quarta-feira, 19 de julho de 2023

Novidades em Streaming - Os Fortes (Los Fuertes)

De: Omar Zúñiga. Com Samuel González, Antonio Altamirano, Marcela Salinas e Rafael Contreras. Drama, Chile / Argentina / Brasil, 2019, 99 minutos.

Existe um duplo sentido muito inteligente no título do filme de Omar Zúñiga, Os Fortes (Los Fuertes). Por ser uma história de romance queer entre dois homens de personalidades distintas, que se conhecem por acaso na província, há que se destacar o peso - ou a força - de se levar um relacionamento meio improvisado a frente. Há que ser forte, afinal, pra enfrentar preconceitos de todos os tipos, que podem emergir do entorno (ou até de dentro da própria família, como parece ficar subentendido). Mas há um segundo significado para os fortes e que, aqui, tem mais a ver com a geografia, com o espaço físico onde a história se desenrola. E que, no caso, é o povoado de Niebla, uma espécie de vila de pescadores da região de Valdívia, um local bem ao Sul do Chile, onde está disposto um histórico forte à beira-mar, que teve papel importante durante a Guerra da Independência do País.

Ao cabo, essa é uma alegoria formidável - entre tantas outras que veremos nessa obra de grande sensibilidade -, que resume bem a ideia de enfrentamento ou de quebra do status quo, que representa uma relação de afeto entre dois homens em um espaço dominado pelo conservadorismo. Chegado de uma viagem de Santiago, Lucas (Samuel Gonzalez) resolve fazer uma parada no já citado vilarejo para uma visita a sua irmã Catalina (Marcela Salinas) e a seu cunhado Martin (Rafael Contreras). Isto antes de embarcar para Montreal, no Canadá, onde ele seguirá os estudos após ter obtidos uma bolsa de pós-graduação em Arquitetura. Só que a sensação de isolamento - e até de alguma hostilidade - vivida por Lucas será substituída pelo calor humano, quando ele conhece o jovem Antonio (Antonio Altamirano), um pescador taciturno, que faz um bico como ator de meio período justamente em uma representação sobre a guerra, que costuma atrair a atenção de turistas.



E não demorará para que os dois se aproximem, sob a desconfiança de Catalina - e por mais que os dois irmãos tenham uma relação afetuosa, as dificuldades que envolvem a comunicação com os pais, sugerem que os motivos de Lucas ter abandonado o povoado podem ter a ver não apenas com a intenção de estudar, mas também de ser aceito. Lucas nunca atende os eventuais telefonemas. E a situação entre Catalina, uma dentista local, e seu marido também não parece ser das melhores. E em alguma medida todas as angústias que transbordam dos protagonistas da obra parecem contrastar com a paisagem local, que se alterna entre o ensolarado e o acinzentado, entre o úmido e o quente, como uma representação legítima de almas que persistem, encaram, ainda que diluídas em incertezas, em incômodos, como se afundadas em um pântano. Em certa altura, Lucas recebe uma pedrada pelas costas. Aquele lugar que ele deixou pra trás, assim percebemos, tem outros segredos. E, vai ver, não será e presença de Antonio que modificará essa situação.

Ainda que isso não impeça que eles vivam seu amor. Uma relação cheia de paixão, de mãos pelos cabelos (e pelos corpos). Tudo evidentemente escondido. Longe dos pescadores que acompanham Antonio em sua rotina - ou mesmo dos parceiros de encenação teatral. Já Lucas mal consegue esconder da irmã os sapatos enlameados, quando ele retorna tarde da noite, após o primeiro beijo em Antonio. E sempre haverá algo no olhar condescendente da irmã. Em alguma medida essa é uma experiência de instantes e de rimas visuais e sonoras, que funcionarão também como metáforas para sensações que vertem da alma. Um momento íntimo, por exemplo, é substituído por uma caudalosa onda de mar em uma encontro visual que alude à torrente de paixão, que flui caudalosa, imparável. Em outro momento, o casal de beija enquanto uma chaleira persiste em apitar ao fundo, como que pronta para explodir, em uma pressão crescente que funciona como alegoria para o desejo. Nesse sentido, trata-se de um filme inteligente e sutil, elegante mas lascivo. E que nos faz pensar sobre as dificuldades que envolvem esses amores impossíveis que explodem inesperados. Mas eles explodem. E é isso que fica.

Nota: 8,0


Nenhum comentário:

Postar um comentário