quinta-feira, 6 de julho de 2023

A Volta ao Mundo em 80 Filmes - Sick of Myself (Noruega)

De: Kristoffer Borgli. Com Kristine Kujath Thorp, Eirik Sæther e Fanny Vaager. Comédia / Drama, Noruega / Suécia, 2022, 95 minutos.

Uma metáfora perfeita para o transtorno da personalidade narcisista - que parece estar bem em alta em uma era de individualismo, de baixa responsabilidade afetiva e de busca permanente por atenção a qualquer custo (especialmente nas redes sociais). Assim podemos resumir a experiência com o excêntrico Sick of Myself (Syk Pike), filme norueguês dirigido por Kristoffer Borgli e que leva até o limite a ideia de fama e de vaidade a qualquer preço. Misturando a sátira do comportamento mesquinho das classes abastadas à moda Ruben Ostlund com o body horror implacável de David Cronenberg, a obra nos apresenta ao casal Signe (Kristine Kujath Thorp) e Thomas (Eirik Sæther) - ela funcionária de um bar de Oslo, ele um artista plástico especializado em produzir esculturas feitas com móveis e outros materiais roubados. 

Só que o problema é que Signe está ficando com ciúmes da atenção que Thomas tem recebido pelo seu trabalho. E a oportunidade de atrair algum "holofote" pra si surge da forma mais aleatória possível: no caso, em um dia convencional de trabalho no bar, quando uma mulher é atacada por um cachorro sendo a protagonista a primeira a socorrê-la. Com sua roupa manchada de sangue, a jovem vaga pela cidade, enquanto relata aos amigos a história do salvamento épico - uma narrativa que vai ganhando tintas a cada dia mais exageradas, quase folclóricas (para estranhamento de amigos e conhecidos). Em meio a isso, Thomas consegue uma exposição em um renomado ateliê e, para não ficar pra trás, Signe finge estar tendo uma severa reação alérgica motivada pelo consumo de nozes. É nesse cenário que a barista percebe haver uma brecha: ficar doente poderá ser a desculpa perfeita para que ela se torne oficialmente o centro das atenções. Tendo algum tipo de admiração dos demais.



Mas como não é possível adoecer do nada, Signe vai pra internet. E descobre a existência de um medicamento para controle da ansiedade chamado Lidexol - que seria trazido da Rússia, via deep web, com um amigo traficante. Em doses cavalares, a droga tem severos efeitos colaterais que iniciam como manchas vermelhas na pele e avançam para verdadeiras deformidades no corpo. Bom, se a ideia da protagonista era chamar a atenção, talvez a medida drástica ajude? Em partes. O caso é que na atual máquina infinita de informação que vivemos, um assunto é simplesmente atropelado por outro - às vezes no mesmo dia. De nada adianta Signe fotografar a si própria como uma pessoa debilitada, que padece de uma doença desconhecida. Sair em um portal de notícias? De tarde, as manchetes já mudaram. E mesmo quando a jovem obtém um contrato para trabalhar com moda inclusiva, seu segredo parece sempre prestes a vir à tona (na mesma medida em que sua saúde se esfacela).

Em tempos em que influencers fazem de tudo para chamar a atenção - como no caso do youtuber que engordou 100 quilos enquanto era saudado por seus milhões de seguidores - pensar em uma alegoria do tipo nem parece ser um exagero. Uma pesquisa no Google e a gente localiza as mais variadas "personalidade de mídia" com seus comportamentos exóticos travestidos de iconoclastia. Vale tudo pela fama? Por aqueles quinze minutos de holofotes que alimentam o ego? Na produção de Borgli o que percebemos é que o comportamento perturbado de Signe pode ser ao mesmo tempo repugnante e patético em sua busca desenfreada por migalhas em formato de cliques. Com tudo piorando quando a disputa com Thomas se torna algo pessoal - a ponto de ela jamais conseguir celebrar as conquistas do parceiro. Você já viu alguém assim no seu entorno?  Alguém que se acha especial? Que exagera suas conquistas? Que não tem empatia? Que tá sempre atrás de aplausos? Que apenas explora os outros sem nenhuma reciprocidade? Que se vitimiza? Que só fala a linguagem do "eu, eu, eu"? Sim, tem bastante por aí. Talvez até nós mesmos sejamos essa pessoa. Vai saber. 


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