segunda-feira, 31 de julho de 2023

Novidades em Streaming - Regra 34

De: Julia Murat. Com Sol Miranda, Lorena Comparato, Lucas Andrade, MC Carol e Babu Santana. Drama, Brasil, 2022, 99 minutos.

Regra 34 é o tipo de filme que te faz pensar sobre uma infinidade de temas. Questões de gênero, violência contra a mulher, racismo, patriarcado, fetiches sexuais e os limites para o uso da internet, além do aparato jurídico em meio a tudo isso. E se, por um lado, esta diversidade é satisfatória por fazer ecoar, nem que seja minimamente, cada um desses assuntos, por outro, os eventuais excessos podem, aqui e ali, diluir a importância (e a relevância) de certos debates. E em tempos em que as pessoas têm dificuldade em focar há sempre o risco dos discursos mais prolixos serem mal compreendidos ou mesmo percebidos como mera militância ou, como gostam de dizer alguns, lacração (sim, essa palavrinha). Por quê, vamos combinar que pensar dá trabalho e, em uma uma obra mais didática, que adota uma retórica quase acadêmica, o conjunto pode soar presunçoso. Ou esquemático. Quase com um "olha aqui, estamos falando disso aqui, perceberam?".

Isso significa que é um filme hermético ou de difícil digestão? Jamais. Quer dizer, talvez em partes, já que, pesquisando em fóruns da internet percebi que os "cidadãos de bem" ficaram relativamente chocados com o que eles consideraram exposições desnecessárias - de corpos e de ideias. Mas na produção de Julia Murat (de Pendular, 2016), o corpo é essencialmente político - ao cabo, ele é um instrumento que permeia todas as temáticas. E tudo isso estabelece diálogo com a protagonista Simone (Sol Miranda), uma jovem que acaba de se formar em Direito e que passa boa parte dos seus dias em uma espécie de estágio supervisionado, que lhe tornará defensora pública. Nos momentos em que não está discutindo juridiquês em sala de aula, Simone atua como camgirl onde exibe o corpo para um público que, do outro lado, lhe envia dinheiro para que ela se masturbe ou conceda outras recompensas.


Nesse sentido, uma das melhores discussões emerge justamente desses universos contrastantes experimentados por Simone. Se por um lado, ela estuda para, entre outros, prestar atendimento jurídico à mulheres que sofrem todo o tipo de violência - não necessariamente apenas física, mas psicológica, financeira e outras -, por outro ela mesmo avança para o campo do fetichismo sexual, aceitando pagamentos para sessões de asfixiofilia (uma prática perigosa, que ela insiste em testar), de agressões consentidas e de outras violências, como cortes na pele. Tomando por base a Regra 34 - uma máxima da internet que afirma que a pornografia online existe em todos os tópicos concebíveis - a diretora nos convida a refletir sobre esses temas, seus limites e mesmo sobre o que pode ou não ser considerado abuso. Afinal, quando o assunto é o sexo, numa sociedade conservadora ainda há muitos tabus.

Em certa altura do filme, por exemplo, Simone e seus colegas divagam longamente sobre o fato de que as mulheres que entram para a prostituição, escolhem esse caminho por não ter outro em seus horizontes. Mas será mesmo? Não há uma chance mínima, que seja, de haver algum apreço por esse "ofício"? "E o que dizer das empregadas domésticas?", retruca alguém, que completa com uma provocação: "elas não vão também por essa área quando não parece haver outra alternativa?" Por quê, afinal, somente quando o assunto é o sexo há esse tipo de barreira? Com idas e vindas entre um universo e outro, Julia organiza uma teia de relações que estabelece um potente, ousado, desafiador e moderno diálogo sobre desejo, feminilidades, tecnologia, direitos e liberdades. Grande vencedor do Leopardo de Ouro do Festival de Locarno, esse é daqueles projetos que convidam a um debate. Jamais se encerrando quando sobem os créditos.

Nota: 8,0


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