quinta-feira, 23 de fevereiro de 2023

Cinema - Close

De: Lukas Dhont. Com Eden Dambrine, Gustav De Waele, Léa Drucker e Émilie Dequenne. Drama, Bélgica, 2022, 105 minutos.

[ATENÇÃO: ESSE TEXTO TEM SPOILERS]

Léo (Eden Dambrine) e Rémi (Gustav De Waele) são dois meninos na faixa dos 13 anos, que moram na zona rural da Bélgica. Melhores amigos fazem absolutamente tudo juntos: brincam, andam de bicicleta, tocam oboé, dormem. Aliás, dormem até na mesma cama. A relação é íntima, cheia de afeto e bastante naturalizada pelas famílias de ambos os garotos. Tudo corre mais ou menos bem até o final do verão, quando eles começam a estudar no Ensino Médio. Novas vivências, experiências. Amizades. Em certo dia uma das colegas pergunta, de forma bastante despretensiosa, se eles estão juntos. Se são namorados, uma vez que o carinho entre eles é palpável. Léo estranha a pergunta. Fica incomodado. Nega veementemente. Tudo piora quando eles passam a sofrer bullying de outros colegas. Comentários homofóbicos. Que brotam do entorno. Léo resolve que, talvez, seja melhor se afastar de Rémi. Uma decisão que, definitivamente, impactará a vida de todos.

Poucas vezes a construção da noção de masculinidade na juventude foi abordada de forma tão comovente como no ótimo Close, filme do diretor Lukas Dhont - do igualmente belo e trágico Girl (2018) - que entra em cartaz nos cinemas nessa semana. Para os pais de Léo e Rémi não parece haver nada que desabone a amizade entre os dois adolescentes. Amorosa, a família de Léo trabalha no cultivo de crisântemos - e a primavera que vai e vem, com suas cores vigorosas que se alternam com o preparo do solo e de manejo da resteva na entressafra, servem como uma metáfora mais do que perfeita para uma relação de idas e vindas que será abalada pelo preconceito. No caso o preconceito enraizado. Que emerge de forma estrutural, ainda que não necessariamente claro. Há algo ao redor. E que às vezes é meio difícil de mensurar. Está no recreio no pátio. Numa risadinha que vem não se sabe de onde. Um vozerio ao fundo. Um encontrão com o valentão. Uma provocação aqui e ali.

Na intenção de manter certo distanciamento de Rémi, Léo, resolve entrar para o time de hóquei sobre o gelo do educandário - um esporte, sabe-se, de contato físico. Até de alguma forma violento. Aos poucos os encontros dos meninos vão ficando mais espaçados, para tormento de Rémi. Eles já não dormem juntos. Não pedalam juntos. Até mesmo brigam. Partem para a agressão física. Amor e ódio em uma corda que parece bastante esticada, firmada na mesma base. Até o dia em que uma tragédia acontece. Uma pancada emocional daquelas pra desgraçar qualquer espectador. Ao cabo, Close é um filme de sutilezas, de silêncios, de planos fechados que contribuem para esse suave passeio em um terreno repleto de ambiguidades. Em certa altura Rémi toca o oboé, enquanto Léo brinca: "quando você for famoso eu vou estar na primeira fila gritando por você!". "Não faça isso, vou morrer de vergonha", retruca o candidato a músico. "É por isso mesmo que vou fazer", retruca Léo às gargalhadas. Há algo ali que vai no limite entre o ingênuo e o malicioso, entre o inocente e o manhoso. E a gente quase nunca consegue saber se o que havia ali era mais do que uma amizade. Se é que isso importa alguma coisa.

Vencedora do Grand Prix do último Festival de Cannes e indicada ao Oscar na categoria Filme em Língua Estrangeira, a obra também tem parte de sua força nas interpretações - especialmente dos meninos. Descoberto por acaso por Dhont durante uma viagem de trem, Dambrine, com seu olhar melancólico, decidido e enigmático, consegue transmitir uma série de sentimentos mesmo em instantes mais econômicos ou pouco expansivos. Ainda que verbalize o quão incomodado ele está durante uma sessão de terapia coletiva diante da hipocrisia de todos ali, é o seu olhar que entrega o que está sentindo. Um olhar lacrimoso, vigoroso. Que retornará durante um comovente "reencontro" com Sophie (Émilie Dequenne), a mãe de Rémi. Não é preciso dizer nada. O gesso simbólico precisa ser quebrado para que o braço possa voltar a se mexer. Pra que a existência siga mesmo diante de um cenário de ausência. De vazio. Os crisântemos florescem bem nutridos, fortes. Ainda que as cores do jardim, ao que parece, jamais voltem a ser as mesmas. É pesado. E lindo.

Nota: 9,0


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