De: Hirokazu Koreeda. Com Bae Doona, Arata Iura, Itsuji Itao e Joe Odagiri. Drama / Fantasia, Japão, 2009, 125 minutos.
- Que maravilhosa coincidência. Também sou.
- Fico pensando se há outros como nós.
- Atualmente, todos são.
- Todos?
- Sim, todos. Especialmente os que moram nesse tipo de cidade. Você não é a única.
Poucas vezes um filme foi tão eficiente (e alegórico) ao capturar o sentimento de vazio existencial de nossos tempos, como no caso do excelente Boneca Inflável (Kuuki Ningyou), do aclamado diretor Hirokazu Koreeda (de Assunto de Família, 2018). A cada dia que passa, parece que nos habituamos mais a solidão. A uma rotina de ocupações repetitivas, ordinárias. Que muitas vezes se soma a impossibilidade de estabelecer vínculos mais sólidos com outras pessoas. Os relacionamentos parecem fadados ao fracasso - com o excesso de ofertas para todos os lados sendo inversamente proporcional ao senso de responsabilidade afetiva. E não são poucas as obras de arte que adotam alegorias que funcionam à perfeição como divagações de grande sensibilidade e cheias de simbolismos. Aqui, quem afirma estar "vazia" é uma boneca inflável de nome Nozomi (a ótima Bae Doona, vista em Sense 8). Uma boneca que adquire consciência (e um coração).
Só que o vazio alegado por Nozomi era verdadeiro, literal. E que havia sido resultado de um acidente pelo qual ela passou - um ferimento que abriu sua "pele", retirando seu ar interior. A solução encontrada pelo colega de trabalho Junichi (Arata Iura)? Vedar o corte com fita durex e inflar novamente a boneca, assoprando-a em seu ventil. Sim, será o vento produzido pela boca de Junichi que fará com que Nozomi se recupere. Havia uma paixonite inesperada entre os dois. E não poderia haver melhor acerto em mais essa metáfora cheia de ambiguidades a respeito dimportância do outro para nos "preencher", para dar cor aos nossos dias, para nos possibilitar a vida, a troca, o laço. Nesse sentido, o filme de Koreeda é repleto de divagações poéticas quase sublimes, que são reforçadas pela sua reconfortante trilha sonora. Que acompanha Nozomi como uma espécie de Amelie Poulain feita de borracha.
E, sim, tudo pode parecer meio estranho, excêntrico e certamente há que se ter uma boa dose de suspensão da descrença para que possamos embarcar nessa jornada tão fantasiosa quanto impossível. Quando o filme começa, Nozomi parece ser apenas uma boneca sexual, adquirida pelo solitário Hideo (Itsuji Itao), um homem de meia idade que trabalha em uma lanchonete. Mas, para além do sexo, Hideo a trata como se fosse uma esposa improvisada: conversa animadamente com ela nos jantares, lhe dá banhos, a leva para passear, a veste (se está mais frio a cobre). É um comportamento amável, que concede à boneca um mínimo de dignidade. Só que ainda assim o despertar de Nozomi não demora. Ao abrir a janela e tocar acidentalmente uma goteira que verte água ela "acorda". E, diante do mundo, se maravilha com o sem fim de possibilidades. Inclusive no trabalho.
E será como empregada de uma locadora de vídeo que Nozomi conhecerá Junichi. E será em sua companhia que ela refletirá sobre a beleza das coisas. Com um comportamento digno de uma criança curiosa, que se depara com uma série de inesperadas novidades. "O que significa envelhecer? Por quê o mundo é construído de forma tão solta? O que é um aniversário? É possível preencher a vida sozinho? Aqui é o oceano? E o que tem lá em cima?". A cada novo questionamento de Nozomi, somos convidados a refletir ao seu lado sobre tudo que nos rodeia. Enquanto ela se esforça para manter seu segredo - especialmente de Hideo, seu "proprietário" (por assim dizer). Famoso por elaborar verdadeiras obras-primas centradas na subversão do conceito de família, Koreeda realiza aqui uma experiência meio fora da curva, muito mais melancólica do que sexual, e que de quebra ainda utiliza a sua temática para uma análise mais profunda sobre essa sensação de mal-estar da contemporaneidade. Uma joia.
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