terça-feira, 11 de julho de 2023

Tesouros Cinéfilos - O Trabalho Dela (I Douleia Tis)

De: Nikos Labôt. Com Marisha Triantafyllidou, Maria Filini e Dimitris Imellos. Drama, Grécia / França / Sérvia, 2018, 89 minutos.

"Você já trabalhou com isso alguma vez? Só em casa." A resposta de Panayiota (Marisha Triantafyllidou) à pergunta da colega de trabalho Maria (Maria Filini) é sintomática do que significa uma rotina de afazeres domésticos jamais reconhecidos e, muito menos, remunerados. E isso talvez explique a sua empolgação quando é contratada por uma empresa terceirizada para trabalhar como faxineira em um shopping que está prestes a ser inaugurado. Afinal, o que é passar o dia em meio a baldes, vassouras e panos e ainda poder receber por isso? Para Panayiota não parece haver problemas em realizar horas extras abusivas ou conviver com assédios variados em seu ambiente de trabalho. Ela está satisfeita com aquela que, ao cabo, é a sua primeira experiência do tipo. O cenário é o da crise financeira da Grécia. E, portanto, trabalhar é preciso. O que envolve se submeter a praticamente qualquer coisa pra tentar manter o cargo.

Disponível na plataforma Mubi, O Trabalho Dela (I Douleia Tis) faz lembrar, em alguma medida, o clássico de Élio Petri A Classe Operária Vai ao Paraíso (1971). Tratada de forma cortês e com certa reverência por seus empregadores, Panayiota é uma espécie de "funcionária padrão". Dificilmente diz não para os patrões. Independentemente de qual seja a pedida. Quando um grupo de colegas é sumariamente demitida sem muita explicação, não parece muito disposta a enveredar para o lado da greve ou dos protestos que rondam o "lado de fora". O que importa para a nossa protagonista é o seu mundinho. É a renda que vai entrar no final do mês. É o senso de independência meio tardio de quem pode, finalmente e à beira da meia idade, ter um pouco de autonomia, se livrando das garras autoritárias do marido - um sujeito incapaz de colocar a sua própria comida no prato ou despejar um café em sua xícara (mesmo estando desempregado).


Nesse sentido, a obra do diretor Nikos Labôt gera no espectador um sentimento meio ambíguo. Afinal, há que se valorizar a conquista de espaços da mulher, especialmente quando o assunto é o mercado de trabalho e a consequente fuga de certa dependência de homens em geral. Mas e quando o preço disso é muito alto? Sem experiência, Panayiota começa de baixo. Semianalfabeta, incapaz de operar o equipamento aspirador e inequivocamente submissa, ela se torna, com seu espírito subserviente, a operária ideal. Não questiona. Só baixa a cabeça e faz. Dez, doze, catorze horas diárias. O que faz com que, de forma paradoxal, o ambiente doméstico passe a funcionar melhor já que, sem a esposa para fazer absolutamente todas as funções, seu marido Kostas (Dimitris Imellos) se vê obrigado a trabalhar em casa. E a sua filha adolescente e rebelde a estudar. O único que parece sofrer mais e, genuinamente, é seu filho mais novo, que adoece com a ausência da mãe.

Com um aceno à obra sempre política de Ken Loach, o filme adota um tom naturalista, de planos mais fechados, intimistas, sendo comovente a expressão de permanente desencanto de Panayiota - que dificilmente consegue abrir um sorriso e verdade, ainda que ela vá se soltando aos poucos (como fica bastante explícito na sequência em que ela compra um elegante vestido vermelho). Em geral as intenções da produção são boas e, a despeito da descrença, o final libertador pode ter um sentido um pouco maior do que parece, quando as coisas aparentemente dão errado pra protagonista. Em suma a gente tende a julgar as ações daqueles que acompanhamos. Mas não podemos perder de vista que Panayiota é uma vítima. Alguém vulnerável. Em uma sociedade patriarcal e com profundas fraturas no capitalismo - com aumento da pobreza, políticas de austeridade e desemprego galopante, como foi o caso da Grécia recente. Ao cabo, um emprego é uma necessidade. E o sistema sempre estará pronto à explorar os que menos contestam.


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