De: Ira Sachs. Com Franz Rogowski, Adèle Exarchopoulos, Ben Whishaw e Erwan Kepoa Falé. Drama / Romance, França / Alemanha, 2022, 91 minutos.
Quem acompanha a carreira do diretor Ira Sachs sabe que muitos de seus filmes têm como principal matéria-prima a complexidade das relações humanas - com todas as suas nuances. Obras como a agridoce O Amor é Estranho (2014), por exemplo, narram a história de um casal gay da terceira idade que, após passar por problemas financeiros, precisa viver separadamente e de favor na casa de parentes. E todas as implicações que uma situação como esta envolve são exploradas com sensibilidade, equilibrando o desgaste ocasional com a empatia frente às dificuldades. Já em Melhores Amigos (2016) dois meninos de personalidades distintas se aproximam, enquanto precisam lidar com os atritos de suas famílias - com as decisões dos adultos impactando decisivamente a vida das crianças. Esse tipo de expediente é repetido, em alguma medida, no recente Passagens (Passages), que estreou nesta semana na Mubi, após ser exibido no mais recente Festival de Sundance.
Aqui, a trama versa sobre as nossas incertezas na seara amorosa e sobre como parecemos ser seres eternamente insatisfeitos. Ou que nunca sabem bem o que querem - o que invariavelmente resultará em sofrimento, em irresponsabilidade afetiva e em escolhas nem sempre acertadas. Com aquele senso de urgência metropolitana típico do cinema alternativo, o filme já abre de forma metalinguística: Tomas (o sempre ótimo Franz Rogowski) está concluindo seu mais novo projeto e, em uma festa que celebra o filme, ele conhece a jovem professora de séries iniciais Agathe (Adèle Exarchopoulos, que sempre é uma presença luminosa em tela). Após uma noite de diversão e de dança, os dois acabam transando. Só que tem um detalhe: Tomás é casado com o professor de inglês Martin (Ben Whishaw) há quinze anos e, quando chega em casa ao amanhecer não apenas revela o que ocorrera na noite passado, como ainda garante ter sentido algo que não sentia há muitos anos.
Martin é sutil, mas não recebe bem a notícia, por mais que seu relacionamento com Tomás já não ande dos melhores - aliás, o segundo reclama de certo marasmo em alguma altura. O que lhe fará repetir os encontros com Agathe - cada vez mais quentes e íntimos. Sem tempo para remoer as dores, Martin também fará a fila andar, ao conhecer o escritor Ahmad (Erwan Kepoa Falé) com quem passará a se relacionar com frequência. Entre idas e vindas, dúvidas e certezas, o casal central se separará, se reencontrará e verá um ao outro tocando suas vidas: Tomás irá morar com Agathe que, mais adiante, engravidará. O que lhe fará sugerir a Martin a hipótese de um relacionamento a três, em que criarão o filho todos juntos. Com seus olhos angulosos, seu movimento de corpo libidinoso, oferecendo ainda um combo de carisma e sex appeal quase irresistíveis (aliás, aqui está a prova de quem um homem pode ficar muito bem vestido de cropped).
Ao cabo, em um filme como este, não há mocinhos e vilões - ainda que seja o comportamento autodestrutivo de Tomás, que fará com que todos afundem. Que atire a primeira pedra quem nunca tomou decisões equivocadas em relacionamentos amorosos para, logo ali adiante, se arrepender. Quem nunca quis voltar atrás? Martin e Tomás provavelmente se amam, mas parecem não encontrar mais espaço para a paixão carnal. Não é que eles não transem, mas o caso é que parecem ser espíritos inquietos - descompromissados, fluídos, interessados em viver tudo o que for possível e agora. O que não evitará o sofrimento e a perda de controle - aliás, para Tomás é o oposto do que ocorre em um set de filmagem. É um fiapo de história. Que pega um tema universal, o expande e o comprime o tempo todo, e que deixa seus três astros bem à vontade para entregarem o seu melhor. Tão sexy quanto devastador, esse é aquele tipo de projeto magnético que vale prestar atenção.
Nota: 8,0
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