quarta-feira, 26 de julho de 2023

Cinema - Barbie

De: Greta Gerwig. Com Margot Robbie, Ryan Gosling, America Ferrera, Michael Cera e Will Ferrel. Comédia / Fantasia, EUA / Canadá, 2023, 114 minutos.

Ao concluir a sessão de Barbie, a sensação que ficou foi a de que esse era o único filme possível para a boneca mais famosa do mundo. Estamos em 2023 e ainda parece meio incrível que pautas feministas ou que envolvam questões ligadas à importância da igualdade de gênero precisem ser permanentemente lembradas, marteladas. Mas o caso é que o óbvio, em muitos casos, precisa ser dito. Reiterado. Reforçado. Que isso seja feito justamente (e paradoxalmente) por meio de um brinquedo que funcionaria, por décadas, como o exemplar máximo do estereótipo feminino fetichizado é algo digno de aplausos. "Ãin, porque a Mattel vai ganhar rios de dinheiro com o hype em cima da obra". Sim, vai. E ela ri meio que na nossa cara dessa contradição. Mas é também preciso elogiar a percepção de que o mundo evoluiu e, vá lá, talvez nos dias de hoje já não faça mais sentido uma comédia agridoce com a Barbie e o Ken feita somente para agradar adolescentes vestidas de rosa - e suas mães totalmente desatentas no que diz respeito à classificação indicativa de um filme.

Sim, a gente poderia questionar muita coisa aqui - dos eventuais exageros expositivos do discurso ou mesmo a história que vai para além dos limites de um realismo fantástico em um mundo surrealmente rosa. Mas jamais de que a obra não cumpre seu papel. Minha esposa e eu temos 42 anos e nos divertimos demais com essa experiência. E ficamos muito felizes em ver a sala repleta de jovens rindo junto, reconhecendo padrões absurdos na tela - especialmente aqueles que dão conta do quão patético pode ser o macho escroto (ou o boy lixo, como costumam dizer as meninas mais jovens) quando age em bando, quando se sente reafirmado em sua masculinidade (tóxica, naturalmente) ou quando escuta algum mesacast com redpilados fazendo um esforço enorme para (tentar) gostar de mulher. A misoginia e o machismo, ao cabo, estão por todo o lado e a cada novo instante da projeção era possível reconhecer na tela aquele seu tio tosco do churrasco dominical, o colega de trabalho intragável ou o comediante de stand up que parece saído da Idade Média. 

 


Forçado? Temeroso para as novas e empoderadas (ui) gerações de mulheres do porvir? Nunca. Nunquinha. Até mesmo porque certamente elas já tão muito a frente nesse debate, do que supõe a cabeça torpe do homem normie, que acha que abala as estruturas falando em mercado financeiro, em bitcoins, em literatura rasa de coach do abstrato, na HB20 recém comprada ou sobre o quão incrível vai ser o seu novo barber shop (voltado à machões que se empolgarão em falar dos treinos da academia do bairro e dos jogos insuperáveis do imortal tricolor). Essa obra é uma aula que mais parece uma sequência de esquetes sobre a persistência da mulher hétero e, na boa, é simplesmente impossível não gargalhar alto quando vemos em cena uma sequência em que o Ken (Ryan Gosling) encarna o Zé Violão para tocar a música mais pálida possível do tiozão roqueiro dos anos 90 - no caso Push, dos queridos (sim) hiperamericanos, do Matchbox Twenty. Nessa hora eu perdi tudo. Aliás, eu já tinha perdido. Ou ganhado, dependendo do ponto de vista.

E se não bastassem todos os predicados no que diz respeito às temáticas, a obra dirigida por Greta Gerwig (alô Oscar, uma indicação pra moça na categoria Diretora por favor) ainda é um primor do ponto de vista técnico. O desenho de produção é impecável. A fotografia e os figurinos idem. A trilha sonora tá bem encaixada. E as soluções encontradas para "mesclar" os universos da Barbieland e o mundo real são engraçadas, inusitadas e hiperbólicas. Na Terra da Barbie são as mulheres que ditam o rumo das coisas, com o coletivo de Kens - aquele bando de homem médio apenas bonito (vocês veem bastante por aí) - sendo submisso a elas. Só que quando a coisa desanda com a Barbie Estereotipada (Margot Robbie, como vocês já tão carecas de saber) dessa outra dimensão, pondo em risco esse universo aparentemente perfeito, caberá a ela ir ao encontro dos humanos de carne e osso para tentar consertar as coisas. E, claro, esse choque de realidades em um espaço povoado pelo patriarcalismo, resultará em uma coleção de grandes instantes. É filme pra ver e rever. E que ajudará, como sempre fazem as artes, a retirar muita gente da zona de conforto. Não, não se trata de um tratado filosófico sobre o feminismo no Século 21. É apenas um filme que empunha sua bandeira sem se envergonhar disso. E que faz lembrar, inclusive de forma literal, que muitas vezes o discurso precisa ser repetido. Mais e mais vezes. Quase infinitamente. Até mesmo para que não haja mais retrocessos. De aplaudir de pé.

Nota: 10


Um comentário:

  1. Incrível. Resenha nota 10. O filme e maravilhoso. De aplaudir de pé.

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