você ouvir a faixa-título, 3D Feelings, A Western, Colour Me Blue e especialmente, o megahit Broken - talvez a melhor canção do ano -, e NÃO GOSTAR, juramos que devolvemos o "dinheiro".

12) Cate Le Bon (Pompeii): existem artistas que parecem nos oferecer uma experiência cultural muito mais completa quando lançam um disco, e este é justamente o caso da galesa Cate Le Bon. Para além da música, o sexto trabalho da multi-instrumentista invade o terreno da história, da pintura, da escultura, da literatura e da arquitetura, em meio a devaneios oníricos que vão no limite entre o barroco e o pop, entre o torto e o harmônico. Pompéia, vocês sabem, foi a antiga cidade romana destruída pelo vulcão Vesúvio em 79 d.C., mas que se manteve preservada pelo efeito da lava endurecida. Aqui, o episódio ganha ares de metáfora em tempos de pandemia, onde foi necessário manter a esperança mesmo quando tudo parecia convergir para um cenário de catástrofe. Esse paradoxo entre a solidão monótona (do quarto, da casa) e o desejo de retorno a uma espontaneidade coletiva ressoa em nove canções tão fantasiosas e misteriosas quanto brilhantes e acessíveis. Há uma energia vibrante que é amparada por linhas de baixo, sintetizadores e saxofones que conectam passado e presente e que tornam a audição do trabalho um prazer tão elevado quanto apreciar um quadro de um grande artista ou ler um livro que nos arrebata. Ao cabo somos arremessados pra esse cenário estranho e curioso, mas também muito familiar, em que canções como Moderaton, French Boys e a faixa-título funcionam direitinho.

11) The 1975 (Being Funny in a Foreign Language): uma das histórias que mais gosto de Being Funny in a Foreign Language, envolve a melodiosa Oh Caroline - quinta canção do registro. Nas entrevistas de divulgação, quando perguntado sobre quem seria, afinal, a Caroline da música, o vocalista Matty Healy afirmou que não era ninguém em especial. "É um personagem inventado, onde a cadência era o que realmente importava. Não poderia ser 'Oh Linda' ou 'Oh Jane' – você tinha que ter uma palavra de quatro sílabas que realmente funcionasse", salientou. Arrisco dizer que é justamente nesse aspecto aleatoriamente despojado, que reside um dos charmes da banda inglesa. É essa capacidade de pegar algo - uma pessoa, um objeto, um tema - meio que do nada e convertê-lo na mais perfeita gema pop, transformando a mera especulação em arte. Se a Caroline sequer existe, talvez a mesma lógica valha para a oitentista e dançante Looking for Somebody (To Love) - que não faria feio na trilha sonora de filmes como Um Tira da Pesada. Em linhas gerais dá pra se dizer sem erro que a pretensão megalômana do trabalho anterior, Notes on a Conditional Form aqui se converte em um exercício direto, divertido, irônico e com uma aura pop cintilante. É difícil não se apaixonar.

10) The Smile (A Light for Attracting Attention): lembro bem daquela madrugada do dia 13 de maio - dia do lançamento do disco mais "Radiohead do que o próprio Radiohead", como a crítica já vinha sentenciando. Eu já estava indo dormir, meio sonolento. Mas resolvi dar o play só pra dar uma conferida inicial. Resultado: fui absolutamente sugado pra dentro do registro. Fiquei hipnotizado e maravilhado durante as 13 músicas distribuídas em 53 minutos. O que serviu apenas para confirmar aquilo que já sabia: ninguém traduz tão bem a urgência dos tempos que vivemos - tecnológicos, borbulhantes, pandêmicos, beligerantes e caóticos - como Thom Yorke e Jonny Greenwood juntos que, aqui, se juntam a Tom Skinner do Sons of Kemet. Há sempre algo naquela mescla melodiosa de música eletrônica, pós punk, jazz e afrobeat que, somado ao vocal etéreo de Yorke parece sempre pronto para transbordar. É uma música que está além. Em um outro lugar que não aqui. Um outro plano. Pode mudar o nome, pode ser um projeto paralelo, pode ser apenas uma ironia, como é o nome da nova banda. Mas o DNA vai estar lá. Vivo. E repleto de ambientações enigmáticas, caudalosas, cheias de personalidade. O que pode ser percebido em joias como Free in the Knowledge, You Will Never Work in Television Again e The Smoke.

9) Let's Eat Grandma (Two Ribbons): um disco esperançoso, iluminado, polvilhado por faíscas por todos os lados, quase como se representasse uma espécie de abertura após um caminho tortuoso. Assim pode ser resumido o terceiro disco de estúdio lançado pelas amigas de longa data Rosa Walton e Jenny Hollingworth, com o Let's Eat Grandma. Deixando de lado o experimentalismo cinicamente sombrio que marcaria o trabalho anterior I'm All Ears (2018), aqui a dupla se entrega para uma sonoridade de fácil digestão - como comprovam as grudentas Levitation e Half Light. Não significa que as temáticas mais melancólicas não estejam lá - a dupla chegou a ensaiar uma separação em plena pandemia e o mundo real para além disso, bem, o mundo real a gente já sabe como é e haja emocional em dia para encará-lo. Mas bastam os primeiros segundos do sintetizador multicolorido da inaugural Happy New Year para que a gente já se sinta estimulado a dar uma sacudida na poeira. A ambientação é um amálgama de Calvin Harris no mundo retrô, com letra sobre amizade, luto e superação de dificuldades. E se já não bastassem tantos predicados, o clímax ainda tem um refrão daqueles pra cantar com gosto nos shows. É consistente mas é divertido, profundo mas melódico. Não dá pra ficar alheio.

8) Rina Sawayama (Hold the Girl): ok, pessoal, o mundo anda complicado mas aqui está a Rina Sawayama para nos lembrar que, juntos, talvez possamos dar a volta por cima. Enfrentar o que quer que seja. A mensagem pode soar meio óbvia, mas, de alguma forma, parece ser parte do conceito central do segundo trabalho da artista nipo-britânica. Abandonando, ao menos em partes, a fúria nü metal do disco de estreia, Rina abraça com carinho o europop e a dance music, mesclando-o com o rock alternativo, o hyperpop e outros gêneros. O que resulta em uma coleção de canções heterogêneas e cheias de personalidade. "É um disco muito adulto, porque só é totalmente compreendido quando você se torna um adulto e pode relembrar as experiências que teve quando criança", comentou em entrevista à Rolling Stone. Nesse sentido, é interessante notar como temas diversos que vão desde à opressão religiosa (Holy), passando pelo abismo entre gerações (Your Age), pela homofobia (Send My Love to John) até chegar a importância da autoaceitação (Frankenstein) se descortinam em letras que fluem como uma verdadeira montanha-russa emocional - sempre amparadas por arranjos envolventes e melodias luminosas. Rina é daquelas que olha pro futuro. Ao mesmo tempo em que reverencia o passado. 

7) Girlpool (Forgiveness): quem ouve o quarto disco dos americanos do Girlpool, quase nem reconhece a banda tímida, que surgiu para o mundo em 2015, com o gracioso Before The World Was Big. Do violãozinho introspectivo do começo, aos sintetizadores voluptuosos e com orquestrações reverberantes de agora, o caminho percorrido rumo ao amadurecimento foi como o de qualquer jovem chegando a fase adulta. Então, nada mais natural que a ingenuidade de outrora, dê lugar a uma postura mais confiante - mesmo que isso envolva versos sobre decepções amorosas, busca pelo perdão ou sexo descompromissado. Em meio a melodias que vão do hipnótico, como na abertura Nothing Gives Me Pleasure, passando pelo country sexy de Faultline até chegar ao indie pop noventista de Dragging My Life Into a Dream (que não faria feio num projeto paralelo envolvendo o Teenage Fanclub e o The 1975) a dupla é pura personalidade ao mesclar estilos sem nunca descambar pra bagunça. E, não bastassem tantos predicados, ainda há as letras, cheias de metáforas e sutilezas, que resultam em alguns dos melhores versos do ano, como no caso da absurdamente irresistível Butterfly Bulletholes (E como é dentro do mundo da noite? / Eu quero saber como viver sem medo da vida). Difícil não se apaixonar.

6) Big Thief (Dragon New Warm Mountain I Believe In You):  existe algo mágico na hora de ouvir os discos do Big Thief que torna a experiência com a banda meio celestial, quase mística. E não é que haja grande elaboração nos arranjos ou nas melodias - que são soberbas. Ou que as letras sejam tão poéticas como se fossem um Walt Whitman da nova geração. Não. Mas ainda assim a força de um trabalho como este parece estar na simplicidade semi-acústica de quase tudo, no instrumental econômico e direto e na perfumaria nostálgica encontrada nesse roteiro meio bucólico, meio transcendental. Sim, porque não deixa de ser impressionante a forma bastante descritiva que Adrianne Lenker e companhia promovem uma viagem que divaga sobre recordações de infância, amores mal resolvidos, ciência de almanaque, ETs, riachos, átomos, cachoeiras, criaturas aladas, sangue, febre, árvores, prismas, cavalos e anjos. Durante as 20 faixas o que encontramos é uma enxurrada que verte de forma tão aleatória quanto calorosa, enquanto o vocal excêntrico e quase no limite da desafinação da vocalista nos envolve, nos abraça. Fazendo com que nos reencontremos com algo meio sem saber direito o quê, como comprovam as ótimas Red Moon, Wake Me Up to Drive e No Reason

5) Taylor Swift (Midnights): o título do décimo disco de Taylor Swift pode ter pego o fã da era 1989 (2014) meio desprevenido. Especialmente para quem esperava um álbum mais movimentado depois do passeio onírico e plácido proposto nos anteriores folklore / evermore (2020). Só que a artista parece ter retornado pra pista no modo barzinho. Estilo fim de noite, discreta. Sem agitação. Sem grandes arroubos imersos em lantejoulas coloridas, como podemos perceber na sinuosa Question...?, a sétima faixa do trabalho. Há uma verborragia de quem prefere a conversa do que a dança. De quem já bebeu alguns goles e já tá no "brilho". E que fica ali divagando sobre se "Alguém já te beijou em uma sala lotada? / Com cada um de seus amigos tirando sarro de você? Mas quinze segundos depois eles estavam batendo palmas também?". É uma coisa que soa ao mesmo tempo juvenil e adulta, inexperiente e madura. A meia-noite da cantora passa longe da dramaticidade do passado. Mas tem personalidade, intensidade e vigor. Mesclando um leve experimentalismo com a solidez suave do pop grudento. Como comprova a magnética Snow on the Beach, feita em parceria com a Lana Del Rey. Ou a ótima Lavender Haze. Mas tem mais, bem mais. É só dar o play.

4) Rosalía (Motomami): falar de relações de forma dramática, sexy, bem humorada, misturando reggaetown, jazz, samba, trap, flamenco e até canções de ninar. Parece tanta coisa ao mesmo tempo que, afirmar que Rosalía meio que reinventa a música pop com o elogiado Motomami, seu terceiro trabalho, não é exagero. Avançando um passo em relação ao já ótimo El Mal Querer - nosso 19º melhor na lista de 2018 -, a artista espanhola converte o registro em um amálgama de canções que se conectam ainda que, muitas vezes, pareçam tão diferentes entre si. Enquanto G3 N15 é uma pequena homenagem ao seu sobrinho - e sobre o mundo que ele enfrentará ao entrar na adolescência -, a envolvente Hentai fala de sexo de uma forma tão inesperadamente elegante (eu quero andar em você como ando na minha bicicleta [...] Eu quero te fazer hentai) que não é difícil entender porque ela é saudada como a vanguarda da música eletrônica. Ousado, classudo, global, esse é um disco que vai no limite entre a homenagem ao passado (Delirio de Grandeza) e o passeio pelo futuro (Saoko). Com uma parada exatamente aqui onde estamos: nesse mundo caótico, urgente e que clama por boa música.

3) Beyoncé (RENAISSANCE): seis anos se passaram desde Lemonade (2016) e talvez não seja por acaso o fato de a montanha-russa emocional vista no projeto anterior parecer, agora, distante. Nada mais dos versos cheios de sinceridade que pareciam funcionar como veículo de expiação dos problemas conjugais que envolviam o marido, o rapper Jay-Z -, e que renderiam canções maravilhosas como Hold Up e Daddy Lessons. O caso é que o casamento pode até existir (ainda), mas com RENAISSANCE, Beyoncé está de volta à pista. Aliás, quase literalmente, dado o apelo à disco music classuda e oitentista - o que faz com que canções como Cuff It soem como um convite a mexer o corpo. "Eu tô a fim de me apaixonar", anuncia a cantora em meio a uma melodia enfumaçada em que os globos espelhados de boate quase se tornam palpáveis. E isso instantes depois de ter levado o ouvinte a levitar com as notas excitantes e espaciais da sublime Alien Superstar. Como e praxe na carreira da artista trata-se de um projeto que muda de rota mas que se apresenta revigorante, oxigenado e cheio de personalidade. O que faz com que canções como Virgo's Groove, I'm That Girl, Break My Soul e, especialmente, Heated (um sinuoso afrobeat) brilhem naturalmente. 

2) CMAT (If My Wife New I'd Be Dead): acho que foi quando ouvi Groundhog Day pela primeira vez, que me senti realmente atraído em saber mais sobre esse disco. Pra quem não tá ligando o nome à "figura", esse é o título original da ótima comédia romântica Feitiço do Tempo (1993). E se o violãozinho country saboroso, somado a um refrão absurdamente grudento, já era atrativo suficiente, a letra que falava de tédio no relacionamento, utilizando como metáfora o filme estrelado por Bill Murray e Andie MacDowell era a perfeição. Sinceramente, foi um mergulho de cabeça em uma nova artista - seu nome é Ciara Mary Alice Thompson - e a descoberta e um universo mágico em que a idiossincrasia se mistura ao tom de deboche mesmo em temas mais sérios. A abertura Nashville, por exemplo, fala de suicídio sem nem dar uma pista direta sobre o tema. Já Peter Bogdanovich aborda a traição ao citar o caso do diretor de A Última Sessão de Cinema - que trocou a esposa pela Cybil Shepperd em pleno andamento da produção. Não escapa nada do tom sarcástico, mas absurdamente consciente da artista, que converte o country pop moderno em uma coleção de canções divertidas, criativas e melancólicas em igual medida. Precisaria de mais espaço para falar sobre como No More Virgos (sim, é sobre astrologia), 2 Wrecked 2 Care e outras são apenas perfeitas. Vocês precisam descobrir.

1) Amber Mark (Three Dimensions Deep): é quase um consenso o fato de grande parte da excelência artística partir da dor. Sofrer - e superar - é, ao cabo, se conectar consigo. Tentando buscar, de alguma forma, a paz de espírito. E foi justamente esse o caso de Amber Mark que, com seu álbum de estreia, talvez tenha encontrado um formato de cura alternativo para a dolorida perda da mãe ou para o término de um relacionamento - que se somaria, mais adiante, à pandemia. Mas se engana quem pensa que Three Dimensions Deep vem envolto em uma aura pesada. Muito pelo contrário, dividido em três atos, Mark chafurda em suas inseguranças e trabalha as partes complicadas, até o terço final quando exercita a autodescoberta e a consequente volta por cima. Tudo envolto em uma coleção de canções multicoloridas, celestiais, classudas, aconchegantes e aveludadas, que mesclam R&B, funk, pop, soul, hip hop e música eletrônica. Há um polimento, um brilho geral como um todo que converte a experiência em uma verdadeira jornada de autoaceitação, de compaixão, de afirmação, que é simbolizado por canções estonteantes como What It Is, Bubbles, Worth It, On & On e Turning Pages (essa última dos versos "não tenho tempo pra doer, amor"). É o álbum do ano. Quase com folga.


Honestamente, a triagem inicial para essa relação tinha quase 200 álbuns. Sim, 200. Pra se ter uma ideia, talvez em anos mais "normais", discos como os de Spoon (Lucifer on the Sofa), Tove Lo (Dirt Femme), Weyes Blood (And in The Darkness, Hearts Aglow), Bad Bunny (Un Verano Sin Ti), Björk (Fossora), Suede (Autofiction), Soccer Mommy (Sometimes, Forever), Wilco (Cruel Country), Angel Olsen (Big Time), Charli CXC (Crash), Florist (Florist), Yaya Bey (Remember Your North Star), Wallows (Tell Me That Is Over), Spiritualized (Everything Was Beautiful), Belle & Sebastian (A Bit of Previous), Fontaines D.C. (Skinty Fia) e até Tears for Fears (The Tipping Point) jamais ficariam de fora. Mas, como já dito, foi um ano diferente, cheio de ótimos trabalhos e que certamente ficará marcado pela quantidade e pela qualidade.

E pra vocês? Faltou algo? O do Arctic Monkeys deveria ter entrado?  Fala pra gente!

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