De: Jafar Panahi. Com Jafar Panahi, Vahid Mobasheri, Mina Kavani e Reza Heydar. Drama, Irã, 2022, 107 minutos.
"Não há ursos. As histórias são inventadas pra amedontrar as pessoas."
Rodado secretamente no Irã e estrelado pelo próprio Panahi, o filme se aproveita da condição do diretor - e de suas limitações técnicas e geográficas - para um exercício metalinguístico e semidocumental poderoso. Aliás, quem acompanha a carreira do realizador sabe que, desde o prodigioso Isto Não É Um Filme (2011) - que foi enviado para o Festival de Cannes em um pendrive escondido em um bolo - tem sido assim. Fazer filmes é um suplício para Panahi. Mas ele não desiste - o que não deixa de ser um alento. Na trama de Sem Ursos, o vemos em um esforço remoto para a conclusão de uma obra onde, aparentemente, um casal em fuga se empenha em conseguir dois passaportes falsos, que lhes permitam ir para a Europa, para encontrar asilo. A vida, naturalmente, imita a arte e quando a câmera se afasta e um diálogo entre os atores se inicia, percebemos que Panahi os dirige à distância, em uma vila remota na divisa com a Turquia.
E como se não bastasse a perseguição política em si, Panahi perde a conexão com a sua equipe - ele até tenta capturar algum sinal de internet se afastando de sua base, até mesmo subindo no telhado (com uma escada emprestada). Não dá certo. Mas para não perder tempo, o diretor sai para o vilarejo para fazer algumas fotos do entorno. De cenários, de pessoas, da aldeia em um dia normal. Para além disso, incumbe seu senhorio - seu nome é Ghanbar (Vahid Mobasheri) - a obter algumas imagens de um casamento. O que não dá lá muito certo por conta da falta de habilidade do sujeito com o equipamento. E em meio a todas as dificuldades vistas em apenas um dia de trabalho, o assistente de produção de Panahi, Reza (Reza Heydari) o leva para um passeio em que explicita a insatisfação da equipe com a forma com que atuam. O caminho? Talvez uma fuga para a Turquia. E tudo piora quando uma jovem de nome Gozal (Daria Alei) aparece para, em desespero, suplicar para que o diretor apague uma suposta foto comprometedora dela.
Todos esses eventos servem para mostrar como as questões políticas, culturais, sociais e religiosas do País influenciam a vida de todos ali. O governo, sim, é uma barreira. Mas há as tradições entranhadas. Enraizadas. Que estão no tecido estrutural das comunidades iranianas. Não à toa, Panahi parecerá, ali pelas tantas, uma voz meio isolada em meio aquele contexto conservador imerso em superstições - e, aqui, não há nenhum tipo de pedantismo nisso, já que o problema do diretor se conecta, em alguma medida, àquele que envolve um beijo dado em alguém e que não deveria ter sido flagrado. Não por acaso, em um dos instantes mais estranhos, exóticos da projeção, Panahi é instigado a fazer um juramento a Deus de que não tirou nenhuma foto comprometedora. Em uma espécie de tribunal improvisado, o realizador não apenas liga a câmera como resolve dizer, para desespero de todos, que não compreende aquelas tradições. De alguma maneira, esses conflitos aparentemente mesquinhos, apenas preparam o terreno para as tragédias maiores. E que seguem assombrando as comunidades mais fechadas do planeta. Impactante é pouco.
Nota: 9,0
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