De: René Sampaio. Com Alice Braga, Gabriel Leone, Otávio Augusto, Juliana Carneiro da Cunha e Bruna Spínola. Comédia romântica / Drama, Brasil, 2022, 119 minutos.
Em uma das tantas sequências bonitas do ótimo Eduardo e Mônica - adaptação de René Sampaio para a clássica canção da Legião Urbana - está o momento em que Eduardo (Gabriel Leone), em meio a uma "festa estranha com gente esquisita", sobe no palco do karaokê para cantar o hino irresistivelmente brega de Bonnie Tyler, Total Eclipse of the Heart. É um recurso bonito da narrativa porque foge das possíveis armadilhas do filme homenagem e da música tema do filme em si, para derivar para outros campos na hora de aproximar o jovem que jogava futebol de botão com seu avô e Mônica (Alice Braga), uma garota mais velha, estudante de medicina mas totalmente conectada com o mundo das artes - e fã de Godard, de Bandeira, de Bauhaus, Caetano e Rimbaud. E a meu ver esse é um dos grandes méritos da produção: o de que não é necessário ficar lembrando o público o tempo todo, por meio de trucagens baratas, que essa é uma obra baseada em uma música de Renato Russo e companhia.
Nesse sentido, há uma fluidez natural. Tão natural que o fã de cinema desavisado talvez nem notasse esse "detalhe" sobre a matéria-prima do filme. De onde ele se origina. Para o desatento, essa talvez fosse apenas uma comédia romântica por excelência, com dois jovens enfrentando as numerosas diferenças na tentativa de ficar juntos. De fazer acontecer, a despeito de todas os poréns. Mônica e Eduardo, a gente sabe, em um mundo como o nosso, de tão pouca responsabilidade afetiva e em um cenário em que encontrar uma tampa de panela para chamar de sua parece cada vez mais difícil, parecem trafegar no campo do improvável. O que não impede a gente de se conectar. E é justamente isso que, muitas vezes, torna uma comédia romântica eficiente: o quanto a gente se importa. De que maneira mergulhamos naquilo. Claro, há o elemento nostálgico. Há os acenos aos fãs inadiáveis da música da Legião. Mas há também um filmão muito bem sucedido naquilo que se propõe.
E, acompanhando a jornada dos nossos protagonistas, eu fiquei com a impressão de que parte do brilho tem a ver com as escolhas da trilha sonora. O filme, como não poderia deixar de ser, se passa nos anos 80. Assim não há celulares, não há Spotify ou Deezer. O que há é uma fitinha cassete com as melhores do rock inglês - aquele tipo de coletânea que os 40+ amavam juntar nas estantes e gavetas da juventude e que será a porta de entrada para um novo universo para Eduardo. Um jovem até então acostumado apenas a uma rotina alienante e sem muitas novidades ao lado do avô, o Seu Bira (Otávio Augusto), um militar da reserva que parece mais orgulhoso do que nunca da Ditadura Militar - provavelmente ele seria um adorador de Ustra e votante do inelegível, que está até agora aguardando mais 72 horas. Esses elementos políticos, culturais e sociais são um outro acerto. Dá pra olhar pro passado sem ignorar o futuro. Dá pra reverenciar os artistas de outrora - da música especialmente - sem deixar de lado o poder transformador e de vanguarda das artes, com sua iconoclastia e consequente quebra do status quo.
Mônica, afinal, é tudo aquilo que Eduardo ainda não é - seja pelo excesso de juventude ou pela imaturidade que respinga pelas frestas, como no instante em que ele genuinamente admite não fazer ideia do que diabos é a Nouvelle Vague (novela?). Uma artista plástica determinada que mora em um galpão espaçoso que também funciona como ateliê, ao mesmo tempo em que faz um turno extra como estudante de medicina - sendo vigiada por sua severa mãe (a sempre ótima Juliana Carneiro da Cunha). Em alguma medida há um choque entre o experimentalismo do cotidiano da Mônica - e suas divagações sobre meditação, fotografia, existencialismo e baladas estranhas - e o conservadorismo do entorno de Eduardo, com sua rotina que varia da escola para casa e da casa para a escola. E em meio a isso tudo há a música. As canções que acompanham. De artistas diversos como Soft Cell, A-Ha, The Pretenders, Titãs, B-52's, Clash, Mutantes, Tim Maia... É um filme baseado numa música da Legião? A gente quase esquece. A arte é maior e une tudo isso. Como comprova o comovente ato final.
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