segunda-feira, 17 de julho de 2023

Novidades em Streaming - Sem Ursos (Khers Nist)

De: Jafar Panahi. Com Jafar Panahi, Vahid Mobasheri, Mina Kavani e Reza Heydar. Drama, Irã, 2022, 107 minutos.

"Não há ursos. As histórias são inventadas pra amedontrar as pessoas."

Um filme sobre alguém tentando fazer um filme em que as coisas dão muito errado, em meio a um contexto político de opressão, de censura e de proibições. Pode até parecer uma distopia crítica ao totalitarismo, mas é apenas a vida do diretor iraniano Jafar Panahi, que segue em sua luta (quase) solitária no sentido de tentar exercer a sua profissão. Preso em 2010 sob a alegação de "cometer crimes contra a segurança nacional do País e propaganda contra a República Islâmica" (também conhecido como tentativa escancarada de silenciamento por parte do Governo), Panahi também foi proibido pelo Tribunal Revolucionário Islâmico de dirigir qualquer obra, escrever roteiros, dar entrevistas e sair do Irã. Por 20 anos. Em meio a respostas internacionais e apoio de organizações, o realizador se empenha em, às escondidas, dirigir filmes. É desse cenário conturbado que resulta o comovente e provocativo Sem Ursos (Khers Nist), vencedor do Prêmio do Júri do mais recente Festival de Veneza.

Rodado secretamente no Irã e estrelado pelo próprio Panahi, o filme se aproveita da condição do diretor -  e de suas limitações técnicas e geográficas - para um exercício metalinguístico e semidocumental poderoso. Aliás, quem acompanha a carreira do realizador sabe que, desde o prodigioso Isto Não É Um Filme (2011) - que foi enviado para o Festival de Cannes em um pendrive escondido em um bolo - tem sido assim. Fazer filmes é um suplício para Panahi. Mas ele não desiste - o que não deixa de ser um alento. Na trama de Sem Ursos, o vemos em um esforço remoto para a conclusão de uma obra onde, aparentemente, um casal em fuga se empenha em conseguir dois passaportes falsos, que lhes permitam ir para a Europa, para encontrar asilo. A vida, naturalmente, imita a arte e quando a câmera se afasta e um diálogo entre os atores se inicia, percebemos que Panahi os dirige à distância, em uma vila remota na divisa com a Turquia.



E como se não bastasse a perseguição política em si, Panahi perde a conexão com a sua equipe - ele até tenta capturar algum sinal de internet se afastando de sua base, até mesmo subindo no telhado (com uma escada emprestada). Não dá certo. Mas para não perder tempo, o diretor sai para o vilarejo para fazer algumas fotos do entorno. De cenários, de pessoas, da aldeia em um dia normal. Para além disso, incumbe seu senhorio - seu nome é Ghanbar (Vahid Mobasheri) - a obter algumas imagens de um casamento. O que não dá lá muito certo por conta da falta de habilidade do sujeito com o equipamento. E em meio a todas as dificuldades vistas em apenas um dia de trabalho, o assistente de produção de Panahi, Reza (Reza Heydari) o leva para um passeio em que explicita a insatisfação da equipe com a forma com que atuam. O caminho? Talvez uma fuga para a Turquia. E tudo piora quando uma jovem de nome Gozal (Daria Alei) aparece para, em desespero, suplicar para que o diretor apague uma suposta foto comprometedora dela.

Todos esses eventos servem para mostrar como as questões políticas, culturais, sociais e religiosas do País influenciam a vida de todos ali. O governo, sim, é uma barreira. Mas há as tradições entranhadas. Enraizadas. Que estão no tecido estrutural das comunidades iranianas. Não à toa, Panahi parecerá, ali pelas tantas, uma voz meio isolada em meio aquele contexto conservador imerso em superstições - e, aqui, não há nenhum tipo de pedantismo nisso, já que o problema do diretor se conecta, em alguma medida, àquele que envolve um beijo dado em alguém e que não deveria ter sido flagrado. Não por acaso, em um dos instantes mais estranhos, exóticos da projeção, Panahi é instigado a fazer um juramento a Deus de que não tirou nenhuma foto comprometedora. Em uma espécie de tribunal improvisado, o realizador não apenas liga a câmera como resolve dizer, para desespero de todos, que não compreende aquelas tradições. De alguma maneira, esses conflitos aparentemente mesquinhos, apenas preparam o terreno para as tragédias maiores. E que seguem assombrando as comunidades mais fechadas do planeta. Impactante é pouco.

Nota: 9,0


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