terça-feira, 14 de fevereiro de 2023

Cinema - Triângulo da Tristeza (Triangle of Sadness)

De: Rubem Östlund. Com Charlbi Dean, Harris Dickinson, Woody Harrleson, Dolly De Leon e Zlatko Buric. Drama / Comédia, Alemanha / França / Reino Unido / Suécia, 2022, 150 minutos.

Em uma das primeiras sequências de Triângulo da Tristeza (Triangle of Sadness), nova obra do sempre ótimo Ruben Östlund e uma das indicadas à Melhor Filme no Oscar 2023, o jovem e lindo casal formado pela influencer Yaya (a tragicamente falecida Charlbi Dean) e pelo aspirante a modelo Carl (Harris Dickinson) discute longamente sobre quem deve pagar a conta de um jantar em um restaurante chique em que estão. Ela, pelo visto, ganha mais do que ele e ele culpa o "feminismo de merda" como uma mera muleta inútil no que diz respeito a essas questões mais práticas do dia a dia. "Se os direitos são iguais, as contas não deveriam ser divididas por igual?" é o que parece haver em seu cérebro ruminante. A cena segue, vai pro táxi onde o debate continua, em meio ao barulho incômodo de um limpador de para-brisas velho - que serve para ampliar o caráter caótico (e até absurdo) daquela conversa. Era pra ser uma noite feliz, que não fosse pautada apenas por dinheiro. Não é o que acontece.

Assim como ocorre no ótimo The Square: A Arte da Discórdia (2017), bastam alguns minutos do filme para que percebamos que Östlund aponta sua câmera, novamente, para a natureza mesquinha das classes mais abastadas, para a hipocrisia desses estratos sociais e para o abuso de poder que decorre desse cenário. Da mesma forma que o personagem do ator Jake Lacy não consegue relaxar em um hotel de luxo na primeira temporada de The White Lotus, por acreditar que o quarto que lhe foi disponibilizado não era pomposo o suficiente para a sua estada, aqui temos esses senso de vazio ampliado por vidas esquemáticas em que o que importa é conta bancária e, claro, a imagem - e os seguidores no Instagram, que retroalimentarão esse universo. Yaya e Carl receberam gratuitamente, de uma companhia de viagens, os ingressos para um cruzeiro de luxo - a imagem deles é o que compra a experiência. Eles são bonitos, afinal. Em troca? Fotos, vídeos e todo o aparato feitos por Yaya, com o apoio de um desconsolado Carl, que parece até compreender a inutilidade daquilo tudo, ainda que nunca cogite deixar de participar da "farsa".

Ao cabo, como em qualquer filme de Östlund, é sempre uma experiência muito satisfatória acompanhar como ele cola um tema no outro, convertendo a obra em uma sequência de esquetes que não fariam feio em um programa de TV moderno, oxigenado e que não teria vergonha de colocar o dedo na ferida a respeito de temas como as falhas do capitalismo, a inutilidade do debate político e a podridão humana. "Eu vendo merda pra vocês consumirem", anuncia em meio a viagem o ricaço russo Dimitry (Zlatko Buric) - um magnata da indústria de fertilizantes para a agricultura, de aparência meio grotesca. Sim, é um trocadilho, mas que funciona perfeitamente como uma rima divertida que envolve a primeira sequência do filme, em que um grupo de modelos - entre eles Carl - ensaia para uma peça publicitária da Balenciaga (aquela famosa marca que comercializa roupas esfarrapadas por preços exorbitantes, o que eu chamo carinhosamente de "tirar burguês pra trouxa").

Colando todas as partes de forma coesa, debochada, cínica, o diretor vai montando a sua colcha de retalhos que culminará em uma sequência absolutamente perturbadora, quase insuportável, durante um jantar com o capitão (Woddy Harrelson) no convés - instante em que, de forma bastante gráfica, Östlund exporá o que existe, na realidade, nas entranhas daquele povo. Um povo que sequer se envergonha em humilhar a tripulação da embarcação, obrigando-os a participar de ações a contragosto (como na cena do banho de mar) e até contribuindo para demissões, em pleno andamento da viagem. A roda não pode parar - e quem tá pagando, quem detém o dinheiro, é quem manda. De alguma forma é disso que somos lembrados o tempo todo. De que aquele sujeito que supervaloriza um prato com Nutella, é o mesmo que se acredita um filantropo por eventuais ações de caridade ou em causas sociais. "Dessa forma você pode ficar mais tranquilo em não pagar impostos o suficiente ou não contribuir com a sociedade como um todo", pontua Dimitry. O final genial nos faz pensar quais os caminhos para que esses contrastes fossem minimizados. É dolorido, sórdido, mas bem humorado. Onde quer que Buñuel esteja, não há dúvida de que ele aplaude seu "pupilo".

Nota: 8,5


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