Lançado pela editora Alfaguara, Aniquilar foi a minha quarta leitura de Michel Houellebecq e devo admitir que, agora, mais experiente com o estilo do autor, já me acostumei ao fato de que as suas obras podem começar em um lugar e terminar em outro. Bem diferente - e não estamos falando apenas de geografia. O que interessa ao cabo é o painel político, social e cultural que ele costuma tecer em seus trabalhos, geralmente tomando a França - esse país tão controverso quanto democrático - como pano de fundo. Um pano de fundo que a converte de forma não tão involuntária, talvez, em um microcosmo do mundo. Democracia em ruínas, burocracia governamental, fanatismo religioso, deep web, doenças da alma e do corpo, uma espécie de aniquilação meio que generalizada de tudo. Muitos críticos têm afirmado que este é um dos trabalhos mais melancólicos do autor. Mas vamos combinar que certo niilismo, um pessimismo diante dos rumos atuais não chega a ser uma novidade. Por mais que, aqui e ali, ainda haja espaço para um ou outro respiro.
Aqui, a trama inicia como um thriller político - que enveredará para o romance doméstico em tempos de distopia (e de busca por migalhas de felicidade em meio ao caos). É em meio aos prédios acinzentados do Ministério da Economia - Houellebecq e essa predileção pela burocracia estatal pesada, que pende para a crítica por sua mera existência em si -, que Paul Raison trabalha. Seu chefe é o ministro Bruno Juge, que está cotado para ser candidato a presidente (ou a vice) para as eleições que se aproximam (o ano é 2027 e tudo leva a crer que a Era Macron está perto do fim). Entre idas e vindas em meio a cum certo vazio existencial, que é completado pelo fato de o casamento de Paul com Prudence estar estremecido, o setor de Inteligência do Governo recebe um tipo curioso de ataque virtual: um vídeo bastante realista em que Bruno surge sendo decapitado. A tensão toma conta do entorno, especialmente pela fato de outros ataques terroristas ocorrerem.
Só que o caso é que esses ataques não possuem nenhuma lógica: após o vídeo da decapitação, um barco é atacado em alto-mar e também um banco de sêmen. Inicialmente não há feridos. Mas o que pretendem os criminosos digitais? Estariam ligados a quem? A grupos ambientais? À extremistas de direita? À fundamentalistas religiosos? Enquanto o serviço de inteligência trabalha para detectar a origem dessa milícia que opera de forma reomta, Paul se ocupa na campanha de Bruno - o que envolve ainda um excessivamente midiático e histriônico apresentador de TV que fará parte da chapa. Seu nome é Benjamin Sarfati e é simplesmente impossível não pensar nele como uma mistura de Donald Trump e Volodimir Zelensky, com algumas pitadas de Danilo Gentili (e não chega a surpreender o ex-CQC estar sendo cotado como o mais novo representante da extrema direita visando às próximas eleições, em mais um daqueles delírios protagonizados pelo MBL).
E se já não bastassem os problemas no trabalho, Paul ainda precisa lidar com uma série de problemas familiares que vão do AVC sofrido por seu pai, passando pelos problemas conjugais de seu irmão mais novo Aurelién - um restaurador de obras de arte que tem dificuldade de lidar com sua peculiar esposa Indy -, até chegar à sua irmã Cécille, que parece ter uma resposta pra tudo na religião (o que tornará o protagonista ainda mais impaciente). É muita coisa acontecendo, muita coisa pra lidar. O mundo urge, em meio ao turbilhão tecnológico, à descrença na ciência, a incerteza diante de tudo e Houellebecq costura tudo com sua verve cínica mas poética, iconoclasta, mas sensível. É tudo meio imprevisível. Aliás, como a própria vida - o que é comprovado pelos acontecimentos do último ato, que se inscrevem entre os mais tristes já elaborados pelo autor. Houelebecq ainda é jovem, tem 66 anos. Mas chegou naquela altura da vida que a curva parece não ter mais volta. Restando a tentativa de buscar a redenção por meio do amor, em um mundo que parece à beira do caos.
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