terça-feira, 25 de julho de 2023

Novidades em Streaming - A Felicidade das Coisas

De: Thais Fujinaga. Com Patrícia Saravy, Magali Biff, Messias Gois e Lavinia Castelari. Drama, Brasil, 2021, 87 minutos.

A demorada construção de uma piscina, que parece que nunca vai ser concluída. Poucas vezes no cinema nacional a imagem de uma obra inacabada foi tão bem utilizada como metáfora para uma classe média que achava ia chegar lá - mas não chegou -, como no caso do premiado A Felicidade das Coisas. Dirigida por Thais Fujinaga e inspirada em memórias de infância da própria realizadora, a obra conta a história de Paula (Patrícia Saravy), uma mulher próxima dos 40 anos, que acaba de comprar uma antiga casa de veraneio no litoral paulista. No primeiro verão na casa, Paula se empenha em concluir o projeto da piscina, em meio a longas discussões com os pedreiros, esforços financeiros que parecem impraticáveis e ligações diversas para aquele que parece ser o ex-marido (alguém que, aparentemente, pretendia auxiliá-la na obra mas que, mais adiante, começa a dar pra trás).

Nesse sentido, a piscina poderia ser a alegoria quase óbvia para um recomeço. Ao lado da mãe Antônia (Magali Biff), Magali direciona os esforços para aquilo que, vá lá, talvez servisse como uma espécie de compensação para os filhos Gustavo (Messias Gois) e Gabi (Lavinia Castelari) - que surgem, aqui e ali, como figuras distantes da mãe. O clima geral é acinzentado, frio e úmido - como são aquelas casas de litoral que permanecem meio abandonadas e que carecem de uma série de investimentos pra que a infraestrutura não se arruíne. Todos se esforçam pra tocar a vida naquele lugar em que o rio é sujo e a floresta é fechada, quando a construção da piscina simplesmente paralisa pelo fato de Paula não conseguir arcar com as despesas. Tentando manter algum otimismo, Antônia funciona como a figura maternal que tenta ver o copo meio cheio, mesmo quando as crises parece se espalhar por todos os lados.



Na rotina das crianças há o interesse por uma espécie de clube local - um daqueles espaços luxuosos, com piscinas amplas, que as cidades médias costumam ter e que, num acordo bizarramente tácito, separa os pobres dos ricos. Paula está no meio do caminho: adquiriu uma casa decadente, é incapaz de concluir a piscina e, de quebra, não tem dinheiro para que todos ali possam se associar ao clube. E essa sensação de isolamento, de se sentir apartado de algo, é ampliada em sequências em que Gustavo e Gabi assistem, do lado de fora e separados por uma grade, os demais se divertindo do outro lado. É um Brasil de contrastes sociais que é evidenciado em instantes que nada têm de efêmeros. Em outro momento, Antônia compra para os netos um passeio de pedalinho, sendo alertada de forma constrangedora pelo operador de que, para utilizar o brinquedo, é necessário pagar. E mais do que isso, "jamais eles devem ultrapassar os limites da bandeira".

Em alguma medida, a experiência com A Felicidade das Coisas me fez lembrar outros projetos sul-americanos, como o clássico moderno O Pântano (2001), da argentina Lucrécia Martel. Naquela obra também acompanhamos uma classe média entorpecida, com as famílias se revezando em mesquinharias enquanto apenas aguardam a próxima tragédia que irá acontecer. A próxima piscina que não será concluída. Em entrevista à página Mulher no Cinema, Thaís Fujinaga salientou que quando filmou, em 2019, pensava a piscina como "analogia de um país que quase chegou lá". "A gente teve um período em que parecia que as coisas iam melhorar e avançar, mas chegamos numa espécie de teto de vidro, de ‘daqui você não passa’. Você pode ter essa casa de praia caindo aos pedaços, mas a piscina você não vai ter", explicou. Não é por acaso que esse núcleo familiar funciona como um microcosmo para o Brasil que viveria o boom de consumo da Era Lula, que culminaria na tragédia do governo Bolsonaro. Da euforia substituída pela incerteza. Da excitação que dá lugar ao vazio. Assim como permanecerá vazia a piscina.

Nota: 8,0



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